segunda-feira, 30 de abril de 2018

Lembrança de Inverno





Lembrança de Inverno

por Otto Ernst Fritsch

Descrevo aqui as Palavras do Senhor, infelizmente apenas de lembrança e por isso somente de acordo com o sentido, mas, segundo minha convicção, reproduzidas com grande fidelidade:

(continuação)

② Eu gostaria de contar um outro exemplo da grande modéstia de Abdrushin: Quando, em 1935, ainda não havia o prédio da administração, de 1932 a 1935 o assim chamado “escritório” era o refeitório e a sala de estar dos meus pais, na casa I do conjunto de casas, onde mais tarde morou a Sra.  Elsa Wobbe. Por isso, o Senhor vinha duas a três vezes diariamente à residência para falar com meu pai, que fazia os serviços administrativos (trâmites da correspondência). Era possível reconhecer o Senhor pela forma de bater à porta: ninguém batia à porta de modo tão baixinho como Ele (eu mesmo nunca ouvi alguém bater tão baixinho numa porta como o Senhor). Quando então meu pai dizia “entre”, o Senhor abria apenas uma pequena fresta na porta e perguntava “Posso entrar?”, ou “Não estou incomodando?”

 ③ Como meu pai encontrava-se em um serviço bastante intenso e grande para o Senhorminha mãe tinha complexos de inferioridade e pensava tristemente consigo mesma ou também dizia para mim: “Ah! Se eu também pudesse servir ao Senhor!” Certa vez, quando o Senhor já tinha se despedido depois de uma conversação com meu pai, minha mãe, impulsivamente, colocou em palavras os seus pensamentos: “Ah Senhor, se eu também pudesse servi-Lo!” Então o Senhor voltou-se, chegou para minha mãe e disse com infinita bondade e amabilidade: “Sra. Fritsch, a senhora serve-me mais do que possa imaginar!” (Nota: a atuação externa de uma pessoa é decisiva apenas em parte para o seu valor na Criação; determinante na atuação sobre o ambiente mais próximo e mais distante são a pureza interior e a força das intuições, dos pensamentos e das orações)!

④ Num passeio a pé em Vomperberg, eu disse certa vez ao Senhor: Estranho, a primavera é certamente a mais bela época do ano, e também o outono, com suas maravilhosas cores, diz muito para mim. Mas do inverno, em sua pujança, devo quase dizer que muitas vezes me abala”. Então o Senhor disse sério: “O espírito pressente, no seu inconsciente, algo da maravilha e do esplendor que estão no Paraíso. E uma pequeníssima parte disso pode ser visto no inverno.” − Minhas ideias a respeito: “Quem uma vez viu uma paisagem maravilhosamente coberta de neve na luz do Sol, quando milhões de diamantes faíscam e brilham na neve, de forma que os olhos ficam realmente ofuscados com eles, e quem deixa esta impressão agir de forma plena sobre si, este deve sentir que nenhuma outra época do ano oferece algo que possa ser comparado a isso. Não é como um reflexo da Luz eterna?

 ⑤ Depois do desmoronamento de Vomperberg, conheci muitas pessoas do Tirol que estiveram juntas com Abdrushin na prisão de Innsbruck. Todas asseguraram unanimemente que o Sr. Bernhardt seria um homem admirável. Todas, cada uma de acordo com sua forma de ser e seu grau de instrução e maturidade, manifestaram-se de modo diferente em suas formulações, mas no sentido todas foram unânimes: “uma personalidade extraordinária”, uma “personalidade fascinante”, uma “pessoa maravilhosa”, um “homem fino”. Não consigo reproduzir todas as diferentes expressões e descrições, que possuíam em comum a expressão de admiração. Empresários e comerciantes, com os quais eu cheguei a falar anos mais tarde, expressaram-se todos de forma unânime, com muitos elogios em relação ao senhor Bernhardt.


(continua)

Extraído (em continuação) da Cópia de um manuscrito de Otto-Ernst Fritsch




sexta-feira, 27 de abril de 2018

Man and the Earth






Man and the Earth


By Abdrushin

What have men contributed to the formation of this earth that might give them the right to freely dispose of it! Constantly they argue about the distribution of property without a thought of what the real owner has to say about it.
Men, you have no intention of even concerning yourselves with this because you properly sense that such envious and hateful activity is against the will of the owner who graciously grants you the Earth as your dwelling place in the gross-material world.
This activity acutely characterizes humanity’s attitude toward their God and Creator! Empty words, hypocritical activity, or intrinsically empty deeds can no longer disguise this fact. Like vandals, earthmen wreak havoc on goods that were entrusted to them. These goods are entrusted to them merely for proper use in accordance with God’s purpose, and nothing else!
Therefore it cannot come as a surprise to you if the malicious, barbarous guests are thrown out of the dwelling which they continually defile, thus mocking the proprietor.
The proprietor! This is not an empty word, nor a hollow concept. I will explain it briefly and reveal in broad outline that this is indeed the way it is; for in these matters, too, you must pass from faith to conviction.
In this connection I will speak only of your dwelling, i.e. the earth! Of its formation.
You know that everything which can take on form in the worlds is contained within the radiation of the All-Holy Light. The radiation of the Light contains everything that was necessary for the Creation of all the worlds and that is essential for its maintenance. If you wish to follow me properly, you need, from the start, to make a sharp distinction between God, the All-Holy Light Itself, and the radiation of God.
You must not make the mistake of thinking that Light and its radiation are one and the same because the radiation emanates from the Light. Such reasoning would spring from h u m a n thinking, which is unable to reach such heights and is therefore unable to conceptualize it.
Be content, therefore, if I say that the direct radiation of God, although divine, is not God Himself. The two are different, not to be considered as one.
The direct radiation of God as such has its boundary in the Grail Castle. Beyond that it istransformed and can therefore no longer be characterized as divine.
 The further down it descends the more transformations it undergoes through cooling and the associated changes within itself. Nonetheless it must always be called radiation of the Light, and it remains so even in its transformations, yet there is a difference.
I have already explained all of this in my Message to the extent that an exact picture of this is provided. Today I will speak only of the formation of the earth. I will therefore pass over the transformations of the Light radiation and their effects, down to the world of matter and will start right off with the earth itself.
It is not easy to single out one thing from the universe to form a starting point, when everything is in motion and inseparable. Therefore, seek to understand this one sentence clearly:

