quinta-feira, 28 de junho de 2018

Zanoni XIX









Zanoni

por Edward Bulwer-Lytton

Livro Segundo

Capítulo IX

Em Devaneio Aflitivo

“Wollt ihr hoch auf ihren Flügen schweben, Werft die Angst des Irdischen von euch! Fliehet aus dem engen, dumpfen Leben In des Ideales Reich!”Das Ideal und das Leben.

“Quer levantar-se alto em suas asas?Atire longe de si a ânsia do peso terrestre! Fugindo da vida estreita e abafada das realidades, entre no reino do Ideal”.

Assim como alguns mestres pouco judiciosos rebaixam e corrompem o gosto do discípulo, fixando a sua atenção no que chamam o Natural, mas o que, em realidade, não é mais do que uma vulgaridade, e não compreende que a beleza na arte é criada pelo que Rafael descreve tão acertadamente, a saber: a ideia da beleza na própria mente do pintor, e porque não sabem que em toda a arte, seja a sua plástica expressão feita em palavras ou em mármore, em cores ou em sons, a servil imitação da Natureza é o trabalho dos jornaleiros e dos aprendizes; assim, no que se refere à conduta, o homem do mundo perverte e rebaixa o nobre entusiasmo das naturezas idealistas, pela contínua redução de tudo o que é generoso e digno de confiança, ao trivial e grosseiro. Um grande poeta alemão definiu bem a distinção que há entre a discrição e a sabedoria mais larga, dizendo que nesta há certa temeridade que aquela desdenha. “O míope vê apenas a costa que se afasta, e não aquilo a que a ousada onda o transporta”.
Entretanto, na lógica do homem prudente e homem do mundo encontra-se frequentemente um raciocínio a que é difícil opor uma objeção.

Há de ter um sentimento, a fé em coisas que representem o sacrifício de si próprio e algo divino, seja em religião ou em arte, em glória ou em amor; e se não tem a fé firme, o sentido comum lhe apresentará uma razão que tira ao sacrifício todo o valor, e um silogismo reduzirá o divino a um objeto mercantil.
Todos os verdadeiros críticos de obras de arte, desde Aristóteles e Plino, Winkelmann e Vasari, até Reinolds e Fuseli, se esforçaram por convencer o pintor que não deve copiar a Natureza, porém exaltá- la; que a arte de ordem mais elevada, escolhendo só as mais sublimes combinações, é perpétua luta da Humanidade para aproximar-se dos deuses. O grande pintor, da mesma forma que o grande autor, incorpora o que é possível ao homem, é verdade, porém o que não é comum à humanidade. Há verdade em Hamlet; em Macbeth e suas feiticeiras; em Desdemona; em Otelo; em Próspero e em Caliban; há verdade nos cartões de Rafael; há verdade no Apoio, no Antinous e no Lacoonte. Porém, não encontrará o original das palavras, dos cartões, ou do mármore, nem na rua de Oxford, nem na de Santiago. Todas estas, tornando a Rafael, são produções da ideia da mente do artista. Esta ideia não é inata; proveio de um intenso estudo; porém, esse estudo ocupou-se do ideal que pode ser dirigido do positivo e do existente a um elevado grau de grandeza e beleza. O mais vulgar modelo pode tornar-se cheio de esquisitas sugestões a quem tem formado esta ideia, uma Vênus de carne e osso baixaria à vulgaridade pela imitação de quem não tem a noção do ideal que ela representa.

Guido, a quem se perguntou de onde tirava seus modelos, chamou um simples porteiro e fez ver que de um rústico original obtinha uma cabeça, de beleza surpreendente. Aquela cabeça assemelhavase à do porteiro; porém o pincel do pintor a idealizou, transformando-a numa cabeça de herói. Aquela pintura era verdadeira, mas não era o retrato real ou realista. Há críticos que vos dirão que o Aldeão de Teniers é mais fiel à Natureza do que o Porteiro de Guido. O público vulgar dificilmente compreende, mesmo na arte, o princípio idealizador, porque a arte sublime é um gosto adquirido.
Porém, volvamos à minha comparação. Ainda menos do que o princípio idealizador se compreende o princípio de benevolência na conduta do homem. Assim os conselhos da prudência mundana desviam tão frequentemente dos perigos da virtude, como dos castigos do vício; porém, na conduta, como na arte, existe uma ideia do grande, do sublime, por meio da qual os homens poderiam engrandecer as ações mais vulgares e triviais da vida.
Glyndon, sentindo a sóbria prudência dos raciocínios de Mervale, recuou diante do quadro provável apresentado à sua vista interna, em sua devoção ao talento artístico que possuía, e para não ceder a uma forte paixão que, se fosse bem dirigida, podia purificar a sua existência como um forte vento purifica o ar.

Porém, embora não pudesse se resolver a seguir os conselhos do seu prudente amigo, também não teve a coragem de deixar de perseguir Viola. Temendo que os conselhos de Zanoni exercessem uma influência demasiado grande no seu coração, evitava, nos últimos dois dias, a entrevista com a jovem atriz. Mas esta precaução não evitou que, na noite da sua última conversação com Zanoni e com Mervale, tivesse alguns sonhos tão distintos do quadro que lhe descrevera o seu amigo e compatriota, e tão semelhantes ao que a respeito do seu futuro lhe havia predito Zanoni, que pensaria talvez que este lhe tinha enviado do palácio do sonho, para acalmar os pensamentos que o atormentavam.
Um tanto impressionado resolveu ir ver outra vez Viola e, sem um objetivo definido ou distinto, cedeu ao impulso do coração.


(continua)


Os capítulos deste romance fazem parte da coleção do G +Zanoni