segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O Antigo Passou





O Antigo Passou

por Susanne Schwartzkopff

Mateus 9, 14-17

Então vieram os discípulos de João até Ele e disseram:

Por que jejuamos muitas vezes, nós e os fariseus, mas os teus discípulos não jejuam?

Respondeu-lhes Jesus:

Como podem estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Virá, porém, o dia em que o noivo lhes será tirado, então jejuarão.

Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho, pois semelhante remendo rompe o vestido, e faz-se maior a rotura.

Nem se põe vinho novo em odres velhos.
Do contrário rompem-se os odres, entorna-se o vinho e os odres estragam. Mas põe-se vinho novo em odres novos e ambos se conservam.




Com a vinda do Filho de Deus irrompeu um novo tempo, não apenas para os judeus, mas para toda a humanidade. O antigo havia passado nova luz deveria brilhar sobre a Terra.

Admirados, os seres humanos ouviam como que encantados quando o “Profeta de Nazaré” lhes falava, quando lhes sacudia de sua indolência, quando lhes arrancava a venda dos olhos e quando falava inexoráveis palavras da Verdade.

Calado de vergonha um ou outro se esgueirava dali, seu rosto queimava de rubor por causa de sua baixeza; silenciosas lágrimas de almas libertadas corriam sobre as faces extenuadas.
Tudo era novo em Jesus, a voz, as palavras, os gestos cheios de elevação, a força divina que despertava os mortos para a vida.

Os seres humanos viam, ouviam e vivenciavam o novo, e nos é relatado que eles se espantavam com sua fala, “pois Ele pregava de forma poderosa e não como os estudiosos das escrituras”.

Contudo, o judeu era um ser humano preso com tenacidade, sim, com fanatismo ao antigo.
Essa característica tornou-se uma rigidez impassível deixando surgir nele um orgulho frio e arrogante, do qual não se queria se separar.
Orgulho pela fileira de seus antepassados, os quais eram contados e louvados por séculos, orgulho por sua crença, por ser escolhido, assim se aferrava o judeu lá, onde uma vez havia começado de forma viva.
Esse orgulho havia-o preservado da mistura com outros povos, mas também lhe rendeu uma estagnação, a qual considerava uma virtude.
Estatutos e preceitos dados há outros tempos permaneciam sendo usados e eram severamente preservados, pois não se tinha nenhum substituto para eles, desde que a vida havia fugido da adoração a Deus.
Estatutos são dados de seres humanos a seres humanos e precisam modificar-se com o tempo. Apenas os mandamentos de Deus sobrevivem a todas as transformações, pois são de grande abrangência.

Na severa conservação de todos os estatutos reside um vangloriar-se oculto, o sentimento:
“Como eu sou tão religioso, tão fiel!”
Uma vida de temor a Deus sem o seguimento ao pé da letra desses preceitos parecia inimaginável.

Assim, também os discípulos de João foram um dia até Jesus e perguntaram-lhe repreensivamente, por que seus discípulos não jejuavam como eles e os fariseus.
Eles não conseguiam compreender essa omissão, viam na realização de um dever exterior, uma oferenda que ofereciam a Deus.




Jesus, porém, desaprovou-os.
Jejuar, portanto uma privação, era-lhes algo diferente do que aos judeus, um acontecimento profundamente interior, o qual se resulta de uma vivência.
Seus discípulos iriam jejuar de maneira diferente da dos fariseus.
Seria a privação de sua presença, a qual teriam que vivenciar um dia.

Então ele expressou em palavras aquilo que se passava naquele momento no povo judeu e para o que não tinham olhos, apesar de ser visível a todos.
Nenhum de seus ouvintes havia reconhecido e admirado isso até agora – que uma nova era havia irrompido, na qual o antigo havia ficado para trás e perdido seu direito.
Tornara-se um vestido rasgado, um odre quebradiço, que não pode mais receber o novo.
Não tinha nenhum sentido procurar consertar o velho vestido que se tornara fraco, com um remendo do novo.
Não poderia resistir, estava desgastado.
E o novo e fresco vinho da Verdade teria que arrebentar os odres velhos do querer saber melhor do raciocínio, tão forte é a sua força.

