quinta-feira, 19 de abril de 2018

África IV





Nas Florestas da África

Episódio IV

Um Estranho na Tribo


(continuação)

Não longe da aldeia se estendia um lago regularmente profundo, em cuja água, porém, nem ser humano, nem rebanho podia se refrescar, pois, em geral, ela era cinzenta e agitada. Muitos animais grandes iam lá ao entardecer para beber e, além disso, essas águas eram infestadas de nojentos crocodilos, que revolviam seus escamosos corpos dentro dela. Por sorte, um pequeno rio desembocava suas águas nesse lago e, antes de atingir a sua foz, ele se deixava conduzir para uma espécie de represa murada naturalmente, da qual se podia haurir água suficiente. Na verdade, quando a estiagem durava muito tempo, havia falta de água, mas Anu auxiliava sempre novamente. Nessa manhã bonita e ensolarada, Bu-anan saiu de sua cabana. Era a mais bonita e a maior de todas da aldeia. Ela morava completamente só. Suas mulheres viviam em duas habitações próximas e os servos negros ou escravos ainda residiam um pouco mais distante, em uma cabana muito grande e redonda. As mulheres estenderam um tecido branco diante da estreita passagem da cabana para que Bu-anan, ao engatinhar para fora, não sujasse suas mãos e a vestimenta. Não era fácil sair da moradia à maneira dos animais e imediatamente se colocar de pé. Bu-anan dominava esta difícil arte de forma tão perfeita, de modo que a realizava com graciosidade, enquanto que os outros, ao fazerem isso, davam motivos para risos. Algumas mulheres engatinhavam exatamente naquele momento para fora do buraco e precisavam de bastante tempo até ser capazes de se colocarem de pé. Uma vez de pé, a Mãe Branca foi rapidamente para o rio, onde lavou o rosto e as mãos. Depois se sentou à beira do rio e colocou os pés na água corrente. Então veio uma mulher até ela. “Sobre o que pensa Bu-anan?” perguntou ela com afinidade, embora respeitosamente. A interrogada virou a cabeça. “É você Pa-uru?” admirou-se ela. “Eu pensei que você estivesse já há bastante tempo tecendo.” A outra percebeu a censura, mas desta vez não quis ouvi-la. “Eu coloquei Pa-un, a filha, no tecer e saí para te encontrar, Mãe Branca. 

Eu tenho algo importante para te perguntar.” Bu-anan retirou os pés da água e virou-se totalmente para a indagadora. “Então fale”, estimulou a outra. Seus olhos foram mais cordiais do que suas escassas palavras. “Tu sabes, Bu-anan, que eu não me originei desta tribo. Amru, o homem, raptou-me quando me encontrou outrora na caçada dos amarelos. Eu estava contente e fiquei com prazer. Os meus acham que eu estou morta.” “Como você sabe disso, Pa-uru?” perguntou Bu-anan. “Eles talvez ainda procuraram por você.” “Eu sei que eles não fizeram isso, pois desde o raiar do Sol de hoje meu irmão está em nossa cabana. Ele se perdeu na caçada. Ontem o nosso fogo revelou-lhe nossa aldeia. Mas ele não ousou em se aproximar e permaneceu deitado atrás da moita de espinhos, onde deve ter adormecido. Hoje ele me procurou, porque ontem ele me viu e me reconheceu. Agora ele está aí.”
Suspirando terminou a mulher, cuja fala a ela mesma pareceu ser inconvenientemente longa. Na cabeça de Bu-anan precipitavam-se vários pensamentos, mas eles deveriam ficar reservados para uma reflexão posterior. Neste momento a mulher deveria receber sua resposta para a pergunta não pronunciada. “E agora você quer saber se você tem permissão de alojá-lo? Não é assim, Pa-uru?” perguntou ela amavelmente. A mulher acenou concordando. Bu-anan refletiu um pouco. Parecia que ela estava falando com alguém, mas a mulher não via ninguém. Então ela levantou o olhar e decidiu: “Não é costume nosso recusar à pessoa que se perdeu pouso e alimentação. Os Tuimahs também não têm necessidade de temer alguém. Se teu irmão ver que você está contente ele irá deixar seu marido em paz.” A mulher foi apressadamente embora. “Eu te agradeço, Bu-anan. Amanhã com o nascer do Sol, o irmão quer ir embora.” Bu-anan, porém, refletia. Ela tinha acreditado que o local do fogo estava seguro perante olhares espiões. Agora fora possível que um estranho pudesse se deitar despercebidamente atrás das moitas de espinhos, oculto a cada olhar. Isto não mais seria permitido no futuro. 

Os Tuimahs não tinham nada a esconder, mas os vizinhos eram tribos inquietas, que frequentemente saíam para raptar moças. Não era bom que por cega negligência lhes fosse oferecido a possibilidade para isso. E então... no que se referia a mulher ela estava totalmente despreocupada. Ela, porém, via com antecedência que com o regresso do irmão para os seus, surgiria dificuldades para toda a tribo. O melhor seria que a mulher fosse embora com o irmão, mas exigir isso dela seria desumano. Portanto, viesse o que tivesse que vir, Anu ajudaria! Bu-anan se levantou e foi para uma cabana ao lado da qual soava o barulho de um grande tear. Várias mulheres estavam sentadas trabalhando e cantavam uma canção, sempre na mesma entonação, formando variação, só através da força com a qual esse som era produzido. A Mãe Branca examinou o tecido e elogiou as trabalhadoras. De cabana em cabana ela andava, por toda parte olhava o que se passava. Dentro dela havia um desassossego incomum do que habitualmente. Ela observou isso e ansiou tão logo quanto possível ir para um lugar calmo, para que pudesse meditar. Se ela não fosse equilibrada, o que deveria exigir dos outros? Aí ela encontrou repentinamente um homem que aparentava andar ociosamente por aí. Contudo, lançava olhares aguçados para todos os lados e até parecia contar seus passos ou realizá-los num certo ritmo. Após uma breve recomposição de ânimo interior, ela sabia o que fazer. Ela chamou o estranho:

“Quem é você, estranho, que anda perambulando por aqui depois dos homens terem deixado a aldeia?” “Quem é você, mulher, que ousa me interrogar?” veio rápido a contra pergunta. O homem não estava disposto a dar informações sobre si e de suas ações. Contudo muito menos Bu-anan pensava em se deixar desviar do assunto por ele. “Você parece não estar acostumado com bons costumes, caso contrário, saberia que um estranho, mesmo como hóspede em um lugar, tem que submeter-se aos costumes dominantes da aldeia. Junto a nós, com o irromper do dia, os homens vão para os seus afazeres; a colônia fica reservada às mulheres. Se elas forem, por qualquer razão, impedidas nisso, elas não deixam suas cabanas. Agora que você sabe, aja de acordo.” Ela lhe diria algo totalmente diferente se fosse procurá-lo mais tarde, agora, porém, como o encontro se realizou inesperadamente mais cedo, tudo o que foi refletido ficou esquecido. Ela teve que falar assim, como fez agora. O homem olhava a mulher que se parecia tão diferente de todas as outras e que ousava falar desta maneira com um homem. Mesmo assim ele não se deu por vencido. “Junto a nós, não é costume que mulheres dirijam a palavra a um homem”, disse ele desdenhosamente. “Eu faço uso das suas palavras: Você parece não estar acostumada com bons modos.” “Eu sou Bu-anan”, respondeu ela cheia de altivez, como se estivesse tudo esclarecido com isso. O homem riu. “Você se chama ‘Mãe Branca?’ Que significa isso? Vá aos seus pequenos, eles devem estar gritando por você, Mãe Branca.” De forma desprezível ele se virou para ir embora e queria retomar o que estava fazendo. Isto deveria ser impedido, pois Bu-anan via claramente que ele, sob o pretexto de ter se perdido, viera à aldeia, mas que de forma alguma era irmão de Pa-uru, que o acolhera credulamente. Ela fez como Ra-a, de quem ela contou, e pediu a Anu por força e sabedoria. Então, ela disse calmamente, com grande determinação: “Muitas palavras desnecessárias foram ditas até agora! Sem ser convidado você veio até nós, então, permanecerá até que nós concordemos com a sua partida!” Sem refletir ele respondeu: “Como quereis me prender, vós mulheres? Vossos homens já se encontram há muito tempo bem distantes. Eu permaneço quanto tempo me agradar! Assim, eu vou nem mais cedo nem mais tarde.” Bu-anan respirou fundo. 

(continua)





Uma obra traduzida diretamente do texto original alemão de 1937, o qual foi publicado nos cadernos 6 a 12 da revista Die Stimme (A Voz). 
A história está sendo publicada em episódios da coleção do G +: 


Por esse mesmo esquema já foram publicadas as obras como coleções do G +: