segunda-feira, 26 de março de 2018

África I






Nas Florestas da África

Episódio I

Círculo Tribal do Jeito Familiar


Figuras morenas moviam-se ao redor do fogo, cujo clarão avermelhado iluminava apenas uma pequena circunferência do vale. Ele brilhava sobre um valado de plantas espinhosas, cujas flores queriam se abrir à noite e exalar um doce perfume. Esse perfume atraía grandes e coloridas borboletas. Elas voavam ao redor das flores com um suave zunido. As pessoas, porém, que se comprimiam ao redor do fogo para obter um bom lugar, não viam e não sentiam a beleza. Em geral, eles não tinham olhos para isso. Aquilo que deveria lhes chamar a atenção precisaria ser maior e mais grosseiro. Agora parecia surgir como certa inquietação na precipitação e na aglomeração. Em espessos círculos eles estavam acocorados no chão, de modo que os corpos morenos, meio vestidos, se tocavam uns aos outros sem que as pessoas se apercebessem disso. Eles não estavam acostumados de maneira diferente. Seus olhos estavam avidamente fixados no grande pedaço de carne, que assava lentamente sobre o fogo. O caldo que pingava caía nas chamas e exalava um cheiro forte de chamuscado que sufocava todo o perfume ao redor. O pingar cessou e uma crosta marrom se formou em torno do assado. As línguas rosadas passavam apressadamente por sobre os lábios que começaram a estalar no pré- sabor do desejo. Ao lado, duas mulheres enchiam com leite de cabras, diversos recipientes pequenos de barro, os quais não eram iguais entre si. Esses produtos eram feitos pelas mãos das mulheres da tribo. Cada uma das mulheres tinha uma maneira diferente para decorar seus produtos de barro. Era motivo de orgulho para elas sempre inventar algo novo. 
Agora elas haviam terminado seu trabalho, o qual executaram caladas com movimentos indiferentes. Ao mesmo tempo, anunciava-se um crescente estalar dos lábios pelo fato da alimentação estar pronta. Dois homens se levantaram com um agudo e sonante chamado da mulher que cuidava do assado. Eles tinham entre as pernas pequenos tamboretes, com os quais faziam compassadamente um barulho ensurdecedor, que após um determinado espaço de tempo se interrompia de repente, assim como havia começado. Então eles ouviam atentamente. Das proximidades soou o grito de uma coruja. Aí eles se sentaram novamente satisfeitos em seus lugares e aguardavam com os outros. A impaciência daqueles que esperavam, porém, fora colocada sob uma dura prova. Bastante tempo se passou, até que finalmente viu-se um brilho de luz aproximar-se. 
Após alguns instantes podiam-se reconhecer pessoas, que se moviam sobre o fogo. Sob a condução de homens negros, quase desnudos, que traziam uma tocha de fogo nas mãos e cautelosamente clareavam o caminho, vinham cinco mulheres. Agora elas chegaram junto ao círculo em volta do fogo. Aqueles que estavam sentados levantaram-se de sobressalto e soltaram sons singulares, cantados, que deviam significar dedicação e boas vindas. Os sons se assemelhavam, porém, mais ao grito de um animal selvagem em busca de alimentação.

Os homens se abaixaram atrás do círculo próximo aos arbustos de espinho, enquanto as cinco mulheres se achegavam ao fogo, que as iluminava. Quatro delas se assemelhavam umas às outras na vestimenta: elas trajavam uma tanga tecida de fibras coloridas que as envolvia totalmente, e, além disso, um grande pedaço quadrado de tecido grosseiro que tinha um buraco no meio, grande o suficiente para poder passar a cabeça. Esse pedaço de tecido cobria a parte superior do corpo. As pernas estavam descobertas, se não se considerasse como vestimenta aqueles trançados de espessas fibras que eram colocados em volta das juntas dos ossos. 
Quanto à idade, essas mulheres eram diferentes: enquanto duas pareciam ser bastante jovens, as outras duas eram idosas. Elas eram bem nutridas: as bochechas brilhavam de gordas. Do mesmo modo, os membros, onde não estavam cobertos pelo tecido. Grossos e salientes os lábios davam um traço repulsivo aos rostos, em si não feios. Abaixo do nariz tinham um osso de marfim. Também nos cabelos negros crespos havia alguns. A quinta mulher era totalmente diferente: seu rosto moreno era alongado, estreitos os lábios e um nariz bem formado. Seu traje consistia de uma vestimenta branca que parecia ser tecida. Assim como nas outras mulheres, havia no meio da vestimenta, uma abertura cortada, da qual sobressaía sua pequena cabeça. Esta branca vestimenta, porém, alcançava seus pés e envolvia toda sua figura. Ela era presa e amarrada na cintura por uma corda de fibra colorida, que se suspendia ao andar. Ela se encontrava entre as outras como um ser estranho. Sua idade era difícil de se determinar, a primeira juventude ela aparentava ter deixado atrás de si. “Bu-anan!” clamavam para ela as pessoas. “Bu-anan, Mãe Branca!” 
Sem responder, caminhou para o lugar destinado a ela, o qual estava caracterizado por várias peles de leão, colocadas umas sobre as outras. Por causa disso ela estava sentada mais acima que as demais, que tinham sobre o solo seus lugares. As duas mulheres mais jovens que vieram com ela, permaneceram de pé atrás dela. As outras duas, porém, se achegaram ao fogo e ajudavam a erguer a carne, colocando-a sobre pedras planas.

Depois disso vieram dois homens, que com suas pequenas facas curtas de bronze, cortaram-na em tantos pedaços quanto as mulheres lhes entregavam. Bu-anan ergueu-se com sua certa graciosidade. Ela estendeu os braços diante de si, as palmas das mãos voltadas para cima. “Anu, Deus, nós te agradecemos por este saboroso alimento!” disse ela com voz agradavelmente sonante, algo cantada. Para ela foram então levadas as pedras com a cheirosa carne cortada. 
Com um objeto parecido com um punhal ela espetava um pedaço após o outro e dava-o para os homens e as mulheres que se aproximavam, ao recebê-la, igualmente espetavam com o punhal. Mas ela não distribuía os pedaços indiscriminadamente. Primeiramente ela observava exatamente aqueles que pediam, falava também algumas palavras, enquanto repartia a carne. “Hoje você trabalhou pouco. Você se satisfará com um pedaço menor de alimento”, falou ela para uma moça que rapidamente se escondeu com sua parte atrás dos outros, envergonhada.
A um homem ela deu dois pedaços com as palavras: “Tua vigilância salvou hoje nosso gado dos amarelos. Pega o que te é merecido!” Eles estavam todos contentes e dirigiram-se de volta para os seus lugares, não sem antes terem recebido das mãos das mulheres um recipiente com leite. Um apressado e alto degustar iniciou-se, com o que não se falava nenhuma palavra. Bu-anan não participava disso. Ela pegou apenas um recipiente com leite e esvaziou-o vagarosamente como se estivesse em profundos pensamentos. No final da refeição as pessoas começaram a olhar para ela. “Bu-anan reflete, Bu-anan nos dirá algo”, murmuravam uns aos outros. Aparentemente eles se alegravam com isso. A carne foi totalmente consumida, ninguém podia ganhar mais do que havia recebido. Ao contrário, com relação ao leite, as moças enchiam os recipientes uma segunda e também uma terceira vez, se fosse desejado. Então, também essa provisão havia se esgotado. As pessoas se afastaram e olharam cheias de expectativa para Bu-anan. De repente ela começou a falar baixinho, tão baixinho que era quase de se admirar que as pessoas pudessem entender suas palavras. Mas eles estavam acostumados a isso e sabiam que a voz ganharia em força, quanto mais a vidente falava. 
“Nos longínquos, longínquos tempos que já há tanto tempo passaram, que apenas olhos voltados ao passado podiam ver, vivia aqui o Homem Búfalo. Ele era forte mas também selvagem. Costumes ele não conhecia. Por isso ele bramia conforme seu agrado. O que lhe vinha no caminho, isso ele passava por cima. Sua respiração era quente como o calor do fogo, ele soprava-a pelas narinas. Ele não trajava nenhuma vestimenta, pois pêlos crespos e marrons cobriam seu corpo.” 
Ela interrompeu-se como que para deixar surgir a imagem bem viva diante das almas dos ouvintes. Depois disso ela continuou, dessa vez com a voz um pouco mais alta: “Agora vós imaginais um verdadeiro búfalo e admirais que eu o denomine de Homem Búfalo. Mas era, porém um homem! Ele andava sobre duas pernas como vós o fazeis. As outras duas, ele tinha diante de si. Os chifres também não lhe cresciam na cabeça, porém, ele os trazia presos como vós trazeis a pena presa à cabeça.”

(continua)





Uma obra traduzida diretamente do texto original alemão de 1937, o qual foi publicado nos cadernos 6 a 12 da revista Die Stimme (A Voz). 
A história está sendo publicada em episódios da coleção do G +: 


Por esse mesmo esquema já foram publicadas as obras como coleções do G +: