segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Nosso Lar








Nosso Lar

André Luiz é o nome fictício dado pelo autor ao personagem central para narrar suas reais experiências pessoais após a sua morte, cujas descrições foram ditadas por ele próprio e psicografadas por Chico Xavier, as quais deram origem ao livro: “Nosso Lar”:




Nas Regiões Inferiores

Eu guardava a impressão de haver perdido a ideia de tempo. A noção de espaço me esvaíra-se de há muito.
Estava convicto de não mais pertencer ao número dos encarnados no mundo e, no entanto, meus pulmões respiravam a longos haustos.
Em verdade, não fora um criminoso, no meu próprio conceito. A filosofia do imediatismo, porém, absorvera-me. De fato, conhecia as letras do Velho Testamento e muita vez folheara o Evangelho; entretanto, era forçoso reconhecer que nunca procurava as letras sagradas com a luz do coração. Filho de pais talvez excessivamente generosos conquistara meus títulos universitários sem maior sacrifício, compartilhara os vícios da mocidade do meu tempo, organizara o lar, conseguira filhos, perseguira situações estáveis que garantissem a tranquilidade econômica do meu grupo familiar, mas, examinando atentamente a mim mesmo, algo me fazia experimentar a noção de tempo perdido, com a silenciosa acusação da consciência. Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera as bênçãos da vida, mas não lhe retribuíra nenhum ceitil do meu débito enorme.




Clarêncio

“Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!” gritos assim, cercavam-me de todos os lados.
Por vezes, enxergava-os de relance, escorregadios na treva espessa e, quando meu desespero atingia o auge, atacava-os, mobilizando extremas energias. Em vão, porém, esmurrava o ar nos paroxismos da cólera. Gargalhadas sarcásticas feriam-me os ouvidos, enquanto os vultos negros desapareciam na sombra.
Infeliz, sim; mas, suicida? Nunca!
Essas encrespações, a meu ver, não eram procedentes. Eu havia deixado o corpo físico a contragosto.
Eu, que detestara as religiões no mundo, experimentava agora a necessidade de conforto místico. Médico extremamente arraigado ao negativismo da minha geração me impunha-se atitude renovadora. Tornava-se imprescindível confessar a falência do amor-próprio, a que me consagrara orgulhoso.
E, quando as energias me faltaram de todo, quando me senti absolutamente colado ao lodo da Terra, sem forças para reerguer-me, pedi ao Supremo Autor da Natureza me estendesse mãos paternais, em tão amargurada emergência.
Foi nesse instante que as neblinas espessas se dissiparam e alguém surgiu, como emissário dos Céus. Um velhinho simpático me sorriu paternalmente. Inclinou-se, fixou nos meus os grandes olhos lúcidos, e falou:
– Coragem, meu filho! O Senhor não te desampara.
– Quem sois, generoso emissário de Deus?
O inesperado benfeitor sorriu bondoso e respondeu:
– Chama-me Clarêncio, sou apenas teu irmão.
– Vamos sem demora. Preciso atingir “Nosso Lar” com a presteza possível.



A Oração Coletiva

Embora transportado à maneira de ferido comum, lobriguei o quadro confortante que se desdobrava à minha vista. Enfim, chegamos à frente de grande porta encravada em altos muros, cobertos de trepadeiras floridas e graciosas. Tateando um ponto da muralha, fez-se longa abertura, através da qual penetramos silenciosos.
A medida que avançávamos, conseguia identificar preciosas construções, situadas em extensos jardins. A meus olhos surgiu, então, a porta acolhedora de alvo edifício, à feição de grande hospital terreno.
A essa altura, serviram-me caldo reconfortante, seguido de água muito fresca, que me pareceu portadora de fluidos divinos. Aquela reduzida porção de líquido reanimava-me inesperadamente. Não saberia dizer que espécie de sopa era aquela; se alimentação sedativa, se remédio salutar. Ante meu olhar indagador, o enfermeiro, que permanecia ao lado, esclareceu:
– É chegado o crepúsculo em “Nosso Lar”. Em todos os núcleos desta colônia de trabalho, consagrada ao Cristo, há ligação direta com as preces da Governadoria. – Conserve-se tranquilo. Todas as residências e instituições de “Nosso Lar” estão orando com o Governador, através da audição e visão a distância.
A primeira prece coletiva, em “Nosso Lar”, operara em mim completa transformação. Conforto inesperado envolvia-me a alma. Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, o pobre coração, saudoso e atormentado, à maneira de cálice muito tempo vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperança.



O Médico Espiritual

No dia imediato, após reparador e profundo repouso, experimentei a bênção radiosa do Sol amigo, qual suave mensagem ao coração. Clarêncio voltou acompanhado e indagou do meu estado geral. O seu acompanhante tratava-se do irmão Henrique de Luna, do Serviço de Assistência Médica da colônia espiritual, que sorriu e explicou:
– É de lamentar que tenha vindo pelo suicídio.
– Creio que haja engano – asseverei, melindrado.
– Todo o seu aparelho gástrico foi destruído à custa de excessos de alimentação e bebidas alcoólicas. Devorou-lhe a sífilis energias essenciais. Como vê, o suicídio é incontestável
Foi então que o generoso Clarêncio, sentando-se no leito, a meu lado, afagou-me paternalmente os cabelos e falou comovido:
– Oh, Meu filho! Não te lastimes tanto. Busquei-te atendendo à intercessão dos que te amam, dos planos mais altos.
Ante a generosidade que transbordava dessas palavras, mergulhei a cabeça em seu colo paternal e chorei longamente.



Recebendo Assistência

–  Ola, sou Lísias,  meu diretor, o assistente Henrique de Luna, designou-me para servi-lo, enquanto precisar de tratamento.
– É enfermeiro? – indaguei.
– Sou visitador dos serviços de saúde.
Então começou a auscultar-me, atento, impedindo-me o agradecimento verbal.
– A zona dos seus intestinos apresenta lesões sérias com vestígios muito exatos do câncer; a região do fígado revela dilacerações; a dos rins demonstra característicos de esgotamento prematuro.
– Continue, meu amigo, esclareça-me. Sinto-me aliviado e tranquilo. Não será esta região um departamento celestial dos eleitos?
Notando-me a admiração, interrogou:
– Acreditaria, porventura, que a morte do corpo nos conduziria a planos de milagres? Somos compelidos a trabalho áspero, a serviços pesados e não basta só isso.
Em seguida, aplicou-me passes magnéticos, atenciosamente. Fazendo os curativos na zona intestinal, esclareceu:
– Não observa o tratamento especializado da zona cancerosa? Pois note bem: toda medicina honesta é serviço de amor, atividade de socorro justo; mas o trabalho de cura é peculiar a cada Espírito. Meu irmão será tratado carinhosamente, sentir-se-á forte como nos tempos mais belos da sua juventude terrena, trabalhará muito e, creio, será um dos melhores colaboradores em “Nosso Lar”; entretanto, a causa dos seus males persistirá em si mesmo, até que se desfaça dos germes de perversão da saúde divina, que agregou ao seu corpo sutil pelo descuido moral e pelo desejo de gozar mais que os outros.



Precioso Aviso

No dia imediato, após a oração do crepúsculo, Clarêncio me procurou em companhia do atencioso visitador.
– Como vai? Melhorzinho? 
– Não posso negar que esteja melhor; entretanto, sofro intensamente. Muitas dores na zona intestinal, estranhas sensações de angústia no coração. Além do mais, meus sofrimentos morais são enormes e inexprimíveis. Amainada a tormenta exterior com os socorros recebidos, volto agora às tempestades íntimas. Que terá sido feito de minha esposa, de meus filhos? Teria o meu primogênito conseguido progredir, segundo meu velho ideal? E as filhinhas? Minha desventurada Zélia muitas vezes afirmou que morreria de saudades, se um dia eu lhe faltasse. Admirável esposa!
Clarêncio, contudo, levantou-se sereno e falou sem afetação:
– Meu amigo, deseja você, de fato, a cura espiritual?
Ao meu gesto afirmativo, continuou:
– Aprenda, então, a não falar excessivamente de si mesmo, nem comente a própria dor. Lamentação denota enfermidade mental e enfermidade de curso laborioso e tratamento difícil.
Fez-se longa pausa. A palavra de Clarêncio levantara-me para elucubrações mais sadias.
Enquanto meditava a sabedoria da valiosa advertência, meu benfeitor tornou a perguntar com um belo sorriso:
– Então, como passa? Melhor?
Contente confortado:
– Vou bem melhor, para melhor compreender a Vontade Divina.



Explicações de Lísias

Repetiram-se as visitas periódicas de Clarêncio e a atenção diária de Lísias. Diminuíram as dores e os impedimentos de locomoção fácil. Notava, porém, que, a recordações mais fortes dos fenômenos físicos, me voltavam com angústia, o receio do desconhecido, a mágoa.
Apesar de tudo, encontrava mais segurança dentro de mim.
Um dia, não pude conter-me e perguntei ao solícito visitador:
– Meu caro Lísias, acha possível, aqui, o encontro com aqueles que nos antecederam na morte do corpo físico?
– Como não? Pensa que está esquecido?...
– Sim. Por que não me visitam?
– E onde está minha mãe? – exclamei, por fim. Se me é permitido, quero vê-la, abraçá-la, ajoelhar-me a seus pés!
– Não vive em “Nosso Lar” – esclareceu Lísias –, habita esferas mais altas, onde trabalha não somente por você.
Observando meu desapontamento, acrescentou:
– Virá vê-lo, por certo, antes mesmo do que pensamos. Quando alguém deseja algo ardentemente, já se encontra a caminho da realização. Tem você, nesse particular, a lição do próprio caso. Anos a fio rolou, como pluma, albergando o medo, as tristezas e desilusões; mas, quando mentalizou firmemente a necessidade de receber o auxílio divino, dilatou o padrão vibratório da mente e alcançou visão e socorro.
– Desejarei, então, com todas as minhas forças... Ela virá... Ela virá...
– Convém não esquecer, contudo, que a realização nobre exige três requisitos fundamentais, a saber: primeiro, desejar; segundo, saber desejar; e, terceiro, merecer, ou, por outros termos, vontade ativa, trabalho persistente e merecimento justo.



Organização de Serviços

Decorridas algumas semanas de tratamento ativo, saí, pela primeira vez, em companhia de Lísias.
Impressionou-me o espetáculo das ruas. Vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas. Ar puro, atmosfera de profunda tranquilidade espiritual.
– Estamos no local do Ministério do Auxílio. Tudo o que vemos, edifícios, casas residenciais, representa instituições e abrigos adequados à tarefa de nossa jurisdição. Orientadores, operários e outros serviçais da missão residem aqui. Nesta zona, atende-se a doentes, ouvem-se rogativas, selecionam-se preces, preparam-se reencarnações terrenas, organizam-se turmas de socorro aos habitantes do Umbral, ou aos que choram na Terra, estudam-se soluções para todos os processos que se prendem ao sofrimento.
– Há, então, em “Nosso Lar”, um Ministério do Auxílio? – perguntei.
– Como não? Nossos serviços são distribuídos numa organização que se aperfeiçoa dia a dia, sob a orientação dos que nos presidem os destinos.
Fixando em mim os olhos lúcidos, prosseguiu:
– Não tem visto, nos atos da prece, nosso Governador Espiritual cercado de setenta e dois colaboradores? Pois são os Ministros de “Nosso Lar”. A colônia, que é essencialmente de trabalho e realização, divide-se em seis Ministérios, orientados, cada qual, por doze Ministros. Temos os Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da Comunicação, do Esclarecimento, da Elevação e da União Divina. Os quatro primeiros nos aproximam das esferas terrestres, os dois últimos nos ligam ao plano superior, visto que a nossa cidade espiritual é zona de transição. Os serviços mais grosseiros localizam-se no Ministério da Regeneração, os mais sublimes no da União Divina. Clarêncio, o nosso chefe amigo, é um dos Ministros do Auxílio. “Nosso Lar” é antiga fundação de portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no século XVI. A princípio, enorme e exaustiva foi a luta, segundo consta em nossos arquivos no Ministério do Esclarecimento.



Problemas de Alimentação

Enlevado na visão dos jardins prodigiosos, pedi ao dedicado enfermeiro para descansar alguns minutos num banco próximo. Lísias anuiu de bom grado.
– Quem observa esta colmeia imensa de serviço – ponderei – é induzido a examinar numerosos problemas. E o abastecimento? Não tenho notícia de um Ministério da Economia...
– Antigamente – explicou o paciente interlocutor – os serviços dessa natureza assumiam feição mais destacada. Deliberou, porém, o atual Governador atenuar todas as expressões de vida que nos recordassem os fenômenos puramente materiais. As atividades de abastecimento ficaram, assim, reduzidas a simples serviço de distribuição, sob o controle direto da Governadoria. Aliás, a providência constitui medida das mais benéficas.
Rezam os anais que a colônia, há um século, lutava com extremas dificuldades para adaptar os habitantes às leis da simplicidade. Muitos recém-chegados ao “Nosso Lar” duplicavam exigências. Queriam mesas lautas, bebidas excitantes, dilatando velhos vícios terrenos. Desde então, só existe maior suprimento de substâncias alimentícias que lembram a Terra, nos Ministérios da Regeneração e do Auxílio, onde há sempre grande número de necessitados. Nos demais há somente o indispensável, isto é, todo o serviço de alimentação obedece a inexcedível sobriedade.



No Bosque das Águas

Dado o meu interesse crescente pelos processos de alimentação, Lísias convidou:
– Vamos ao grande reservatório da colônia.
Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer até nós, à maneira de um elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina conhecida na Terra. Constituída de material muito flexível, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisíveis, sendo conhecido como aeróbus.
A velocidade era tanta que não permitia fixar os detalhes das construções escalonadas no extenso percurso. A distância não era pequena, porque só depois de quarenta minutos, incluindo ligeiras paradas de três em três quilômetros, me convidou Lísias a descer, sorridente e calmo.
Deslumbrou-me o panorama de belezas sublimes. O bosque, em floração maravilhosa, embalsamava o vento fresco de inebriante perfume.
– Estamos no Bosque das Águas. Temos aqui uma das mais belas regiões de “Nosso Lar”.
– Ali é o grande reservatório da colônia. Todo o volume do Rio Azul, que temos à vista, é absorvido em caixas imensas de distribuição. As águas que servem a todas as atividades da colônia partem daqui. Em seguida, reúnem-se novamente, abaixo dos serviços da Regeneração, e voltam a constituir o rio, que prossegue o curso normal, rumo ao grande oceano de substâncias invisíveis para a Terra.
– A que Ministério está afeto o serviço de distribuição?
– Imagine – elucidou Lísias – que este é um dos raros serviços materiais do Ministério da União Divina!
– