O Antigo Passou
por Susanne Schwartzkopff
Mateus 9, 14-17
Então vieram os discípulos de
João até Ele e disseram:
Por que jejuamos muitas vezes, nós e os fariseus, mas os teus discípulos não jejuam?
Respondeu-lhes Jesus:
Como podem estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Virá, porém, o dia em que o noivo lhes será tirado, então jejuarão.
Ninguém põe remendo de pano novo
em vestido velho, pois semelhante remendo rompe o vestido, e faz-se maior a
rotura.
Nem se põe vinho novo em odres
velhos.
Do contrário rompem-se os odres,
entorna-se o vinho e os odres estragam. Mas põe-se vinho novo em odres novos e
ambos se conservam.
Com a vinda do Filho de Deus
irrompeu um novo tempo, não apenas para os judeus, mas para toda a humanidade.
O antigo havia passado nova luz deveria brilhar sobre a Terra.
Admirados, os seres humanos
ouviam como que encantados quando o “Profeta de Nazaré” lhes falava, quando
lhes sacudia de sua indolência, quando lhes arrancava a venda dos olhos e
quando falava inexoráveis palavras da Verdade.
Calado de vergonha um ou outro se
esgueirava dali, seu rosto queimava de rubor por causa de sua baixeza;
silenciosas lágrimas de almas libertadas corriam sobre as faces extenuadas.
Tudo era novo em Jesus, a voz, as
palavras, os gestos cheios de elevação, a força divina que despertava os mortos
para a vida.
Os seres humanos viam, ouviam e
vivenciavam o novo, e nos é relatado que eles se espantavam com sua fala, “pois
Ele pregava de forma poderosa e não como os estudiosos das escrituras”.
Contudo, o judeu era um ser
humano preso com tenacidade, sim, com fanatismo ao antigo.
Essa característica tornou-se uma
rigidez impassível deixando surgir nele um orgulho frio e arrogante, do qual
não se queria se separar.
Orgulho pela fileira de seus
antepassados, os quais eram contados e louvados por séculos, orgulho por sua
crença, por ser escolhido, assim se aferrava o judeu lá, onde uma vez havia
começado de forma viva.
Esse orgulho havia-o preservado
da mistura com outros povos, mas também lhe rendeu uma estagnação, a qual
considerava uma virtude.
Estatutos e preceitos dados há
outros tempos permaneciam sendo usados e eram severamente preservados, pois não
se tinha nenhum substituto para eles, desde que a vida havia fugido da adoração
a Deus.
Estatutos são dados de seres
humanos a seres humanos e precisam modificar-se com o tempo. Apenas os
mandamentos de Deus sobrevivem a todas as transformações, pois são de grande
abrangência.
Na severa conservação de todos os
estatutos reside um vangloriar-se oculto, o sentimento:
“Como eu sou tão religioso, tão
fiel!”
Uma vida de temor a Deus sem o
seguimento ao pé da letra desses preceitos parecia inimaginável.
Assim, também os discípulos de
João foram um dia até Jesus e perguntaram-lhe repreensivamente, por que seus
discípulos não jejuavam como eles e os fariseus.
Eles não conseguiam compreender
essa omissão, viam na realização de um dever exterior, uma oferenda que
ofereciam a Deus.
Jesus, porém, desaprovou-os.
Jejuar, portanto uma privação,
era-lhes algo diferente do que aos judeus, um acontecimento profundamente
interior, o qual se resulta de uma vivência.
Seus discípulos iriam jejuar de
maneira diferente da dos fariseus.
Seria a privação de sua presença,
a qual teriam que vivenciar um dia.
Então ele expressou em palavras
aquilo que se passava naquele momento no povo judeu e para o que não tinham
olhos, apesar de ser visível a todos.
Nenhum de seus ouvintes havia
reconhecido e admirado isso até agora – que uma nova era havia irrompido, na
qual o antigo havia ficado para trás e perdido seu direito.
Tornara-se um vestido rasgado, um
odre quebradiço, que não pode mais receber o novo.
Não tinha nenhum sentido procurar
consertar o velho vestido que se tornara fraco, com um remendo do novo.