Everything that is fundamental, driving, up building, supportive and sustaining is radiation!
Your desire to know must be firmly anchored in this. The pressure or the power of the Light itself forces the propelling and circular movement so that nothing can come to a standstill.
It is in this continuous movement, in combination with warming and cooling, that everything is formed, always into a very specific species, which, in accordance with the Law of Radiations could not be formed in any other way.
This may be taken as the basis for the picture which I will give.
On the way down to the points where materialities can solidify and take on form, there is much that has already detached itself in order to take on form, such as the various levels of the pure-spiritual, the spiritual and the pure substantiality. Planes and worlds could thus be formed which, while circulating within themselves, do not cross certain boundaries.
In the appropriate cooling of the radiations the gross-material rocks of the earth were able to consolidate, during which process elemental helpers, always exactly corresponding to the respective species of rocks, are consciously at work. Through their expanding consciousness these beings receive corresponding human forms
Water, air and soil had also separated at that point.
Let us suppose that when we look at this certain part of the world all we find is air, water, soil and rock. All this was contained in the radiation of God, but only at a specific point in the cooling process was it able to coalesce through movement thus becoming materially tangible and visible.
Despite gaining visibility in the cooling process each one of these species retains a certain element of radiation so that even rock has an intrinsic radiation which at the same time holds it together.
Now the rock is subjected to the influences of air and humidity as well as to changing temperatures, particularly on its surface. With time, these influences produce changes on the outermost layer known as weathering.
Since the inherent radiation of the rock permeates outward through the weathered layer setting this layer aglow, figuratively speaking, it is being transformed through this glowing before it can be effective outwardly because the weathering caused a change in the outermost layer of rock.
This completely natural alteration of the radiation also provides it with altered properties. As soon as this change of the rock radiation has reached a very specific degree it offers the possibility of solidification of seeds for lichen and mosses which are still loosely floating in the invisible general radiation.
These seeds are attracted by the type of radiation of the weathered rock, and corresponding elemental helpers carefully combine them, nurture them to maturation, and tend to the growth of the developing plants, which in turn develop their inherent radiation in the consolidation.
When they wilt and decay their radiation in turn undergoes a change which in a certain condition offers the way for consolidation of seeds for other plants. Everywhere, elemental helpers such as gnomes, elves, etc., who were able to form under the influence of the altered radiation prior to the coarser consolidation of the seed components, are lovingly and supportively at work. These have frequently been seen by various people
And so it continues onward in the upbuilding or the process of evolution, however man wishes to name it. The transformations of the radiations offer to ever new species the possibility of consolidation and development.
Thus the most diverse varieties of plants emerge, always following the lawful upbuilding contained within and manifesting through the transformations of the radiations.
Through the consolidation of the radiations of rock, decaying plants, water, and air and soil at certain lawfully determined qualities and quantities, emerge the first animals whose gross-material seeds are also invisibly present in the general radiation.
The respective mixture of radiations suitable for this purpose magnetically attracts the existing components from the main radiation, which of course always encompasses everything. Thus it is first the seed which forms as a condensation, and not the animal, which only develops from out of the consolidated seed.
With this the mystery of the familiar riddle is also solved: which came first on earth, the chicken or the egg?
Advancing step by step, evolution then proceeded with the creation of species in accordance with the laws inherent in changes in the radiations until, finally, in a very specific state of maturity, the most highly evolved animal obtained the kind of blood radiation that offered the human spirit germ the opportunity to incarnate. Indeed, through the nature of its blood radiation at that time it attracted, even forced the human spirit germ to incarnate and, while slowly awakening in the animal body, to remodel this body in order to form present-day man, including his outward appearance, in the advancing degrees of his self-awareness.
Today, I only wish to point to the genesis in a rough outline, in order to form a picture which shows you that everything has to be God’s property, because everything was formed out of His radiation and could not exist without it.
Man, however, has no share in the earth, but is merely permitted to inhabit it. The earth had already been formed when he was permitted to awaken upon it in order to develop a conscious existence.
Had you listened and adapted yourselves to the Divine Laws in creation, in humble acceptance of all of the gifts therein, which is equivalent to acting in accordance with these laws, you would already today be living in paradise on earth. Free from worry and strife, you would not even know envy and hatred, greed and lust for power; in short, you would be human beings!
Happy human beings who, vibrating in the radiance of the Light, continue in the upbuilding of the Kingdom which belongs to God.

Published in Die Stimme; Heft 5; 1937









quinta-feira, 26 de abril de 2018

Zanoni XI






Zanoni

por Edward Bulwer-Lytton

Livro Segundo

Capítulo I

 Decidindo na Espada

“Centauri, e Sfingi, e pallide Gorgoni”. Gerusal. Lib., canto IV, 5

“Centauros e Esfinges e pálidas Górgonas”.

Numa noite enluarada, nos Jardins de Nápoles, quatro ou cinco cavalheiros, sentados debaixo de uma árvore, tomavam o seu sorvete e, nos intervalos da conversação, ouviram a música que animava aquele lugar favorito de alegres reuniões de uma população indolente. Um deste pequeno grupo, jovem inglês, que momentos antes parecia o mais alegre e vivaz dessa reunião, tornou-se subitamente triste e pensativo. Um dos seus compatriotas observou esta mudança repentina e, dando-lhe uma pancadinha no ombro, disse:
Que tem, Glyndon? Está doente? Vejo-o tão pálido e a estremecer... Sente frio? Será melhor que se retire; estas noites italianas são, muitas vezes, perigosas para os nossos temperamentos.
Não é nada; já me sinto bem. Foi um tremor passageiro que não sei a que atribuir.
Um homem, de aparência ainda mais distinta que os demais, e que parecia ter uns trinta anos de idade, voltando-se repentinamente para Glyndon, fixou nele os olhos e disse:
Parece-me que compreendo o que tem e, talvez, - acrescentou com um ligeiro sorriso,   poderia explicá-lo melhor que o senhor mesmo.
Em seguida, dirigindo-se aos outros, continuou:
Sem dúvida, cavalheiros, todos já experimentaram várias vezes, especialmente ao estarem sós, de noite, uma sensação estranha e inexplicável de frio e terror que os assalta de repente; o sangue gela; o coração cessa de bater; as pernas tremem; os cabelos se eriçam; têm medo de lançar os olhos para os cantos mais escuros do quarto; apresenta-se, em suas mentes, uma idéia que os horroriza, como, por exemplo, de se encontrar diante de alguma coisa extraterrestre. De repente, porém, todo esse feitiço, se assim podemos chamá-lo, cessa, desvanece-se, e quase sentem vontade de rir de semelhante fraqueza. Não têm experimentado, muitas vezes, esta sensação, que acabo de descrever-lhes imperfeitamente? Se assim é, poderiam compreender o que o nosso jovem amigo acaba de sentir, neste momento, apesar de estar rodeado das delícias desta mágica cena, e respirando as brisas balsâmicas desta noite de Julho.
Senhor, - respondeu Glyndon, evidentemente muito surpreendido, acaba de definir exatamente a natureza do arrepio que me assaltou. Como, porém, pôde, de um modo tão precioso, notar as minhas impressões?
Conheço os sinais característicos, - replicou o estrangeiro, seriamente; - e estes não enganam facilmente a quem tem a experiência que eu tenho.
Todos os presentes declararam, então, que compreendiam perfeitamente o que o estrangeiro acabava de descrever, porque o haviam experimentado alguma vez.
Segundo uma superstição do meu pai, - disse Mervale, o inglês que primeiramente dirigia a palavra a Glyndon, - no momento em que você sente que o seu sangue está gelado e que se eriçam seus cabelos é porque alguém pôs o pé no sítio em que está sua sepultura.
Em todos es países existem diferentes superstições para explicar este fenômeno tão comum, - replicou o estrangeiro; entre os árabes, por exemplo, há uma seita que crê que, naquele instante, Deus decreta sua morte, ou a morte de alguma pessoa que lhe é cara. Os selvagens africanos, cuja imaginação está cheia de horrores de sua tenebrosa idolatria, crêem que o demônio está puxando, naquele momento, a pessoa pelos cabelos; assim se mescla o terrível com o grotesco.

Evidentemente, o fenômeno de que nos ocupamos não é outra coisa senão um acidente físico, uma indisposição do estômago ou uma paralisação na circulação do sangue - disse um jovem napolitano, que poucos dias antes fora apresentado a Glyndon.
Por que, então, em todas as nações esta sensação vai sempre acompanhada de algum pressentimento supersticioso ou algum temor, - formando uma conexão entre o corpo material e o suposto mundo fora de nós? Por minha parte, eu penso que...
Que é o que pensa, meu caro? - perguntou Glyndon, com curiosidade.
Penso - prosseguiu o estrangeiro - que é a repugnância e o horror com que os nossos elementos mais humanos retrocedem ante alguma coisa, naturalmente invisíveis, porém antipática à nossa natureza, e que não nos é dado conhecer por causa da imperfeição dos nossos sentidos.
Então crê na existência dos espíritos? - inquiriu Mervale, com um sorriso incrédulo.
Não era precisamente dos espíritos que eu falava; porém, podem existir formas de matéria, tão invisíveis e impalpáveis para nós, como o são os animálculos no ar que respiramos, - ou da água que corre daquela fonte. Aqueles seres podem ter suas paixões e seus poderes, da mesma forma como nós temos as nossas paixões e os nossos poderes e como animálculos aos quais os comparei. O monstro que vive e morre numa gota de água, - carnívoro, insaciável, subsistindo às criaturas ainda menores do que ele mesmo, - não é menos mortífero em sua fúria, nem menos feroz em sua natureza, do que o tigre do deserto. Existem talvez, ao redor de nós, muitas coisas que seriam perigosas e hostis para os seres humanos, se a Providência não tivesse levantado uma barreira entre elas e nós, por diferentes modificações da matéria.
E pensa o senhor que estas barreiras nunca podem ser removidas? - perguntou, de repente, o jovem Glyndon. - As tradições de feiticeiros e bruxas, tão universais e imemoriais como são, não passarão de meras fábulas?

Talvez sim, talvez não, - respondeu o estrangeiro, com indiferença. - Mas quem, numa época em que a razão tem estabelecido os seus próprios limites, seria bastante louco para romper a barreira que o separa da jibóia e do leão, - ou para murmurar e rebelar-se contra a lei que encerra a tubarão no grande abismo? Porém, deixemos estas vãs especulações.
Ao dizer isto, o estrangeiro se levantou, chamou o “garçom”, pagou o seu sorvete, cumprimentou aos demais do grupo e desapareceu, em seguida, entre as árvores.
Quem é este cavalheiro? - perguntou Glyndon, com curiosidade.Todos se entreolharam, sem responder, até que, passados alguns minutos, disse Mervale: Esta é a primeira vez que o vi.- Eu também.- E eu igualmente.
Eu o conheço bem, - disse o napolitano, que era o nosso conhecido, o conde Cetoxa. - Se estão lembrados, ele veio até aqui como meu companheiro. Haverá uns dois anos, que este homem visitou Nápoles, e há poucos dias veio outra vez à cidade. É muito rico, - muitíssimo rico, e uma pessoa agradabilíssima. Sinto que tenha falado, esta noite, de uma forma tão estranha, pois isto servirá para confirmar os diversos boatos loucos que circulam a seu respeito.
E seguramente, - disse um outro napolitano, - o fato que aconteceu outro dia, e que o meu caro Cetoxa conhece perfeitamente, justifica as suposições que pretende desprezar.
Eu e o meu compatriota - disse Glyndon - freqüentamos tão pouco a sociedade de Nápoles, que ignoramos muitas coisas que parecem dignas de interesse. Quer fazer-nos o obséquio de contar-nos esse fato, e o que se diz a respeito desse homem?
Quanto aos boatos que circulam, cavalheiros, - disse Cetoxa, dirigindo-se cortesmente aos dois ingleses, - basta observar que atribuem ao Senhor Zanoni certas qualidades que cada um desejaria ter para si, porém condena a qualquer outra pessoa que parece possuí-las. O acontecimento, a que alude o Senhor Belgioso, exemplifica estas qualidades e é, devo confessá-lo, um tanto surpreendente. Provavelmente jogam, cavalheiros? (Aqui, Cetoxa fez uma pausa. Como, efetivamente, os dois ingleses haviam arriscado alguns escudos nas mesas de jogo, inclinaram-se levemente, para afirmar a suposição). Cetoxa continuou: - Bem; pois saibam que, há pouco tempo, no mesmo dia em que Zanoni regressara a Nápoles, estava eu jogando, tinha perdido quantias consideráveis. Levantei-me da mesa, decidido a não tentar mais a fortuna, quando, de repente, percebi Zanoni, de quem me fizera amigo em outro tempo (e que, posso dizê-lo, me devia uma pequena obrigação), estando na sala como mero espectador. Antes de eu poder manifestar-lhe o meu prazer de vê-lo, pôs sua mão sobre o meu ombro, e disse-me:

“Perdeu muito; mais do que podia despender. Por minha parte, não gosto de jogar; mas quero ter algum interesse pelo que está se passando. Quer jogar esta quantia por mim? As perdas correm por minha conta; e, se ganhar, repartiremos pela metade, os benefícios”.
Como podem supor, esta proposta deixou-me desconcertado; porém, Zanoni o dizia com um ar e tom que era impossível resistir-lhe; além disso, eu ardia em desejos de recuperar o que havia perdido, e não me teria levantado da mesa, se me tivesse sobrado algum dinheiro. Respondi-lhe que aceitava a sua oferta, porém com a condição de que repartíssemos tanto os ganhos como as perdas.
“Como quiser, - respondeu-me sorrindo; - não precisamos ter escrúpulos, porque, com certeza, irá ganhar”.
“Sentei-me e Zanoni se pôs em pé atrás de mim. A minha sorte mudou, e isso de tal maneira que não fiz mais do que ganhar continuamente. Com efeito, levantei-me da mesa muito rico”.
Não é possível trapacear nos jogos públicos, e, sobretudo quando a trapaça teria que ser feita contra a banca - asseverou Glyndon.
Certamente - respondeu o conde; porém a nossa sorte era tão extraordinária, que um siciliano (os sicilianos são, em geral, malcriados e de mau gênio) tornou-se colérico e até insolente.
“Senhor, - disse ele, dirigindo-se ao meu novo amigo, - nada tem que fazer tão perto da mesa”.
Zanoni respondeu-lhe, com bons modos, que não fazia nada que fosse contrário às regras do jogo, que sentia muito que um homem não pudesse ganhar sem outro perder, e que ali não poderia fazer nada de má fé, nem que estivesse disposto a fazê-lo. O siciliano tomou por medo a brandura do estrangeiro, e começou a censurá-lo em voz ainda mais alta; e até se levantou da mesa e pôs-se a olhar para Zanoni de um modo capaz de fazer perder a paciência a qualquer cavalheiro que tivesse sangue inflamável ou que soubesse manejar a espada”.
E o mais singular, - interrompeu Belgioso, - o que mais me surpreendeu é que Zanoni, que estava em frente de mim, e cujo semblante, por conseguinte, eu podia examinar distintamente, não mudou as feições, nem mostrou o menor ressentimento. Ele fixou sua vista no siciliano de uma forma impossível de descrever; nunca me esquecerei daquele olhar! - gelava o sangue nas veias. O siciliano titubeou como se tivesse sido golpeado, estremeceu e caiu sobre o banco. E depois...

Sim, depois, - concluiu Cetoxa, - com grande surpresa minha, o nosso cavalheiro, desarmado por um olhar de Zanoni, dirigiu a sua ira contra mim... Porém, talvez ignorem, senhores, que a minha habilidade no manejo das armas me tem valido alguma reputação.
É o melhor esgrimista da Itália, - afirmou Belgioso.
Antes que tivesse tempo de saber por que motivo -prosseguiu Cetoxa, - encontrei-me no jardim detrás da casa, com Ughelli (este era o nome do siciliano) encarando-me, e com cinco ou seis cavalheiros, que deviam ser as testemunhas do nosso duelo. Zanoni, chamando-me à parte, disse-me:
“Este homem cairá. Quando ele estiver no chão, pergunte-lhe se quer que o enterrem ao lado de seu pai na igreja de São Januário”.
“Conhece, então, a sua família?” - perguntei-lhe, surpreendido.
Zanoni não me respondeu, e um momento depois estava eu batendo-me com o siciliano. Para fazer-lhe justiça devo dizer que o seu “imbrogliato” era magnífico, e que nunca um mandrião manejou a espada com mais destreza; apesar disso, porém, - acrescentou Cetoxa, com agradável modéstia, - caiu com o corpo atravessado pela minha arma. Aproximei-me e vi que o desgraçado mal podia falar.
Tem que me encarregar de algo, ou tem algum negócio para ultimar? - perguntei-lhe.
“O ferido fez um sinal negativo”.
“Onde quer ser enterrado?” - tornei a perguntar. “Ele apontou a costa da Sicília”. -
“Como? - observei, com surpresa, - não quer ser sepultado na igreja de São Januário, ao lado de seu pai”?
“Ao ouvir estas minhas palavras, o seu semblante alterou-se terrivelmente; Ughelli soltou um grito agudo, lançou uma golfada de sangue pela boca, e expirou”.
“Agora vem a parte mais misteriosa desta história. Enterramos o siciliano na igreja de São Januário. Para este fim, levantamos a tampa do caixão onde estavam os restos mortais de seu pai cujo esqueleto ficou descoberto. Na cavidade do crânio, encontramos um pedaço de arame de aço delgado e duro. Isto nos causou surpresa, e levou a fazer-se investigações. O pai do meu rival, que era um homem rico e avarento, falecera repentinamente, e, devido ao grande calor da estação, fora sepultado sem perda de tempo. Como nosso achado levantasse suspeita, procedeu-se a um exame minucioso do cadáver. Foi inquirido o criado do velho Ughelli, o qual confessou, por fim, que o filho havia assassinado o pai. O ardil tinha sido engenhoso: o arame de aço era tão delgado, que atravessou o cérebro sem que saísse mais do que uma gota de sangue, que os cabelos ocultaram. O cúmplice morrerá no patíbulo”.

E Zanoni sabia desses fatos? Ele lhe contou?
Não, - respondeu o conde; - ele declarou que, por um acaso, havia visitado, naquela manhã, a igreja de São Januário: que havia reparado na lousa sepulcral do conde Ughelli; que o seu guia lhe havia dito que o filho desse conde estava em Nápoles, e que era perdulário e jogador. Enquanto jogávamos, Zanoni havia ouvido pronunciar o nome do conde Ughelli à mesa; e quando estivemos no terreno do duelo, veio-lhe a lembrança de ter visto a tumba do pai do meu rival, e ele, conforme assegura, falou-me nela, levado a isto por um instinto que não podia ou não queria explicar.
Uma história bastante explicável, - disse Mervale.
Sim! Mas nós os italianos, somos supersticiosos; aquele instinto foi considerado, por muitos, como um aviso da Providência. No dia seguinte, o estrangeiro foi objeto de curiosidade e interesse geral. A sua riqueza, o seu modo de viver, a extraordinária beleza da sua pessoa, têm contribuído também para que seja olhado com inveja e furor; além disso, eu tive o prazer de introduzir esta eminente personagem entre os mais alegres dos nossos cavalheiros e apresentá-la às nossas primeiras beldades.
Uma narrativa interessantíssima, -- rematou Mervale, levantando-se. - Venha, Glyndon; vamos ao nosso hotel? Não tardará em ser dia. Adeus, senhores!
Que pensa desta história? - perguntou Glyndon ao seu companheiro, quando se dirigia para casa.
Eu penso claramente que este Zanoni é algum impostor, algum velhaco esperto; e o napolitano participa da velhacaria, e gaba-o, exaltando-o, com o vil charlatanismo do maravilhoso. Um avarento desconhecido se introduz facilmente na sociedade, quando esta o converte em objeto de terror ou de curiosidade; Zanoni, além disso, é extraordinariamente belo, e as mulheres estão prontas a recebê-lo muito contentes, sem outra qualquer recomendação, a não ser o seu próprio semblante e as fábulas de Cetoxa.
Não sou desse parecer, - respondeu Glyndon - Cetoxa, ainda que jogador e perdulário, é nobre de nascimento, e goza de alta reputação por sua coragem e honradez. Além disso, esse estrangeiro, com sua nobre presença e o seu ar sério e sereno, tão calmo e tão modesto, não tem nada de comum com a loquacidade de um impostor.
Perdoe-me, meu caro Glyndon; mas eu vejo que conhece ainda muito pouco o que é o mundo. O estrangeiro representa o papel de uma grande personagem, e o seu ar de grande importância não é mais que um estratagema do seu ofício. Porém, mudemos de assunto. Como vai a conquista amorosa?
Oh! Viola não pôde ver-me hoje..
Cuidado, não vá casar-se com ela. Que diriam todos lá na nossa terra?
Desfrutemos o presente, - replicou Glyndon, com vivacidade; somos jovens, ricos e de boa aparência; não pensemos no dia de amanhã.
Bravo, Glyndon! Estamos já em casa. Durma bem, e não sonhe com esse senhor Zanoni.

(continua)


Os capítulos deste romance fazem parte da coleção do G +Zanoni








Minhas Vivências IV








Minhas Vivências em Vomperberg

por Helene Westphal


(continuação)

Contudo, não vivíamos isolados do mundo na Montanha. O Senhor gostava de fazer viagens e, sobretudo, ia-se frequentemente a Innsbruck. Então, no verão, fazíamos piquenique nas redondezas, o que o Trígono gostava em especial, e depois íamos muitas vezes a um cinema, pois o Senhor tinha uma predileção por bons filmes. Uma vez apresentado um filme japonês, cotado como especialmente bom. Quando nós observávamos os cartazes diante do cinema, eu ouvi como o Senhor disse: “Nós não vamos entrar, pois o Japão está morto.” O próprio Senhor havia escrito peças teatrais durante Sua atividade de escritor, as quais também foram apresentadas. Entre outras coisas Ele também disse que as grandes invenções em filme e técnica somente surgiriam depois da guerra. Ele também já indicara naquela época para o fato de que a hora somente possui ainda 45 minutos.
Quando cheguei à Montanha, fui frequentemente convidada por diversas senhoras para um café, mas todas essas vezes eu voltava decepcionada para casa; pois eu procurava e tinha muitas perguntas. Então meu pai veio de passagem até a Montanha e visitou-me. Também o senhor Lucien Siffrid vinha todas as manhãs até a minha casa, pois ele tinha a incumbência de cuidar dos visitantes masculinos. Meu pai tinha muitas perguntas e conversava de forma bem animada com ele. Eu ouvia atentamente, pois aí eu sabia sobre as coisas que estava procurando. Liguei-me então aos Siffrids e aprendi assim muito com o senhor Siffrid. Durante as Solenidades vinham sempre muitos visitantes até a casa dele e de sua esposa, os quais igualmente tinham muitas perguntas. Também se tocava música e as horas lá eram sempre muito valiosas e enriquecedoras.

No início de abril de 1937 o Trígono planejara uma viagem para o Lago de Garda. Essas viagens tinham sempre um profundo motivo e eu ouvira que o Senhor possuía uma grande preferência exatamente pelo Lago de Garda, e que Ele havia se expressado: “O que o Lago de Genezaré foi para Jesus, é para mim o Lago de Garda”, e “a muitos será dado aqui e a muitos será tirado aqui.” Eu fui indagada se eu gostaria de viajar junto e aí só podia haver um “Sim”. Minha alegria era grande, pois era sempre uma vivência bem especial poder estar assim nas imediações junto ao Trígono.
Bem cedo, no dia 5 de abril de 1937 foi a partida. Durante toda a viagem tivemos tempo bom e quando entramos em uma cidade, foi como se um retumbar de trovão soasse ao nosso encontro. O Senhor disse então: “Os enteais estão me saudando.” Nos passeios, as salamandras e as lagartixas aproximavam-se bastante Dele. Podia ser sentida essa tal vibração, com tal força em Sua proximidade, que a gente nem sequer se cansava. O carro do Trígono era dirigido pelo senhor Deubler e o segundo pelo senhor Kovar de Praga. Neste estavam a senhora Berninger, a senhora Reckleben e eu. Naquela época eu era portadora da Cruz de prata entre discípulos e apóstolos, mas tudo era tão harmonioso, que eu não podia sentir qualquer distanciamento.
Nossa viagem passava por Bozen em direção a Gardone, onde nos hospedamos no hotel Fasano, um hotel tranquilo à beira do lago. O Senhor estava muito disposto, que logo contagiou a todos nós. O senhor Kovar foi nomeado copeiro e fez sua tarefa tão bem que avançou a guia de viagem e eu já posso agora adiantar, que ele exerceu seu cargo para plena satisfação do Senhor.


No dia seguinte foi comunicado que iríamos depois do almoço para Veneza. Nós todos estávamos alegremente agitados – mas quão grande foi então a decepção. A tão afamada Veneza. A vi pela primeira vez e não conseguia evitar um horror. As gôndolas, todas pretas, pareciam-me como sarcófagos. Não pusemos os pés na cidade. Os carros foram estacionados e subimos num barco a vapor, com o qual navegamos descendo o Grande Canal, em direção ao Lido. Frau Maria via muitas coisas fino-materialmente, pois disse: “Aqui tudo está morto.” Mas também com Lido o Trígono ficou decepcionado e no dia seguinte retornamos para Fasano, a qual todos amávamos. No barco o Trígono expressou o desejo, que nós outros, devêssemos pelo menos dar uma olhada na cidade. Apesar de todas nossas objeções de que não queríamos deixar o Trígono sozinho, Eles fizeram questão que devêssemos pelo menos colocar o pé na cidade, e voltaram então sozinhos para a garagem. Sobre todos nós, porém, pesava uma grande pressão – era horrível – e só tínhamos um único pensamento: sair o mais rápido daqui. Mais tarde o Senhor disse que Veneza iria submergir no mar.


(continua)

Trecho do escrito Minhas Vivências em Vomperberg









quarta-feira, 25 de abril de 2018

África V







Nas Florestas da África

Episódio V

Na Lei da Selva

(continuação)

Depois então ela soltou um alto e lamentoso som de coruja, o qual repetiu mais duas vezes. Como que um encanto, pareceu isto ao homem: de todos os lados vieram homens negros seminus, correndo e transpondo todos os obstáculos. Num instante ele estava cercado tão estreitamente que não podia se mexer, mesmo sem ninguém tê-lo agarrado. Como uma trincheira de pedra, em tomo dele ficaram os pequenos, mas robustos e fortes corpos. Todos eles viraram-lhe as costas e olhavam para para Bu-anan, que interiormente respirava mais aliviada.
“Levem este homem com vocês!” ordenou ela num tom que ninguém pôde notar sua hesitação interior de alívio. “Ele é um estranho, que se imiscuiu entre nós com uma mentira. Ele veio para nos espionar. Não o deixem escapar!”
Uma exclamação à meia voz dos negros atendeu-lhe, então o estranho sentiu-se agarrado e sem poder se defender, foi arrastado embora.
Ele não foi maltratado, mas o domínio era tão forte que teria sido inútil uma resistência.
Com grande rapidez saíram da região habitada.
Um bom trajeto da estrada foi rapidamente percorrido. Aí os homens pararam.
O estranho achava-se diante da entrada que dava para uma caverna subterrânea. Indicaram-lhe para que entrasse. Por curiosidade, ele obedeceu. Muitos homens o acompanharam e o empurraram para frente através de passagens estreitas, que pareciam seguir adiante sinuosamente por baixo da Terra.
“Que vós fazeis aqui?” perguntou o homem. Contudo não obteve resposta.
Seu caminho tinha atingido o alvo. Ele se encontrava em uma câmara bastante grande, na qual de forma alguma penetrava a luz do dia.
Um grande amontoado de lascas de madeira se encontrava ali. Uma dessas foi acesa com uma tocha que eles haviam trazido e enfiada numa fresta na rocha. Então, um homem indicou para uma pedra que estava coberta com peles gastas. Mal o estranho tinha se sentado, os outros fecharam a entrada para a câmara com um enorme pedaço de rocha, que se encaixava exatamente e o deixaram.  Aparentemente esta caverna era a prisão da tribo.
Dois dos negros se acomodaram ao pé desta entrada e arreganharam os dentes satisfeitos. Eles precisavam vigiar o estranho, mas com certa alegria maliciosa, pois essa prisão até tornava a tarefa agradável.

Os outros se apressaram quase correndo para o trabalho deixado por causa do chamado de emergência. Da mesma forma, debaixo da terra, encontrava-se uma forja bem instalada, que tinha sua saída de fumaça para cima. Na verdade havia várias forjas que estavam juntas em conexão uma com as outras: em uma delas eram feitas facas de bronze e punhais, nas outras eram confeccionadas coisas mais finas, como por exemplo, largos aros de bronze trabalhados para os braços e tornozelos e pequenos anéis que alguns homens colocavam de enfeite no nariz.
No terceiro compartimento produziam-se recipientes rasos e fundos igualmente de bronze e uma mistura que brilhava mais que o escuro bronze. A brasa ainda ardia. Rapidamente os fogos foram novamente acesos e o trabalho iniciou em grande alegria. As chamas cintilavam fantasmagoricamente sobre os corpos negros e seminus. Bastante tempo já devia ter passado quando soou um estridente apito pelos compartimentos, que sobrepujou todo o barulho do trabalho. Vários homens deixaram suas ferramentas e se puseram com passos rápidos através de um corredor estreito em direção a um compartimento bem grande e especialmente ventilado. Ferramentas e adornos acabados e semi-acabados ficaram espalhados por toda parte, metal e pedras preciosas estavam acumulados em grandes e pequenos montes.
No meio de todas essas coisas estava um homem muito velho e pequeno. Uma longa barba branca alcançava-lhe o joelho, também os cabelos eram grisalhos e apareciam por baixo de um pontudo gorro de couro de cabra que cobria a cabeça. Igualmente de couro de cabra era a veste justa que ele usava, a qual consistia de saia e saia-calça. Até os pés estavam enfiados dentro do couro. Sem aguardar um chamado, reuniram-se os homens em volta do velho, que em silêncio pegou um trabalho de metal e mostrou-lhes. Era uma ferramenta bem afiada de metal claro, presa a um cabo de madeira que se assemelhava ao machado. Eles o admiravam sem, entretanto, pressentir para que finalidade esta coisa pudesse ser utilizada. Provavelmente também não lhes era importante. Eles só sabiam: Mostrava o velho a eles tais objetos e assim eles tentariam fazê-los iguais. Instruções eles recebiam para isso.

Então o velho pegou um pedaço de madeira disposto ali, colocou-o de pé e rachou-o com a nova ferramenta. Um grito de alegria mostrou quão entusiasmados os homens ficaram com o efeito. Muitas mãos tencionaram pegar ao mesmo tempo o objeto. O velho puxou-o rapidamente de volta e examinou os homens. Depois disso, ele o entregou a um deles, que olhava com olhos mais claros que os outros. Como um precioso tesouro este o recebeu. Depois, os homens saíram calados, assim como vieram. Também o velho não havia dito nenhuma palavra.


(continua)





Uma obra traduzida diretamente do texto original alemão de 1937, o qual foi publicado nos cadernos 6 a 12 da revista Die Stimme (A Voz). 
A história está sendo publicada em episódios da coleção do G +: 


Por esse mesmo esquema já foram publicadas as obras como coleções do G +:    



terça-feira, 24 de abril de 2018

Dos Mistérios XI






Dos Mistérios da Atuação de Deus:

O Amparo de Troia


por um convocado


De fraqueza, Péricles havia caído de joelhos sob a poderosa pressão da luz. Ele tremia, estava branco e gelado. A força do anjo anunciador havia sido demais para ele.
Mas mesmo assim uma pergunta soou de sua boca:
“Mas como devemos encontrar a luz, senhor?”
“Tu a verás na hora de sua chegada. Uma pomba branca irá pairar sobre a casa!”
O hálito do luminoso tocou-o e ele desapareceu no nada diante de seus olhos.
E houve grande movimento no mundo. Péricles o percebia. Seus delicados órgãos de observação se aguçaram ainda mais. Ele, que sempre estivera estreitamente ligado à natureza, sentia o vivificar das plantas e dos animais. Era como se todos os seres se espreguiçassem, se aprumassem e se esforçassem para o alto, no novo brilho. O sussurar nos ares se intensificou, o murmúrio nos rios e nas fontes aumentou de forma extraordinaria.
Como uma clara e delicada via láctea, formou-se um brilho no céu, até embaixo na  Terra.
De modo bem especial, misterioso, sim, respeitoso, esta corrente de luz tocou a sua alma.
Ele falava livremente disso aos seus companheiros, mas estes olhavam para o céu e não conseguia reconhecer nada. Contudo, eles diziam confiantes:
“Deve ser assim, se é Péricles quem diz.”
Ele se preparou para a vinda da grande luz sobre a Terra.
Os pastores acreditaram nele, mas não refletiam a respeito. Eles também não sentiam aquela grande alegria que só é dada ao espírito que se encontra desperto e preparado para o amor de Deus. Eles aguardavam para ver o que aconteceria.  Uma raposa que atacasse a manada, ou uma ovelha doente poderia chamar muito mais a sua atenção.
Péricles sentiu isso. Ele não estava surpreso por causa disso e se calou. Mas quanto mais silenciava, tanto mais intensamente ele sentia todas as elevadas forças do Além que se aproximavam dele.
Ele olhou para baixo, para a cidade adormecida, que se encontrava numa delicada neblina noturna. Archotes em chama tremulavam em algumas casas e portões  os precursores da noite. No leste o azul profundo já havia dado lugar a uma escuridão sem cor; no oeste, porém, ainda estava claro no céu e uma listra vermelha emoldurava o mar.
Todos os enteais haviam desaparecido. Contudo, para ele era como se reluzisse um brilho, uma luz dele mesmo, como de uma lâmpada. Ele olhou em volta, pois achava que um dos seus companheiros havia se aproximado com uma luz. Mas não era isso. Ele reuniu seus pensamentos e lançou-se ao chão, pois seu coração estava transbordante  e orou. Esta solução silenciosa lhe fez bem; tornou-se-lhe claro, que ele estava esperando por algo, por alguma coisa grandiosa, que o arrebataria no espírito de forma poderosa. Ele se lembrou novamente do mensageiro de Deus.
Como ele havia dito? “Eu sou o mensageiro de Deus!” Mas de qual Deus ele havia falado? Quando ele se encontrava sentado assim tão quieto e pensativo, desprendido e cheio de confiança, cheio de humildade, uma voz perpassou-o de forma nítida e clara:
“Só existe um Deus! Nós todos O servimos, somos apenas efeitos de Sua vontade.”
Era assim que soava do alto, dos ares.
“Nós tecemos na Sua lei, mas a luz que agora vem a ti, esta provém Dele”.
Ele sentiu vertigens, pois tudo isso lhe era tão novo.
 O céu naturalmente se envolvera com a noite; as estrelas brilhavam como nas noites úmidas pela chuva, quando um vento quente soprava, limpando o céu. Havia um suave pesadume sobre a terra que exalava um cheiro úmido.
Então foi como se uma corrente de chamas luminosas descesse do céu! Em apenas um segundo, a região inteira estava mergulhada na luz branca. Péricles quis fechar os olhos, mas eles permaneceram arregalados como que obrigados.
E ele viu uma Pomba branca e brilhante acima de si, ela trazia uma rosa dourada no bico. Seu vôo era um deslizar silencioso. Ela desceu sobre o castelo de Príamos e desapareceu.
O pastor se levantou, deixou o seu rebanho e apressou-se para a cidade, para contar o fato ao rei.
Um júbilo soava em sua alma como o badalar de sinos:
“Existe somente um Deus, mas a luz, que agora vem até ti, esta vem Dele!”

(continua)

Editora Der Ruf“ G.m.b.H. Munique – 1934