Zanoni
por Edward Bulwer-Lytton
Livro Segundo
Capítulo VI
Suspeita Preocupante
“It is certain that this man has an estate of
fifty thousand liversand seems to be a person of very great
accomplishments.But, then, if is a wizard. are wizards so devoutly given, as
this man seems to be? In short, I could make neither head nor tail on it”.The
Count of Cabalis; translation affixed to thesecond edition of the “Rape of the
Lock”.
“É certo que este homem possui
bens no valor de cinqüenta mil francos,e parece ser uma pessoa de muito
talento.Mas então, se ele é um feiticeiro, demonstram os feiticeiros tanta
devoção como este homem parece ter? Em breves palavras, eu não compreendo tudo
isto”.
De todas as fraquezas como
objetos de burlas por parte dos homens de escassa inteligência, nenhuma é por
eles mais ridicularizada do que a credulidade. E de todos os sinais de um coração
corrompido e de uma inteligência curta, a tendência à incredulidade é o sinal
mais seguro.
A verdadeira filosofia prefere
antes tentar resolver o problema, ao invés de negá-lo. Enquanto ouvimos,
diariamente, os pequenos pedantes que pretendem serem homens de ciência,
falarem dos absurdos da alquimia e do sonho da Pedra filosofal, outros homens
mais eruditos confessam que as maiores descobertas científicas se devem aos
alquimistas, e que muitos segredos poderiam ser ainda decifrados, se
possuíssemos a chave da mística fraseologia que os alquimistas se viam
obrigados a empregar e cujo conhecimento nos abriria o caminho para aquisições
ainda mais preciosas. À alguns dos mais notáveis químicos do nosso século, a
Pedra Filosofal, não pareceu ser uma ilusão quimérica. É verdade que o homem
não pode contrariar as leis da Natureza; porém, podemos dizer que todas as leis
da Natureza já foram descobertas?
– Dê-me uma prova de sua arte, - diz todo o
investigador racional. - Quando eu tiver visto o efeito, esforçar-me-ei,
juntamente consigo, para verificar as causas.
Quando Clarêncio Glyndon se
separou de Zanoni, um dos seus primeiros pensamentos foi recordar-se dos
efeitos que testemunhara. Mas Glyndon não era um “investigador racional”.
Quanto mais vaga e misteriosa era a linguagem de Zanoni, tanto maior impressão se
fazia nele. Uma prova teria sido para ele uma coisa tangível, à qual teria
procurado agarrar-se; e achar o sobrenatural reduzido à Natureza, não teria
sido mais do que uma desilusão para a sua curiosidade. Às vezes, se esforçava,
mas em vão, por libertar-se de sua credulidade e abraçar o ceticismo que
invocava, para reconciliar o que ouvira, com os prováveis motivos e desígnios
de um impostor. Porém Zanoni, quaisquer que fossem as suas pretensões, não fazia
dos seus poderes, como Mesmer e Cagliostro, um objeto de especulação ou fonte
de ganância; nem era Glyndon homem cuja posição pudesse sugerir a ideia de
impressionar a sua imaginação para fazê-lo servir de instrumento a seus
projetos, fossem este de avareza ou de ambição. Não obstante, de vez em quando,
com a suspeita que é própria à generalidade dos homens não espiritualizados, o
jovem tentava persuadir-se de que Zanoni agia, ao menos, sinistramente,
induzindo-o ao que o seu orgulho inglês e sua maneira de pensar consideravam um
aviltamento: - o casamento com a pobre atriz. Não podia existir algum acordo
secreto entre Viola e o Místico? Não seria essa história de profecias e ameaças
apenas artifícios para enganá-lo? Glyndon começou a sentir um vago ressentimento
para com Viola, por ter-se aliado a essa tal pessoa; ressentimento ao qual se
mesclava um natural ciúme. Zanoni o ameaçava com sua rivalidade. Zanoni, que,
quaisquer que fossem o seu caráter e as suas artes, ele possuía ao menos todos
os atributos externos que deslumbram e dominam. Torturado pelo aguilhão da
dúvida, Glyndon procurou distrair-se, frequentando, mais do que antes, os
amigos que havia adquirido em Nápoles, principalmente artistas, como ele,
literatos e ricos comerciantes que, se não gozavam dos privilégios da nobreza,
competiam com ela em esplendor. Entre estes amigos, falava-se muito de Zanoni,
o qual, não só para eles, como para os ociosos em geral, era um objeto de
curiosidade e conjeturas.
Glyndon observou, como uma coisa
notável, que Zanoni havia falado com ele em inglês manejando este idioma com
tanta perfeição, que poderia bem passar por um compatriota seu. Por outra
parte, Zanoni falava o italiano com igual pureza; e o mesmo sucedia com outros
idiomas, poucos estudados por estrangeiros.
Um pintor sueco, que tinha falado
com ele, afirmava que era filho da Suécia; e um comerciante de Constantinopla,
que tinha vendido alguns de seus gêneros a Zanoni, era de parecer que somente
um turco, ou, ao menos, uma pessoa nascida no Oriente podia possuir tão
perfeitamente a suave entonação oriental. Entretanto, em todos estes idiomas,
quando os comparavam, notava-se uma diferença apenas perceptível, não na
pronúncia, nem no acento, mas na chave e no som da voz que o distinguia do
natural do país cujo idioma falava. Esta faculdade, segundo Glyndon pôde
recordar-se, era a que possuía uma seita, cujos dogmas e poderes não puderam
nunca ser conhecidos senão parcialmente, e que se chamava Rosa-Cruz. O jovem
inglês lembrava-se de ter ouvido falar, na Alemanha, da obra de João Bringeret,
na qual se assegurava que os membros da verdadeira Fraternidade da Rosa-Cruz
conheciam todas as línguas da terra. Pertenceria Zanoni a esta mística
Fraternidade que, desde tempos remotíssimos, se gabava em possuir segredos,
entre os quais, o da Pedra Filosofal era o mais insignificante; que se
considerava herdeira de tudo o que os Caldeus, os Magos, os Ginosofistas e os
Platônicos haviam ensinado, e que diferia de todos os tenebrosos Filhos da
Magia pelas virtudes de sua vida, pela pureza das doutrinas, por sua
insistência, como base de toda a sabedoria, em subjugar os sentidos, e pela
intensidade da Fé Religiosa, - uma seita gloriosa, se não mentia? E, com
efeito, se Zanoni possuía poderes que o faziam superior à raça atual de homens
científicos, parecia que não fazia mau uso deles. O pouco que se sabia de sua
vida, era em seu favor. Citavam-se dele alguns atos de generosidade e
beneficência justamente aplicados, que deixavam surpreendidos os que ouviram
referi-los, ao ver que um estrangeiro se achava tão bem informado sobre as
obscuras e ignoradas necessidades que socorreras. Algumas pessoas, que ele
havia visitado quando já estavam desenganadas e abandonadas pelos médicos,
recuperaram então a saúde, ignorando totalmente, com quais remédios foram
curadas. Não podiam dizer senão que receberam a visita da estranha personagem e
que esta as deixara curadas; geralmente, porém, antes do seu restabelecimento
experimentaram um sono profundo.
Uma curiosa circunstância começou
a ser notada e que também veio depor em favor desse homem. As pessoas com as
quais costumava reunir-se, - os jovens alegres, os pródigos, os levianos, os
transviados da classe mais polida da sociedade, - todos se encontravam, dentro
em pouco, transformados, sem eles mesmos sentirem, despertando-se neles
pensamentos mais puros e uma tendência a reformar seus costumes. Até Cetoxa, o
príncipe dos galanteadores, dos duelistas e dos jogadores, não era mais o mesmo
homem, desde a noite das singulares aventuras que referira a Glyndon. O
primeiro passo para a sua transformação foi retirar-se do jogo; o segundo, a
sua reconciliação com um inimigo hereditário de sua família, - ao qual, por
espaço de seis anos, havia provocado sempre, quando se lhe oferecia ocasião, para
ver se podia ensaiar com ele sua inimitável manobra da estocada. E quando
Cetoxa e seus jovens companheiros falavam de Zanoni, nenhum indício fazia
suspeitar que esta mudança se devera, nem a conselhos, nem a uma austera
admoestação. Todos descreviam Zanoni como um homem propenso ao divertimento; de
maneiras não muito alegres, porém joviais; sempre pronto a escutar a
conversação dos demais, embora insulsa, ou a encantar os ouvidos com o seu
inesgotável fundo de anedotas brilhantes, e com sua grande experiência da
sociedade. Todos os costumes, todas as nações, todos os graus de homens
pareciam ser-lhe familiares. Só era reservado nos assuntos que podiam ter
relação com o seu nascimento ou com a história da sua vida. A opinião mais
geral que se tinha, de sua origem, parecia a mais plausível. A sua riqueza sua
familiaridade com idiomas orientais, sua residência na Índia, certa gravidade
que não o abandonava nem em seus momentos de alegria e franqueza, o famoso
brilho dos seus olhos e cabelos pretos, e até as particularidades de suas
formas, a delicada pequenez da suas mãos, e os contornos árabes da sua nobre
cabeça, pareciam designá-lo como pertencente a alguma raça oriental.
E um estudante das línguas
orientais pretendeu reduzir o simples nome de Zanoni, que um século antes usara
um inofensivo naturalista de Bolonha, às radicais da extinta língua caldáica
Zan era o nome que os Caldeus empregavam para designar o sol. Os Gregos, que
mutilavam todos os nomes orientais, conservaram, neste caso, o nome verdadeiro,
como o demonstra a inscrição cretense do sepulcro de Zeus. Quanto ao resto, o
Zan era, entre os Sidonienses, um prefixo não desusado de On. “Adonis” não era
mais do que um segundo nome dado a Zanonas, que, segundo recorda Hesychius, era
muito venerado em Sidonia.
Mervale escutou com grande
atenção esta profunda e erudita explicação, observando que, por sua parte, se
atrevia a mencionar um importante descobrimento que tinha feito ele mesmo, já
muito tempo antes, e que era o seguinte: que a numerosa família dos Smith, na
Inglaterra, fora indubitavelmente os antigos sacerdotes de Apoio Frigio.
– Por que - disse ele - não era o sobrenome
de Apoio, em Frigia, Smintheus? Este nome sofreu, em seguida, várias corrupções
ou alterações: Smintheus, Smitheus, Smithé, Smith! Observei também que, nos
nossos dias, os ramos mais ilustres desta distinta família, inconscientemente
desejosos de aproximar-se, ao menos por uma letra, do nome verdadeiro, sentem
um piedoso prazer em assinar o seu nome Smithe!
O filólogo, surpreendido com este descobrimento, pediu
a Mervale permissão para anotá-lo como uma ilustração digna de figurar numa
obra que ia publicar, relativa à origem da linguagem, a qual teria o título
“Babel”, e constaria de três volumes, para cuja publicação pediria as
assinaturas adiantadas.
(continua)
Os capítulos deste romance fazem parte da coleção do G +: Zanoni