Não poderia resistir, estava
desgastado.
E o novo e fresco vinho da Verdade teria que
arrebentar os odres velhos do querer saber melhor do raciocínio, tão forte é a
sua força.
Quem
quiser ganhar o novo precisa deixar o antigo atrás de si.
A
isso também pertencem os velhos estatutos, os quais eram cheios de sentido,
agora, contudo, sem vida.
Nós,
seres humanos, possuímos sempre a tendência de nos separar com dificuldade do
passado.
Indolentemente
nós pendemos no antigo, nos costumes, nas tradições, com uma piedade que muitas
vezes não se coaduna mais.
Apenas
pelo fato de ser velho, parece-nos ser digno de ser venerado e nós não damos ao
trabalho de analisá-lo em seu valor atual.
O
que outrora era cheio de vida já pode ter fenecido há muito tempo, pois os
tempos se modificam e nós, seres humanos, não permanecemos os mesmos.
Mas
o passo para fora do antigo em direção a uma terra nova e desconhecida nós
damos contragosto, com receio.
De
preferência nós continuamos a arrastar-nos com alguns fardos velhos sem sermos
vistos.
E,
contudo, quão mais fácil é “jejuar”, impor a si mesmo privações, do que,
compreender e vivenciar o que *realmente* nos falta!
Que
de tudo carecemos sem pressentir – a verdadeira vida, sempre vivaz, fluente,
incessante, que se modifica a toda hora e que de acordo com a qual devemos nos
modificar ao invés de ficarmos parados aguardando.
Que
nos arrebata e nos molda se deixamo-nos moldar.
Contudo,
nós sempre nos esquivamos, nós, indolentes seres humanos.
Nós
não queremos nos deixar levar no incessante movimento contínuo por um medo
vergonhoso de encontrarmos surpresas desagradáveis, talvez até dores e uma real
privação.
Por
causa da preocupação de que deveríamos renunciar a nossa comodidade, que nos é
tão doce, nós perdemos o melhor, na verdade, a vida.
Mudar
um pouco, melhorar um pouco, remendar algo existente e que fora dado, disso
ainda entendemos bem.
Mas
o total e completo renunciar do antigo, daquilo que está morto, isso não
conseguimos fazer. E assim nos encontramos eternamente *ao lado* da vida, que
não espera por nós.
Também
para nós já irrompeu um novo tempo, também para nós, seres humanos esclarecidos
de uma época que queremos dominar a Terra.
Já
outrora ela também irrompera para nós quando o Filho de Deus peregrinava pelas
estradas da Judéia e da Galileia.
E
ainda não jogamos fora o antigo?
Ainda
nada parece diferente sobre a Terra?
Ainda
sempre falamos frases ocas sem refletir, sem que nosso pulso bata mais forte?
Ainda
sempre recebemos ao invés de dar, impelimos o vizinho para o lado por egoísmo?
Ainda
sempre esquecemos o amor?
E
quando finalmente surgirá o novo tempo, o tempo do amor que Jesus já há 2000
anos trouxera para a Terra?
Quando
o nosso *sim* será um *sim* e nosso *não* um *não*?
Quando
finalmente veremos unicamente Deus como nosso Senhor e obedeceremos unicamente
a Ele?
Parece
quase sem esperança que a humanidade possa se tornar “nova” dessa maneira.
E,
todavia deve ser assim, e cada um que não perde a esperança em um
restabelecimento, deve co-participar auxiliando com sua parte.
Ele
deve modificar-se de dentro para fora, por o velho de lado em qualquer forma
que seja, no pensar para seu proveito, no julgamento crítico de seu semelhante,
na palavra ou no silêncio verdadeiro, no agir fielmente.
De
outra forma não é possível que a Terra receba um semblante novo.
O
semblante que nós, seres humanos, profanamos e que devemos deixar florescer
novamente, não devemos deixar que se perca levianamente por qualquer motivo em
nossa existência.
Depende
de cada um!
Muitas
luzes pequenas conseguem formar uma grande luz, e muitas gotas d’água formam um
oceano.
Depende das gotas para que se forme um oceano, e não o
contrário.