Quem quiser ganhar o novo precisa deixar o antigo atrás de si.
A isso também pertencem os velhos estatutos, os quais eram cheios de sentido, agora, contudo, sem vida.

Nós, seres humanos, possuímos sempre a tendência de nos separar com dificuldade do passado.
Indolentemente nós pendemos no antigo, nos costumes, nas tradições, com uma piedade que muitas vezes não se coaduna mais.
Apenas pelo fato de ser velho, parece-nos ser digno de ser venerado e nós não damos ao trabalho de analisá-lo em seu valor atual.
O que outrora era cheio de vida já pode ter fenecido há muito tempo, pois os tempos se modificam e nós, seres humanos, não permanecemos os mesmos.
Mas o passo para fora do antigo em direção a uma terra nova e desconhecida nós damos contragosto, com receio.
De preferência nós continuamos a arrastar-nos com alguns fardos velhos sem sermos vistos.
E, contudo, quão mais fácil é “jejuar”, impor a si mesmo privações, do que, compreender e vivenciar o que *realmente* nos falta!
Que de tudo carecemos sem pressentir – a verdadeira vida, sempre vivaz, fluente, incessante, que se modifica a toda hora e que de acordo com a qual devemos nos modificar ao invés de ficarmos parados aguardando.
Que nos arrebata e nos molda se deixamo-nos moldar.

Contudo, nós sempre nos esquivamos, nós, indolentes seres humanos.
Nós não queremos nos deixar levar no incessante movimento contínuo por um medo vergonhoso de encontrarmos surpresas desagradáveis, talvez até dores e uma real privação.
Por causa da preocupação de que deveríamos renunciar a nossa comodidade, que nos é tão doce, nós perdemos o melhor, na verdade, a vida.
Mudar um pouco, melhorar um pouco, remendar algo existente e que fora dado, disso ainda entendemos bem.
Mas o total e completo renunciar do antigo, daquilo que está morto, isso não conseguimos fazer. E assim nos encontramos eternamente *ao lado* da vida, que não espera por nós.

Também para nós já irrompeu um novo tempo, também para nós, seres humanos esclarecidos de uma época que queremos dominar a Terra.
Já outrora ela também irrompera para nós quando o Filho de Deus peregrinava pelas estradas da Judéia e da Galileia.
E ainda não jogamos fora o antigo?
Ainda nada parece diferente sobre a Terra?
Ainda sempre falamos frases ocas sem refletir, sem que nosso pulso bata mais forte?
Ainda sempre recebemos ao invés de dar, impelimos o vizinho para o lado por egoísmo?
Ainda sempre esquecemos o amor?
E quando finalmente surgirá o novo tempo, o tempo do amor que Jesus já há 2000 anos trouxera para a Terra?
Quando o nosso *sim* será um *sim* e nosso *não* um *não*?    
Quando finalmente veremos unicamente Deus como nosso Senhor e obedeceremos unicamente a Ele?

Parece quase sem esperança que a humanidade possa se tornar “nova” dessa maneira.
E, todavia deve ser assim, e cada um que não perde a esperança em um restabelecimento, deve co-participar auxiliando com sua parte.
Ele deve modificar-se de dentro para fora, por o velho de lado em qualquer forma que seja, no pensar para seu proveito, no julgamento crítico de seu semelhante, na palavra ou no silêncio verdadeiro, no agir fielmente.
De outra forma não é possível que a Terra receba um semblante novo.
O semblante que nós, seres humanos, profanamos e que devemos deixar florescer novamente, não devemos deixar que se perca levianamente por qualquer motivo em nossa existência.

Depende de cada um!
Muitas luzes pequenas conseguem formar uma grande luz, e muitas gotas d’água formam um oceano.
Depende das gotas para que se forme um oceano, e não o contrário.