sexta-feira, 1 de junho de 2018

Zanoni XVI






Zanoni

por Edward Bulwer-Lytton

Livro Segundo

Capítulo VI

Suspeita Preocupante

“It is certain that this man has an estate of fifty thousand liversand seems to be a person of very great accomplishments.But, then, if is a wizard. are wizards so devoutly given, as this man seems to be? In short, I could make neither head nor tail on it”.The Count of Cabalis; translation affixed to thesecond edition of the “Rape of the Lock”.

“É certo que este homem possui bens no valor de cinqüenta mil francos,e parece ser uma pessoa de muito talento.Mas então, se ele é um feiticeiro, demonstram os feiticeiros tanta devoção como este homem parece ter? Em breves palavras, eu não compreendo tudo isto”.

De todas as fraquezas como objetos de burlas por parte dos homens de escassa inteligência, nenhuma é por eles mais ridicularizada do que a credulidade. E de todos os sinais de um coração corrompido e de uma inteligência curta, a tendência à incredulidade é o sinal mais seguro.
A verdadeira filosofia prefere antes tentar resolver o problema, ao invés de negá-lo. Enquanto ouvimos, diariamente, os pequenos pedantes que pretendem serem homens de ciência, falarem dos absurdos da alquimia e do sonho da Pedra filosofal, outros homens mais eruditos confessam que as maiores descobertas científicas se devem aos alquimistas, e que muitos segredos poderiam ser ainda decifrados, se possuíssemos a chave da mística fraseologia que os alquimistas se viam obrigados a empregar e cujo conhecimento nos abriria o caminho para aquisições ainda mais preciosas. À alguns dos mais notáveis químicos do nosso século, a Pedra Filosofal, não pareceu ser uma ilusão quimérica. É verdade que o homem não pode contrariar as leis da Natureza; porém, podemos dizer que todas as leis da Natureza já foram descobertas?
Dê-me uma prova de sua arte, - diz todo o investigador racional. - Quando eu tiver visto o efeito, esforçar-me-ei, juntamente consigo, para verificar as causas.
Quando Clarêncio Glyndon se separou de Zanoni, um dos seus primeiros pensamentos foi recordar-se dos efeitos que testemunhara. Mas Glyndon não era um “investigador racional”. Quanto mais vaga e misteriosa era a linguagem de Zanoni, tanto maior impressão se fazia nele. Uma prova teria sido para ele uma coisa tangível, à qual teria procurado agarrar-se; e achar o sobrenatural reduzido à Natureza, não teria sido mais do que uma desilusão para a sua curiosidade. Às vezes, se esforçava, mas em vão, por libertar-se de sua credulidade e abraçar o ceticismo que invocava, para reconciliar o que ouvira, com os prováveis motivos e desígnios de um impostor. Porém Zanoni, quaisquer que fossem as suas pretensões, não fazia dos seus poderes, como Mesmer e Cagliostro, um objeto de especulação ou fonte de ganância; nem era Glyndon homem cuja posição pudesse sugerir a ideia de impressionar a sua imaginação para fazê-lo servir de instrumento a seus projetos, fossem este de avareza ou de ambição. Não obstante, de vez em quando, com a suspeita que é própria à generalidade dos homens não espiritualizados, o jovem tentava persuadir-se de que Zanoni agia, ao menos, sinistramente, induzindo-o ao que o seu orgulho inglês e sua maneira de pensar consideravam um aviltamento: - o casamento com a pobre atriz. Não podia existir algum acordo secreto entre Viola e o Místico? Não seria essa história de profecias e ameaças apenas artifícios para enganá-lo? Glyndon começou a sentir um vago ressentimento para com Viola, por ter-se aliado a essa tal pessoa; ressentimento ao qual se mesclava um natural ciúme. Zanoni o ameaçava com sua rivalidade. Zanoni, que, quaisquer que fossem o seu caráter e as suas artes, ele possuía ao menos todos os atributos externos que deslumbram e dominam. Torturado pelo aguilhão da dúvida, Glyndon procurou distrair-se, frequentando, mais do que antes, os amigos que havia adquirido em Nápoles, principalmente artistas, como ele, literatos e ricos comerciantes que, se não gozavam dos privilégios da nobreza, competiam com ela em esplendor. Entre estes amigos, falava-se muito de Zanoni, o qual, não só para eles, como para os ociosos em geral, era um objeto de curiosidade e conjeturas.

Glyndon observou, como uma coisa notável, que Zanoni havia falado com ele em inglês manejando este idioma com tanta perfeição, que poderia bem passar por um compatriota seu. Por outra parte, Zanoni falava o italiano com igual pureza; e o mesmo sucedia com outros idiomas, poucos estudados por estrangeiros.
Um pintor sueco, que tinha falado com ele, afirmava que era filho da Suécia; e um comerciante de Constantinopla, que tinha vendido alguns de seus gêneros a Zanoni, era de parecer que somente um turco, ou, ao menos, uma pessoa nascida no Oriente podia possuir tão perfeitamente a suave entonação oriental. Entretanto, em todos estes idiomas, quando os comparavam, notava-se uma diferença apenas perceptível, não na pronúncia, nem no acento, mas na chave e no som da voz que o distinguia do natural do país cujo idioma falava. Esta faculdade, segundo Glyndon pôde recordar-se, era a que possuía uma seita, cujos dogmas e poderes não puderam nunca ser conhecidos senão parcialmente, e que se chamava Rosa-Cruz. O jovem inglês lembrava-se de ter ouvido falar, na Alemanha, da obra de João Bringeret, na qual se assegurava que os membros da verdadeira Fraternidade da Rosa-Cruz conheciam todas as línguas da terra. Pertenceria Zanoni a esta mística Fraternidade que, desde tempos remotíssimos, se gabava em possuir segredos, entre os quais, o da Pedra Filosofal era o mais insignificante; que se considerava herdeira de tudo o que os Caldeus, os Magos, os Ginosofistas e os Platônicos haviam ensinado, e que diferia de todos os tenebrosos Filhos da Magia pelas virtudes de sua vida, pela pureza das doutrinas, por sua insistência, como base de toda a sabedoria, em subjugar os sentidos, e pela intensidade da Fé Religiosa, - uma seita gloriosa, se não mentia? E, com efeito, se Zanoni possuía poderes que o faziam superior à raça atual de homens científicos, parecia que não fazia mau uso deles. O pouco que se sabia de sua vida, era em seu favor. Citavam-se dele alguns atos de generosidade e beneficência justamente aplicados, que deixavam surpreendidos os que ouviram referi-los, ao ver que um estrangeiro se achava tão bem informado sobre as obscuras e ignoradas necessidades que socorreras. Algumas pessoas, que ele havia visitado quando já estavam desenganadas e abandonadas pelos médicos, recuperaram então a saúde, ignorando totalmente, com quais remédios foram curadas. Não podiam dizer senão que receberam a visita da estranha personagem e que esta as deixara curadas; geralmente, porém, antes do seu restabelecimento experimentaram um sono profundo.

Uma curiosa circunstância começou a ser notada e que também veio depor em favor desse homem. As pessoas com as quais costumava reunir-se, - os jovens alegres, os pródigos, os levianos, os transviados da classe mais polida da sociedade, - todos se encontravam, dentro em pouco, transformados, sem eles mesmos sentirem, despertando-se neles pensamentos mais puros e uma tendência a reformar seus costumes. Até Cetoxa, o príncipe dos galanteadores, dos duelistas e dos jogadores, não era mais o mesmo homem, desde a noite das singulares aventuras que referira a Glyndon. O primeiro passo para a sua transformação foi retirar-se do jogo; o segundo, a sua reconciliação com um inimigo hereditário de sua família, - ao qual, por espaço de seis anos, havia provocado sempre, quando se lhe oferecia ocasião, para ver se podia ensaiar com ele sua inimitável manobra da estocada. E quando Cetoxa e seus jovens companheiros falavam de Zanoni, nenhum indício fazia suspeitar que esta mudança se devera, nem a conselhos, nem a uma austera admoestação. Todos descreviam Zanoni como um homem propenso ao divertimento; de maneiras não muito alegres, porém joviais; sempre pronto a escutar a conversação dos demais, embora insulsa, ou a encantar os ouvidos com o seu inesgotável fundo de anedotas brilhantes, e com sua grande experiência da sociedade. Todos os costumes, todas as nações, todos os graus de homens pareciam ser-lhe familiares. Só era reservado nos assuntos que podiam ter relação com o seu nascimento ou com a história da sua vida. A opinião mais geral que se tinha, de sua origem, parecia a mais plausível. A sua riqueza sua familiaridade com idiomas orientais, sua residência na Índia, certa gravidade que não o abandonava nem em seus momentos de alegria e franqueza, o famoso brilho dos seus olhos e cabelos pretos, e até as particularidades de suas formas, a delicada pequenez da suas mãos, e os contornos árabes da sua nobre cabeça, pareciam designá-lo como pertencente a alguma raça oriental.

E um estudante das línguas orientais pretendeu reduzir o simples nome de Zanoni, que um século antes usara um inofensivo naturalista de Bolonha, às radicais da extinta língua caldáica Zan era o nome que os Caldeus empregavam para designar o sol. Os Gregos, que mutilavam todos os nomes orientais, conservaram, neste caso, o nome verdadeiro, como o demonstra a inscrição cretense do sepulcro de Zeus. Quanto ao resto, o Zan era, entre os Sidonienses, um prefixo não desusado de On. “Adonis” não era mais do que um segundo nome dado a Zanonas, que, segundo recorda Hesychius, era muito venerado em Sidonia.
Mervale escutou com grande atenção esta profunda e erudita explicação, observando que, por sua parte, se atrevia a mencionar um importante descobrimento que tinha feito ele mesmo, já muito tempo antes, e que era o seguinte: que a numerosa família dos Smith, na Inglaterra, fora indubitavelmente os antigos sacerdotes de Apoio Frigio.

Por que - disse ele - não era o sobrenome de Apoio, em Frigia, Smintheus? Este nome sofreu, em seguida, várias corrupções ou alterações: Smintheus, Smitheus, Smithé, Smith! Observei também que, nos nossos dias, os ramos mais ilustres desta distinta família, inconscientemente desejosos de aproximar-se, ao menos por uma letra, do nome verdadeiro, sentem um piedoso prazer em assinar o seu nome Smithe!

O filólogo, surpreendido com este descobrimento, pediu a Mervale permissão para anotá-lo como uma ilustração digna de figurar numa obra que ia publicar, relativa à origem da linguagem, a qual teria o título “Babel”, e constaria de três volumes, para cuja publicação pediria as assinaturas adiantadas.


(continua)

Os capítulos deste romance fazem parte da coleção do G +Zanoni