terça-feira, 31 de outubro de 2017

IS-MA-EL V






Leitura do trecho anterior

IS-MA-EL


Is-ma-el viu Parsival em sua forma jovem perfeita, ele trazia uma vestimenta curta, branca, presa por cinto, e sapatos prateados altos, que brilhavam como metal. Ele ainda não trazia nenhum elmo, mas as asas da Pomba irradiando envolviam a sua cabeça. Seu semblante tinha uma expressão comovente de pureza e decisão infantil. Assim a vontade tornada forma de Parsival desceu do Graal por uma ponte branca até Patmos, ante os olhos do servo escolhido Is-ma-el e falou:
“Is-m-ael, olhe para mim, Eu Sou! Parsival, o portal puro, através do qual a vontade do Pai atua libertando. Através de ti eu tenho que vivenciar os planos em sua espécie, que o querer de minha vontade outrora criou. Por isso somente tu consegues ser a ponte, pois no servir tu compreendes a minha inentealidade no atuar, no servir no puro-espiritual. Vede, foi por isso que tu me foste dado como acompanhante.”
Foi uma poderosíssima hora de realização para Patmos, quando o Espírito de Deus assim falou para Is-ma-el, pois deu início ao colossal círculo do querer libertador do Filho do Homem.
“O que por primeiro eu reconheci no puro-espiritual foi o amor” assim soou a voz de Parsival. “Foi o já formado, o em formação pela Luz da Mãe primordial, da qual é minha origem. Sua pura beleza real foi a primeira irradiação do meu despertar, as ondas de sua infinita pureza e fidelidade flutuavam ao redor do Espírito provindo do Pai. Nas irradiações de seu doar cheio de amor eu me tornei em receptáculo do amor universal e da justiça do Pai. Meu nome se formou através de suas sagradas leis e através dele eu atuo como a “Palavra de Deus”. O que eu sou é do Pai! O que eu recebo e formo é sua força na semente espírito-primordial de Elisabeth.
Para que o espírito dos criados me reconheça direito eu dei a ele a chave para a Palavra, que ele guarde na montanha do reconhecimento! Para que o meu convocado me prepare o caminho eu conduzo as correntes da minha água eterna através dele para a preparação. “Veja, aqui está a sabedoria que contém em si toda a lei do Pai”.
Os fluxos de Luz do Espírito da Verdade fluíram sobre Patmos, e Is-ma-el prostrou-se diante do sagrado lugar da Verdade e acolheu a Palavra do Senhor.
Irradiando ele intuiu e viu o despertar de Parsival, da criança, no puro-espiritual. Ele vivenciou como a Luz de Deus atuou nele enquanto o jovem receptáculo acumulava experiências no estado de uma imaturidade, que nunca é própria do divinal. Nessa esfera o amor ligava a criança a um tipo de igual espécie, a qual não existia em círculos mais elevados da origem de Parsival. Lá tudo era maturidade perfeita. Aqui rodeavam a criança as delicadas, móveis e luminosas figuras de uma juventude.

Quando no luminoso recinto do Templo a luz de cristal ardia igual a uma taça, e os véus de luz rosados da Mãe primordial desciam das alturas do Graal, para conduzir o filho até as fiéis mãos do convocado, então soou em torno de Is-ma-el um vibrar maravilhoso. Is-ma-el, porém, estava totalmente absorto na profundidade de sua missão, no sagrado reconhecimento de seu Senhor. Ele estava em local elevado e isolado, acima de todos os sublimes e todo o seu ser era fidelidade e oração.
Muitas vezes, quando as correntes de Luz vinda do amor da Mãe primordial soerguiam a criança Parsival para além de Patmos, então também era permitido ao seu espírito transpor o limite dos criados, e ele ficava ciente da correnteza, que ali soergue os luminosos para as eternas ilhas. Ele olhou para estas ilhas em sua resplandecente beleza e avistou o Rei e Maria, sua rainha, nos sagrados recintos de suas correntes de Luz. Assim lhe foi mostrado a eterna onipresença da vontade de Deus na Criação primordial e seu atuar, em especial para sua futura ação de salvação.
Is-ma-el ainda não sabia nada dela.
As correntes de irradiações de Titurel e Is-ma-el traspassavam-no e capacitavam seu espírito para assimilar o que ele então, apenas em sua espécie, pode compreender. Então ele avistou toda a beleza da Luz, toda a pureza, toda a força e amor do Pai para Parsival.
Ele vivia em sua espécie a singularidade dos espíritos primordiais, e assimilou, na mais elevada, a espécie totalmente diferente. As distâncias de universos entre o seu eu e o ser Parsival se lhe tornaram conscientes, e com esse reconhecimento de sua enorme distância cresceu sua vontade para servi-lo, sua adoração, sua fidelidade, e a firme ligação do amor em indescritível força.
O eterno transformar-se e apesar disso eterno ser igual, a mulher tornada forma espírito-primordial, a Rainha Elisabeth, a Mãe primordial!
Is-ma-el intuiu seu ser, seu atuar e tecer, o servir efervescente, devocional de sua força receptiva, que gerou a Luz de Deus para a esfera espírito-primordial, que dele se originou.
Quando ele vivenciou isso, ele soube avaliar o que ninguém mais sabe: a impressionante altura, a infinidade e a eternidade da divindade! Esse saber, que vivia nele e que não era nenhum eco vazio, deu-lhe a capacidade para amar, não segundo a natureza humana, porém segundo a vontade de Deus.

Assim Parsival mostrou a ele a sua outra parte provinda do Pai no receptáculo Maria. Só então Is-ma-el soube como ele pôde levar o amor ao encontro de Parsival, ao vivenciá-lo através de Maria. “Eu sou o amor, ele, porém, é a justiça, e no querer nós somos um!”
Toda a esfera intuiu como corrente de bênçãos quando Maria se mostrou ao criado.
“Tu, porém, Is-ma-el, deverás ser a escolta para a justiça quando ela, solitária, peregrinar através da Criação, pois isso está iminente no tempo!”
Com essas palavras abriu-se em Is-ma-el um novo portal. Até agora ele havia assimilado. Ele havia absorvido em si um conceito da inentealidade, que lhe ensinou a compreender a adoração e a distância em direção ascendente. Agora ele intuiu que lhe deveria ser confiado esta jóia, Parsival, por Deus.
E como o seu espírito primeiramente se abriu para participar de toda essa graça, agora o seu querer se estirou e se estendeu para a ação, como consolidação em si e no seu solo.
Com o saber da existência da centelha de Deus na criança Parsival ele tornou-se consciente também do amor do Pai, e com isso de sua responsabilidade perante Deus. “Tu sabes agora, o que Is-ma-el é, espírito humano?” Quando a voz do Senhor algum dia vier a dizê-lo a ti, então reconheça nisso o seu amor pela sua criatura!


Trecho extraído da obra IS-MA-EL (em manuscrito):




segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A Fala do Senhor







A Fala do Senhor


É dever sagrado do espírito humano pesquisar para que vive na Terra ou, aliás, nesta Criação, à qual se encontra ligado como que por milhares de fios. Nenhum ser humano se tem em conta de tão insignificante, para supor que sua existência seja sem finalidade, se ele não a torna sem finalidade. A tal respeito, em todo o caso, ele considera a si próprio demasiadamente importante. Entretanto, são apenas poucos os seres humanos que conseguem, penosamente, libertar-se a tal ponto da preguiça de seu espírito, para se ocupar seriamente com a pesquisa de sua missão na Terra.
E é também somente indolência do espírito, que os faz de bom grado aceitar doutrinas fixas estabelecidas por outrem. E indolência jaz na tranquilidade de pensar que é grandeza conservar a crença dos pais, sem submeter os pensamentos nela contidos a exame próprio de maneira criteriosa e meticulosa.
Em todas essas coisas os seres humanos são apoiados solicitamente por associações calculistas e egoístas, as quais acreditam que a expansão do número de adeptos seja o melhor caminho para o aumento e a consolidação da influência e, com isso, o crescimento do poder.
Mas eles se enganam e não contaram nisso com Deus, ao qual somente alegam servir, ou no melhor dos casos até procuram iludir-se a si mesmos com isso. Na verdade todos servem somente a si próprios.
Longe se encontra deles o verdadeiro reconhecimento de Deus; pois de outra forma não prenderiam o espírito humano nas cadeias duma doutrina fixa, mas sim deveriam educá-lo para a responsabilidade própria, determinada por Deus, que condiciona fundamentalmente a inteira liberdade de sua resolução espiritual! Só um espírito livre nisso pode chegar ao verdadeiro reconhecimento de Deus, que nele amadurece para convicção plena, a qual é necessária para cada um que deseja ser erguido às alturas luminosas; pois somente a convicção livre e sincera pode ajudá-lo a tanto. —
Vós, seres humanos, porém, o que fizestes! Como tolhestes essa altíssima graça de Deus, impedistes criminosamente que ela possa desenvolver-se e, ajudando, abra a todos os seres humanos terrenos aquele caminho que os conduz seguramente à paz, à alegria e à mais alta felicidade!
Ponderai: também na opção, no assentimento ou na obediência que, como consequência da preguiça espiritual, ocorre talvez apenas por hábito, ou porque nos outros é usual assim,reside uma resolução pessoal, que para quem assim age acarreta responsabilidades próprias, de acordo com as leis da Criação!
Para aqueles que induzem um espírito humano a isso, decorre em paralelo uma responsabilidade própria naturalmente também de forma inevitável, inexorável. Não pode ser riscado da Criação nem o menor pensamento ou ação sem consequências de igual espécie, em cuja contextura se tecem os fios, tanto para uma pessoa individual, como para a coletividade, inexoravelmente, aguardando os resgates, os quais, afinal, terão de ser aceitos, por sua vez, pelos autores, portanto, geradores, seja agora como sofrimento ou como alegria, conforme a maneira pela qual foram por eles criados outrora, somente aumentados e com isso intensificados.
Estais presos na tecedura de vosso próprio querer, de vosso atuar e não vos libertareis dela, antes que seus fios possam cair de vós no resgate.
Entre todas as criaturas na Criação o espírito humano, como a única, tem o livre-arbítrio, o qual até hoje ele próprio não pôde esclarecer, não compreendeu, porque ele nos seus limites estreitos do cismar intelectual não encontrou pontos de apoio como provas para isso.
Seu livre-arbítrio jaz unicamente na resolução, das quais, a cada hora, ele pode tomar inúmeras. Às consequências, porém, de cada uma de suas próprias resoluções ele está sujeito inexoravelmente no tecer natural das leis da Criação! Nisso reside sua responsabilidade, que está inseparavelmente ligada à concessão de uma liberdade de vontade na resolução, a qual foi dada ao espírito humano como algo inseparável e próprio.
Senão, onde estaria a justiça divina que, como apoio, equilíbrio e conservação de todas as atuações criadoras, está firmemente ancorada na Criação?
Ela nem sempre conta, porém, em seus efeitos, somente com o curto espaço de tempo de uma existência terrena do espírito humano, mas sim existem nisso outras condições totalmente diferentes, como os leitores de minha Mensagem sabem.
Com muitas resoluções superficiais já trouxestes frequentemente desgraças sobre vós, e forçai-as às vezes sobre vossos filhos. Se vós próprios vos mostrastes demasiado indolentes para reunir ainda aquela força, a fim de vós próprios decidirdes na mais íntima intuição, sem considerar o aprendido, se também cada palavra, que resolvestes aceitar, possa conter verdade em si, então não devíeis procurar impor as consequências de vossa indolência a vossos filhos, que com isso lançais na desgraça.
O que, portanto, a indolência espiritual acarreta num lado, o raciocínio calculador ocasiona no outro.
Devido a estes dois inimigos da liberdade espiritual na resolução, a humanidade está, agora, atada, à exceção de alguns poucos que ainda se esforçam por obter a coragem de arrebentar tais amarras dentro de si, a fim de se tornarem seres humanos verdadeiros, como consequência da observância das leis divinas.
As leis divinas são em tudo verdadeiras amigas, são graças auxiliadoras emanadas da vontade de Deus, a qual assim abre os caminhos para a salvação, para cada um que para isso se esforça.
Não existe nenhum outro caminho para tanto, a não ser aquele, que as leis de Deus na Criação mostram nitidamente! A Criação inteira é a fala de Deus, que deveis vos esforçar seriamente por ler, e que nem é tão difícil como imaginais.
Pertenceis a esta Criação como uma parte dela, deveis, por conseguinte, vibrar com ela, atuar nela, amadurecer aprendendo dela, e assim, colhendo reconhecimentos, subir cada vez mais, dum degrau para outro, seguindo na irradiação, a fim de enobrecer tudo aquilo que entre em contato convosco no vosso caminho.
Então, desenvolver-se-á por si um belo milagre após o outro à vossa volta, que vos soerguerão reciprocamente cada vez mais.
Aprendei a reconhecer o vosso caminho na Criação, então sabereis também a finalidade de vossa existência. Então jubilosa alegria preencher-vos-á e a mais alta felicidade que um espírito humano é capaz de suportar, e que unicamente se encontra no reconhecimento de Deus!
Todavia, a felicidade bem-aventurada do verdadeiro reconhecimento de Deus nunca pode se desenvolver a partir de crença cega, aprendida, e muito menos florescer, mas somente um saber convicto, uma convicção sábia dá ao espírito aquilo de que ele necessita para isso.
Vós, seres humanos terrenos, vos encontrais nesta Criação, a fim de encontrar a felicidade bem-aventurada! Na fala em que Deus se expressa a vós de modo vivo! E compreender essa fala, aprendê-la, intuir nela a vontade de Deus, eis vosso alvo no percurso através da Criação. Na própria Criação, à qual pertenceis, reside o esclarecimento da finalidade de vossa existência e ao mesmo tempo também o reconhecimento de vosso alvo! De outra forma jamais encontrareis ambos.
Isto exige de vós que vivais a Criação. Vivê-la ou vivenciá-la só conseguireis, contudo, quando realmente a conhecerdes.
Abro-vos, pois, com a minha Mensagem o Livro da Criação! A Mensagem vos mostra claramente a fala de Deus na Criação, a qual tendes de aprender a entender, para que possais absorvê-la inteiramente.
Imaginai uma vez uma criança na Terra, que não pode compreender seu pai ou sua mãe, porque nunca aprendeu a língua que eles lhe falam. O que seria duma tal criança?
Ela ignora completamente o que querem dela, e dessa maneira irá caindo de um mal para outro, atrairá sobre si um sofrimento após outro, e acabará talvez inteiramente incapacitada para a finalidade terrena, como também para a alegria terrena.
Não deve cada criança aprender sozinha, por si mesma, a língua de seus pais, para poder vir a ser algo? Ninguém poderá livrá-la desse esforço!
Do contrário andaria sempre desorientada, jamais amadureceria e nunca poderia atuar na Terra, mas permaneceria sendo um estorvo, um peso para os demais e deveria por fim ser afastada, para não causar prejuízos.
E vós, esperais algo diferente?
O inevitável cumprimento de tal dever da criança tendes vós evidentemente para com vosso Deus, cuja fala vós tendes de aprender a entender, tão logo quiserdes Seu auxílio. Deus, no entanto, fala para vós em Sua Criação. Se quiserdes progredir nela, então tendes antes de reconhecer essa Sua fala. Se negligenciardes isso, sereis afastados daqueles, que conhecem a fala e que por ela se orientam, porque do contrário ocasionareis danos e estorvos, sem que talvez o queirais realmente!
Portanto, vós tendes de fazer isso! Não esqueçais disso, e cuidai para que tal se realize agora, do contrário estareis expostos, sem defesa, a tudo o que vos ameaça.
Minha Mensagem vos será um auxiliador fiel!


Abdrushin



Dissertação publicada na revista Die Stimme (A Voz); Caderno 2; 1937:











terça-feira, 24 de outubro de 2017

IS-MA-EL IV






Leitura do trecho anterior

IS-MA-EL

As vozes desses guardiões da Palavra são maravilhosas. Como acordes vibrantes de harpa, cheios de sons vibram através das esferas, nas quais elas são criadas. Elas irradiam para cima, como eterna oração de agradecimento à Luz.
Como um murmurante, faiscante mar de cores de luz irradia Patmos através do brilho e do que é vivo nessa adoração a Deus.
Dela se erguem as construções aspirantes de adoração, semelhantes ao silencioso vibrar da neblina, tudo abobadado por uma grandiosa cúpula de luz, que concentra em si todas as irradiações que de cima se derramam sobre Patmos, através da estrela azul.
Sob as diretas correntes de luz dessa estrela encontram-se os guardiões no recinto em volta da salva da concepção, clara e ondulante como cristal. Ela se assemelha a um enorme cristal. Dela é possível Is-ma-el haurir o saber que da força viva de Deus nela foi derramada.
Is-ma-el envia as estirpes para fora, as quais devem espalhar para adiante a sua força e semente espiritual, e ele guia e conduz os seus caminhos. A sabedoria e o certo previsto irradiam dele, de modo inconsciente a ele e, apesar disso, por ele compreendido, sobre os outros, os quais os distribuem. É atividade de irradiação que transpassa esses elevados espíritos.
Continuamente se efetivam espontaneamente fenômenos vivos através desses espíritos, abaixo do ponto de entroncamento da Luz, que separa o puro espírito-primordial espiritual do criado e, apesar disso, os liga intermediando. Todos eles, os guardiões da Luz, têm, por sua vez, (novamente) seus guias mais elevados, que de cima se aproximam deles.
E eles podem muito bem utilizar as pontes de irradiação da sua esfera, que lhes possibilitam descer até o limite onde os criados têm a possibilidade de recepção. De vez em quando eles também constroem correntes de força, através das quais o criado soergue mais alto o seu espírito, para poder vivenciar, percebendo o que a vontade da Luz expressa.

Através dessas correntes, também Is-ma-el foi soerguido, para ver com seus olhos o que foi criado pelo divinal para a existência.
A sagrada vontade de Deus tomou forma e saiu do luminoso receptáculo da Luz divina para a Sua Criação, que imediatamente se formou ao seu redor.
E a Is-ma-el foi mostrado um quadro, que como acontecimento antecedeu à origem de Is-ma-el, e que na eternidade lhe pareceu cheio de vida como o presente, para seu aprendizado.
Assim ele aprendeu a conhecer a origem da criança divina, que através da primordialmente criada Rainha da feminilidade, Elisabeth, pôde desenvolver um invólucro puro-espiritual, no qual ela implantou a sua Luz inenteal do Pai. Ele se tornou um cristal maravilhosamente luminoso, o Senhor da Criação que, na força de irradiação da vontade divina, trouxe a vida como Cruz para a nova esfera.
A voz falou: “Eu Sou aquele que deu a vida por vós e que eternamente é a Vida. Eu e o Pai somos um!”
Is-ma-el guardou a voz dentro de si e nunca mais esqueceu o seu tom.
E Is-ma-el lançou outra vez um olhar para o interior do Templo de Deus, o sagrado Graal, e lá ele viu Parsival, o receptáculo puro-espiritual, o Rei dos reis, o filho da Luz e Senhor da Criação!
Ele avistou, ao lado do Rei, Maria, a rosa da Luz, e viu as poderosas figuras das mulheres luminosas primordialmente criadas, viu também o círculo dos primeiros servos de Parsival.
Ele viu a eterna transformação dos desenvolvimentos, sua vontade de libertação e os correspondentes preparativos. Ele viu a dor de Irmingard, o Lírio puro, pelos decaídos da Criação posterior de Éfeso.

E nesta hora de Luz brotou no Espírito Santo a vontade para a ação de salvação.
É prevista a vontade divina, não após uma decisão tomada, como se dá com a vontade dos posteriormente criados. É a vontade de salvação uma sagrada lei provinda do Pai, e una com o amor, a justiça e a pureza. Inseparável, assim como o amor o é do Pai, tão inseparável é também sua justiça e pureza, e da mesma forma inseparável, e por providência, fundamentado na lei, a vontade de libertação!
Quando Is-ma-el intuiu a plenitude, a amplitude e a distância incalculável da vontade divina, então fundiu-se nele tudo o que era pessoal diante do Senhor e por isso lhe foi dado, pois ele compreendeu o amor inenteal, sendo-lhe permitido receber as mais elevadas leis do saber e com isso a chave para a verdade divina. E Is-ma-el colocou essa chave sobre o altar de Luz em Patmos, chamou todos os guardiões criados e lhes deu o nome de quem ele falou: “Eu Sou aquele que vos deu a vida e eternamente é a Vida! Eu e o Pai somos um!”
E outra vez o espírito de Is-ma-el se soergueu e ele viu Parsival em sua perfeição. Perfeição houve desde o princípio, assim como Ele é, como receptáculo de Imanuel no Santo Graal, como Filho de Deus.


Trecho extraído da obra IS-MA-EL (em manuscrito):







terça-feira, 17 de outubro de 2017

IS-MA-EL III






Leitura do trecho anterior

IS-MA-EL


“Realização te seja dada por toda a eternidade, tu, cujo amor alcança para além dos limites da tua origem!” chamou a voz divina. “Sabendo irás atravessar a peregrinação de teus cumprimentos, como fiel preparador do caminho da Luz. Is-ma-el! A primeira fase de tua preparação já começou! Aprenda na atividade, para que tu saibas a quem tu pertences!”
E nas alturas mais elevadas surgiu a Pomba sagrada. Ela pairava lá, na Luz de Deus, e uma coluna de Luz fluiu dela para o sagrado Templo.
“Olhe mais!” e de lá rolou uma bola de Luz. Sobre a mesma estava, como que flutuando um sagrado, maravilhosamente puro receptáculo feminino; orando Is-ma-el se prostrou, e a coroa de estrelas de Elisabeth enviou a corrente verde clara como cristal, da Luz para baixo, sobre a cabeça do espírito.
“Eu sou a Mãe primordial Elisabeth, de mim nasceu o Rei da Criação, para vossa salvação, olhe para mim! A pura criança divina, que de mim nasceu, eu a confio à tua fidelidade. Ide adiante para colher experiências, aprendendo experiência ele segue, ensinando experiência conduza-o tu, aqui através do vale da Criação, até o vale de seu cumprimento!
O menino, o qual a Mãe primordial trazia nos braços, quem era ele? “Eu a Sou, a Palavra!” falou então a voz do Senhor. “Aguarde com paciência até tua aprendizagem conduzir-me até ti!”
A corrente de fogo de Deus tocou o espírito vivo de Is-ma-el, e em sua força imediata o submergiu em profundo sono de preparação. Era um estado de estar envolvido por invólucros subordinados a leis mais finas e elevadas. Ele sentia exatamente o seu eu consciente e, no entanto, estava em outras vibrações, num estado mais delicado e irradiante de irradiação mais delicada.
O que Is-ma-el aí vivenciou, foi o estado de sua espécie-primordial, que foi derramado sobre ele do mais alto receptáculo. Ele se encontrava parado numa coluna de força. Ele pôde ver e reconhecer o espiritual mais puro em sua mais elevada perfeição, a qual nunca modifica a sua espécie. Além disso, foi-lhe dado a capacidade de compreender o Divino-enteal, assimilar na compreensão. Isto era de fato apenas um pressentir, contudo, uma espécie de sentido, que jamais poderia ser dado a algum outro Criado.

Nesse estado estava Is-ma-el na coluna de força, que provinha do mais sagrado Templo, cuja parte divina ele vivenciou e, com isso, a existência da Palavra em suas sagradas transformações e revelações. Ele vivenciou Parsival! Parsival era para ele o receptáculo da força, que tomou forma como imagem de Deus. A forma exemplar para tudo o que foi criado, o que tudo sabe e através de quem flui a lei.
E para reconhecer isso, ajudaram-no as correntes auxiliadoras dos nomes Is-ma-el e Titurel.
Ele viu em Parsival a perfeição e compreendeu a natureza de seu núcleo inenteal de Imanuel num receptáculo puro espiritual. Ele compreendeu também a espécie e atividade desse receptáculo perfeito, para algum dia constituir as pontes do espírito da Criação posterior até a matéria.
Tudo o que Is-ma-el anuncia está fora do espaço e tempo, é verdade vivenciada, ação viva. Nisso, ele se utiliza de palavras, pois somente elas podem dar aos espíritos humanos o conhecimento disso. Devido a isso as palavras muitas vezes são ásperas demais, duras demais e rudes para aquele misterioso atuar da mais alta atividade.
Is-ma-el teve que aprender primeiro a formar as palavras de acordo com as leis primordiais de Deus, para que algum dia Parsival possa compreendê-lo na Terra, quando ele o guiar. Nisso residiu também o maior mistério da intimidade dessa ligação do divino com o Criado: o saber do núcleo primordial divino da Palavra, seu conhecimento, sua capacidade de utilização. Por isso também sua vivacidade.
“Eu amo a Deus, a Luz!” era a oração mais elevada de Is-ma-el. Nisso repousava tudo. Seu reconhecimento, seu saber, sua vontade, seu cumprimento. Pois ele era plena e integralmente de Deus, do Senhor.
Continuamente afluem os fios de força para baixo, sobre Is-ma-el, que o envolviam como colunas de luz, e o desenvolviam segundo sua capacidade. Ele vivia neles, via-os e encontrou neles contato com o Senhor. Assim era, antes de Parsival ter vindo para Patmos, para o desenvolvimento de sua experiência para a futura missão na materialidade. Patmos incandescia de modo diverso a cada hora de vibração num tom predominantemente luminoso. Irradiando um azul profundo até o mais delicado tom de luz, percorrendo todos os degraus de maravilhosas cores segundo a mais sagrada lei do desenvolvimento. Sempre de novo se fechando em círculo, até a cor primordial, e se repetindo de dia de luz a dia de luz. O início-primordial de um grande conceito espiritual de espaço e tempo. A sabedoria das leis sobre cores, sons e números era aqui recebida de cima como numa salva puríssima. A ela serviam filhos de Is-ma-el, em atividade espiritual sábia, sacerdotal, como primeiros guardiões na Criação posterior.

Seus olhos são especialmente brilhantes e de particular agudeza, com luzir azul, e parecem singularmente redondos e grandes. Os rostos são compridos, ovais, os narizes finos e estreitos. Estreitas são também suas bocas, e finos os lábios. Eles mostram em tudo a expressão da exigência e são severos, mas ricos em amor.
Um murmurar vibra em torno deles: “Com o nosso querer nós construímos o nosso reino, o reino do espiritual perfeito. Nós lançamos as sementes que logo germinaram, pois na Palavra nós somos puros e fiéis. Nós preparamos o Salvador para a Criação, para que ele, julgando, possa espalhar a justiça na sua mais profunda escuridão. Nós temos vivenciado as sagradas revelações da Palavra divina, transformando-as em nós para utilização no respectivo plano. Desde o começo nós preparamos o solo para aquele que viria.
Nós O conhecíamos, nós temos o Seu nome, nós portamos o sinal luminoso em nossas testas! Nós sabemos Dele. Nós vivenciamos o Seu nascimento na Criação posterior, o qual aconteceu como um despertar flamejante. Nós vivenciamos a Palavra de Sua sagrada boca e Sua voz, e nós achamos a ceia que Ele havia nos preparado na hora certa, e nós a acolhemos no servir vivo!”

Trecho extraído da obra IS-MA-EL (em manuscrito):






segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O Último Presente






O Último Presente


por Anneliese Wisbeck



Cuidadosamente, as três fadas trataram e protegeram a jovem alma humana. Agora ela se achava à frente delas e queria descer para a Terra. Como cada um de seus protegidos, também essa criatura fora ricamente dotada com dádivas que a pudessem auxiliar em sua existência terrena, reencarnação, porém, ela era algo teimosa e impetuosa, por isso elas a mantinham ainda por um bom tempo sob seus cuidados. Unicamente o anseio dessa alma por atividade tornara-se tão poderoso que não mais se podia negar seu pedido.
“Eu gostaria de realizar na Terra o que fizeram para nós, almas humanas, aqui”, falou ela para as fadas, “e gostaria de levar algo para a Terra da beleza radiante desse jardim, no qual cresci.”
“Se queres imitar o que fazemos aqui”, disse a primeira fada, “então tens de amar as pessoas, auxiliar e servi-las. Reflita, porém, que lá em baixo na Terra nem tudo é assim como nas regiões luminosas, que até então foram proteção e pátria para ti. As pessoas se preocupam e causam desgostos para si, adquirem sofrimento e atraem a miséria. Muita coisa ser-te-á incompreensível. Contudo, ao me despedir, quero te entregar um presente que te auxiliará a suportar o fardo que queres tomar sobre ti: a humildade, a coragem para servir dar-te-á a força e fortalecer-te-á teu querer. O amor para servir que te presenteio dir-te-á como poderás auxiliar os seres humanos.”
“Queres levar algo da beleza desse jardim para a Terra”, disse a segunda fada, “então auxilia as pessoas no seu aspirar e a proporcionar forma terrena à beleza. Sirva a arte, pois ela é capaz de um pressentimento do brilho da pureza, no qual temos permissão de viver aqui. Leve como dádiva minha o amor à música. Ela poderá abrir os corações das pessoas quando contares a elas da beleza da pátria celestial e quando as palavras não forem mais capazes de expressar o que desejares dizer.”
“Meu presente para ti é a saudade”, disse a terceira fada, “pois ela poderá te conduzir e guiar, quando estiveres cansada, quando teus pés não mais encontrar o caminho de volta e quando não souberes mais, com qual finalidade saístes para esta viagem. Conserva a fagulha de luz da saudade, pois ela lembrar-te-á disso e advertir-te-á do que prometestes realizar na Terra.”
A alma inclinou a cabeça agradecida e prometeu guardar bem os presentes e utilizá-los corretamente. Depois deixou os jardins luminosos, a fim de peregrinar para a Terra.






Lucina circulou com cuidado a coluna para que saísse da luz da lua e ficasse à sombra. Ela gostaria de ter refrescado sua testa na água do poço quando seu pai pisou no átrio com o tribuno Livius. Não teria hesitado em revelar sua presença, se Livius não tivesse pronunciado o nome do jovem Flavius naquele momento. Ele relatava que suspeitava que Flavius teria visitado as reuniões dos cristãos. Supunha-se até que tinha se tornado infiel à velha crença dos deuses e ainda orasse apenas ao Deus cristão. Como, porém, ele era um protegido especial do imperador, objetivava-se enviá-lo primeiramente para bem longe, para uma província romana. Lá, assim pensava Livius, sob sua fiscalização severa, o jovem guerreiro haveria de retornar novamente para o caminho certo. Lucina teria que esperar ainda por mais um ou dois anos para o casamento; ele enviaria Flavius imediatamente de volta para casa, tão logo esse tivesse mudado de ideia.








Lucina ouviu isso cheia de medo: isso significava separar-se de Flavius, uma separação de muitos meses. Porque ela teria lutado por ele tanto tempo, para que lhe fosse tirado dessa maneira? Livius leva-lo-ia realmente junto após ter-lhe auxiliado recentemente a vencer a oposição dos pais que se posicionaram contrários à união? Será que ele ainda a ajudaria novamente se ela o pedisse? Ele teria que fazer valer sua influência junto ao imperador – Flavius teria que ficar com ela em Roma, pois ela não queria mais ficar sem ele.







No dia seguinte, Lucina foi até seu tio e lhe contou como fora testemunha clandestina da conversa entre ele e seu pai, e que agora se preocupava por Flavius. Quando falou da suspeita, a qual era o motivo para a deportação de Flavius, o rosto de Livius ficou sério e ele perguntou a Lucina se realmente era apenas o amor o motivo para o seu pedido. Lucina olhou no seu semblante, atrás de cujas pálpebras ela percebia o olhar espreitado da desconfiança: ela sabia que da sua resposta dependia a vida de Flavius e seu próprio destino. Não, chacoalhou ela a cabeça, nada mais do que apenas o amor dela movimentara-a a pedir por Flavius. Livius hesitou por um instante, depois lhe esclareceu que havia uma possibilidade para contornar a ordem do imperador; ele queria ainda de bom grado, mais uma vez, auxiliá-la, sob uma condição: se ela estivesse assim tão estreitamente ligada a Flavius, não lhe seria difícil saber se ele realmente convertera-se ao cristianismo e saber quando e onde ele ia para as reuniões. Não haveria de suceder nada a Flavius e a nenhuma daquelas pessoas aconteceria algo; haveria apenas o interesse em observar os cristãos, e ela somente precisaria indicar o lugar e a hora das reuniões.








Lucina estremecera de medo. Há apenas alguns dias Flavius confessara-lhe que pertencia a esses cristãos. Desejava que a vida de ambos fosse conduzida conforme a nova crença e lhe pediu para que ela fosse futuramente com ele às reuniões, a fim de examinar se também poderia aceitar os ensinamentos de Cristo.
Ela pressentia o perigo que ambos se achavam, porém, o pensamento em perder Flavius lhe era insuportável. Não conhecia os cristãos e nem a sua crença; de que lhe valeriam, portanto, se perdesse Flavius? Nos momentos seguintes Livius recebeu as notícias que exigira de Lucina e ela, feliz por não ter sido separada de Flavius, acompanhou-o para as reuniões clandestinas. Porém os cristãos permaneceram-lhe indiferentes, ela ia com Flavius só porque não queria deixá-lo ir sozinho.







Também não havia nada de inquietante para ser reconhecido, até que um dia, após uma cerimônia, alguns dos participantes desapareceram. Na devoção seguinte em que se reuniram, alguns dos cristãos também foram capturados na escuridão da noite pelos agentes policiais. Lucina ficara fora de si pelo ocorrido, pois pressentia que esses incidentes eram as consequências dos seus relatos ao tio. Mas o medo fê-la calar. Apenas suplicou a Flavius para não mais comparecer às próximas comemorações; ela não acreditava mais na promessa do tio. Contudo, Flavius não mudava de opinião; ele apenas pediu a ela para que permanecesse distante dos encontros secretos por algum tempo. Lucina prometeu-o, todavia, ao se aproximar a hora da reunião dos cristãos também se infiltrou clandestinamente no local. Ela queria estar com Flavius e tudo o mais lhe era indiferente.








Desta vez, os participantes foram surpreendidos pelos agentes policiais ainda no local da reunião e conduzidos ao calabouço. O imperador queria que fossem sacrificados no próximo espetáculo do circo; queria com isso reconciliar os deuses que estavam zangados por causa das descrenças dos cristãos. Livius não conseguiu libertar Lucina e Flavius e quando o imperador tomou conhecimento que ambos estavam entre os prisioneiros, deu a ordem para amarrá-los juntos em um pelourinho. Ele queria proporcionar-lhes o prazer de morrerem juntos.







A alma achava-se novamente diante das três fadas e pediu para entrar. Queria retornar de novo aos jardins luminosos.
“Perdestes meu presente”, falou a primeira fada, “ao invés de servires aos seres humanos e auxiliá-los na aflição, traíste-os para satisfazer teus próprios desejos; querias unicamente para ti amor e a felicidade. Por isso estendestes a mão e não tomastes em consideração o bem do teu próximo; ao lado de teu marido poderias tê-lo auxiliado e protegido. Não posso te deixar entrar, pois perdestes a humildade no amor próprio, trate de a reencontrares novamente.”
“Tu tens de retornar à Terra e procurar pelo que foi perdido”, disse a segunda fada, “mas ainda possuis meu presente. Conserva-te na música; ela atenuar-te-á e tranqüilizar-te-á, consolar-te-á e conduzir-te-á ao teu caminho. A música poderá abrir novamente para ti os portais para um mundo melhor.”








Com os olhos radiantes a cantora encontrava-se diante do maestro. Ele interrompera novamente o ensaio para corrigi-la. Desta vez ele queria que a madame pudesse cantar um pouco mais devagar – allegro, assai, ma non troppo – assim como a partitura o exigia.
Porém, madame Antoinette não queria – nessa altura ela não poderia manter sua voz se cantasse mais devagar. Com aguda precisão ela esclareceu ao maestro que não estava curiosa sobre sua opinião. Se ela cantasse o Laval desse jeito, teria que ser tocado no lugar o Vivace e, basta com isso!




O que, então, ainda irritava Antoinette era difícil de dizer. Eram as expressões dos músicos que seguiam curiosamente o desfecho da discussão ou era a calma com que Armand Lapine ouvia suas palavras. Ela falava cada vez mais calorosamente e mais severas tornaram-se suas palavras; tremendo de ira atirou diante dos pés de Armand a partitura. Depois pediu ao seu parceiro, o cantor Marcel Leseul, para acompanhá-la até seu carro, por hoje já haver sido feito o suficiente.




Marcel que já há longo tempo esperava por essa tal oportunidade, aproveitou-a com prazer e, no decorrer do café da manhã que ambos tomaram juntos, lisonjeou-a com muitas palavras e procurou convencê-la de que uma mulher, com seus talentos, possuía totalmente outras perspectivas além de subordinar-se à ditadura do insignificante Lapine.
Na sua teimosia perante Armand, de bom grado Antoinette deixou-se influenciar, pois ser rica parecia-lhe o ápice de tudo quanto desejava. A criança do administrador do castelo e a criada de quarto conheciam a humilhação de uma existência doméstica proveniente da própria vivência. Possuir um castelo próprio e dominá-lo era seu único desejo, para cuja realização Marcel lhe indicara então o caminho. Armand? Ele a esqueceria rapidamente, pois frequentemente tinha outra coisa em mente do que castigá-la por sua teimosia no canto.
Os poucos escrúpulos que Antoinette, de início, ainda a deixaram hesitar Marcel soube dissipar rapidamente. Algumas semanas mais tarde ela foi embora com ele e iniciou a vida que sonhara. Viajara com seu parceiro de um país para o outro, corria com ele de um teatro a outro. Dinheiro, êxito, aplausos ruidosos, uma publicação que jazia aos seus pés aguardavam-na sempre aonde ela se apresentava. Não lhe importava se aqui e ali os amigos a advertiam para cuidar da saúde e se dar um pouco mais de tempo. Ela não tinha tempo, tinha que ter primeiro o castelo.








Numa representação na Inglaterra aconteceu então: o clima brusco e a neblina, ou era o aquecimento por causa do esforço de um grande concerto, Antoinette resfriou-se. Primeiramente parecia ser apenas uma leve indisposição, contudo, seu estado piorou depois que, apesar dos médicos terem desaconselhado, dera uma tarde de ópera com Marcel. Semanas inteiras jazia ela no seu hotel com febre e incapaz de conversar. Quando quis retomar novamente seus exercícios diários de canto, descobriu com horror, que sua voz tornara-se áspera e rouca. Viajou para cá e para lá, fora inutilmente ao sul e ao clima ameno das florestas alemãs. Seu límpido timbre não retornou, perdera sua voz.







Antoinette retornou à França solitária e desamparada, pois Marcel já partira de novo com uma nova parceira pelo mundo. Um castelo ela não mais pode comprar, pois a doença prolongada e os medicamentos caros consumiram uma boa parte dos seus recursos. E assim ela adquiriu uma pequena casa de aluguel na cidade e recebia uma parte da sua manutenção dando aulas de piano para filhas de pessoas ricas que já conhecia de tempos passados. Através das relações com esse círculo de pessoas ela envolveu-se, mais tarde, nas desordens da revolução e foi parar na prisão, a qual apenas deixou para acabar numa exposição pela sua execução junto de condenados.







Com o semblante sério as três fadas olharam para a alma que novamente se encontrava à frente delas e pedia por entrada nos jardins luminosos.
“Não reencontrastes a humildade”, falou a primeira, “perdeste-a com a cobiça e com a ostentação.”
“Degradastes a arte a ofício”, falou a segunda fada, “serviste-te dela apenas para obter êxito na tua ambição e na tua cobiça.” Agora também não possuís mais o amor pela música, pois mesmo lá onde a arte serve para a alegria e a recuperação de pessoas cansadas, ela tem de se executada com o coração, se deva permanecer pura e radiante e servir à beleza. “Também desta vez não podes mais encontrar sua entrada, mas tendes de retornar novamente a Terra para procurar o que fora perdido e compensar o errado.”
“A partir de então não te será fácil”, disse a terceira fada, “pois no solo do egoísmo e do amor próprio não cresce nenhuma humildade, no terreno pedregoso de um coração endurecido a rosa do amor não pode florescer e, quem atraiçoa a arte, esse não deve mais ter esperanças de seu auxílio. Agora terás de servir às pessoas com o trabalho de tuas próprias mãos. Porém, ainda tendes a saudade, a fagulha luminosa salvadora. Se te deixares guiar por ela, poderás encontrar mais uma vez o caminho que te conduz de volta. Apenas reflita no futuro sobre o que fizeres. A saudade é o último presente que te resta.”
A alma caminhou triste para novamente retornar ao nível material mundano.





Cautelosamente a enfermeira Martha fechou a porta. Finalmente o paciente dormira e ela pode ir ao seu quarto.
Já era tarde quando fora à janela haurir mais uma vez ar fresco. Um sedoso calor e o ar quente montanhoso fluíram no quarto, a sólida montanha erguia-se sombria e clara perante o céu noturno. A grande montanha propagava-se às proximidades da sua janela e a neve no carro brilhava quase que como prata. Um ano já se passara novamente?
Havia também neve quando chegou ali no sanatório. Meses e meses ela prestou serviço no Lazarrete, dias e noites ela cuidava de feridos, até que seu corpo estafado pelas fadigas não resistiu mais – ela jazia doente com uma grave infecção. Depois, após seu restabelecimento, transferira-se ela para um dos mais bonitos arredores da Alemanha e quando a guerra finalizou, ela encontrara ainda um rico campo de atuação no trato de doentes.
Os feridos não eram mais casos clínicos. Eram amputados que tinham que se adaptar às suas condições, cegos que procuravam lentamente entrar de novo em contato com o mundo e pacientes que ainda lutavam sob o choque das consequências que vivenciaram no fogo da guerra – ela os auxiliava a superarem a dor e o sofrimento dos meses que se passaram.
Desse modo passara-se um ano com trabalho e cumprimento do dever, em prestimosa atividade. Prestimosa? Martha refletiu. Ali ela podia auxiliar as pessoas a retornarem à vida. Ela também poderia ter ajudado aqueles feridos de morte lá fora, porém, muitas vezes o auxílio era no momento do medo da última hora, quando os que faleciam se agarravam a ela em desespero e dor. Hoje ela não saberia mais dizer qual fora o serviço mais bonito e qual o mais difícil – aliviar os últimos momentos da vida de uma pessoa antes que ele adentrasse pela porta da morte ao outro mundo ou reconduzi-lo com cuidado desse limiar novamente ao desconhecido – reconduzi-lo de volta às vivencias diárias da realidade notável. – – – –
Ao jovem médico Michael Burger parecia ser particularmente difícil; apático ele jazia no seu travesseiro e mal respondia ao cumprimento da enfermeira. Ele fora médico – um jovem talentoso cirurgião que conduzia o instrumento cirúrgico tão cuidadosa e habilmente, como um pintor manuseando seu pincel. Um acidente num ataque de bombas arrancara-lhe o braço direito e, então, ele fora privado de sua profissão – suspeito de perigosa depressão, causando preocupação a médicos e enfermeiros. Como ele atormentara justamente Martha, que cuidava dele pacientemente e procurava sempre de novo consolá-lo através de sua irritação e, outras vezes, devido ao seu mau-humor causado pelas dores. Também hoje, quando quis lhe trazer o café da manhã ele recusou mal humorado. Ele não precisava de nenhum café da manhã, não precisava de modo algum de nada, tudo era de tal modo sem sentido: a comida, o dormir, toda a vida. Para ele pelo menos. O que ele deveria ainda fazer neste mundo – um cirurgião de um só braço?
Martha refletia. O que deveria ainda fazer para romper os muros da resignação que esse ser humano construiu, cada vez mais alto, pelo seu cismar? Não havia sequer uma lacuna por onde pudesse ser introduzida uma boa palavra, a fim de atingir sua alma? Ela tentou iniciar uma conversa com Burger: seu destino não é nenhum destino único, havia também ainda outros em algum lugar do mundo. Será que ela deveria contar-lhe algo?
Mais por cordialidade e por ter consciência maliciosa sobre suas palavras feias o jovem médico concordou. 




E Martha contou-lhe dela, na situação da pequena menina Martina que gostava muito de tocar piano. Seus pais promoveram os dons da criança e a deixaram ter aulas já desde muito cedo. A pequena não queria nada de forma veemente além de poder tocar piano de modo esplêndido, exatamente como seu pai. Porém ela perdeu seus pais cedo e veio a ter com um tutor, que não queria saber nada de “perda de tempo inútil” de tocar piano. O piano fora vendido e ela aprendeu, com a mulher dele a manter ordem nas suas coisas e a manejar uma meia de tricô, sendo, entretanto a criança que pela perda dos pais já se tornara séria e sensível, estava completamente transtornada por falta de sua ocupação favorita. Quando tentava repetir as escalas aprendidas e trechos de melodias que mantinha na memória, havia severo castigo. E quando decidia, ao invés de fazer aquilo, a cantarolar os tons e as melodias, fora-lhe dado a entender que seria melhor se recitasse os vocábulos franceses. Dessa forma ela se tornara tímida e reservada – teimosa e obstinada, como os educadores o diziam. Ela também não tinha nenhum amigo, pois seu rosto sombrio repelia qualquer um que se aproximava e, quando ela falava para uma pessoa do mundo de seus sonhos, era ridicularizada. Sob essa solidão ela sofria tanto quanto sob a ausência de suas melodias e seu anseio por calor e um coração que pudesse amar aumentava, quanto mais envelhecia. Ela não ansiava nada mais do que pessoas que a quisessem bem e que a tornassem feliz. Porém, a desconfiança que ela nutria contra todos, repelia as pessoas do mesmo modo que suas fantasias infantis e permanecia sozinha. Quando irrompeu a guerra, tornou-se enfermeira. Trazer alegria – amenizar as dores? Essa era uma boa possibilidade para ajudar as pessoas, tanto quanto a outra.






Sim, ela encerrou sua narrativa, pois só queria trazer alegria e com isso amenizar suas dores. Talvez o jovem médico pudesse refletir a respeito, caso também para ele havia outro caminho? Amenizar as dores agora ele não podia mais, porém, poderia tentar trazer alegrias. Tantas vezes contara a ela das suas vivências, nas práticas como médico, em suas experiências auxiliadoras com pessoas que sofriam. Ele podia demonstrar isso de uma maneira tão clara – será que não poderia idealizar essas vivências como histórias?
Michael Burger tornara-se atento durante as últimas palavras da enfermeira. Olhou-a bem no rosto, mas as lutas da menina Martina ela não desejava que fossem descobertas. Em tal decisão era difícil ou não? – Poder-se-ia realmente modificar sua vida partindo da causa?
Ele, na verdade, não acreditava que tivesse talento para escrever e, como que pelo gesto do trabalho que ela havia tido para com ele, pelo fato de ser justamente inverno e não poder passar tanto tempo ao ar livre, escrever seria um passatempo que não deveria ser pior do que jogar xadrez ou cartas de baralho; pensou: talvez a enfermeira Martha quisesse lhe auxiliar a colocar no papel as histórias.
Nas semanas seguintes o jogo de xadrez e as cartas de baralho foram abandonados: a enfermeira trabalhava com seus pacientes – ele ditava e ela escrevia. Quando ele, certo dia, dominara as dificuldades iniciais e se tornou mais solto e aberto, escrever trazia-lhe até mesmo alegria. Igual a uma fonte, brotavam as lembranças e se tornaram sérias, pensativas, alegres e serenas narrativas.
Na noite de Natal a enfermeira Martha colocou a carta de uma editora sobre a cama de Burgers. Suas narrativas foram aceitas; queria-se negociar com ele sobre a publicação de um livro e outras esperanças lhe eram dadas.








Burger olhava as linhas que lhe indicavam o caminho no futuro, depois pegou a mão da enfermeira. E ele perguntou, será que ela gostaria de continuar a substituir-lhe a mão direita por longo tempo, por longuíssimo tempo?
Martha confirmou com a cabeça – falar ela não podia. A guerra terminada, a luta e a lida tiveram um fim e as pessoas que cuidara logo mais viajariam novamente para junto de parentes, para suas mães e mulheres que continuariam a auxiliá-los a também encontrar um lugar no dia-a-dia da vida. Se ela pudesse, a partir de então, ser algo para esse ser humano, se pudesse auxiliá-lo no seu trabalho e torná-lo alegre e feliz, fechar-se-ia o círculo que tecera em torno de seu destino, que agora se apaziguava pela motivação estimulante de sua incontida saudade... .

texto publicado nos periódicos nºs 181 e 182 – Juízo Final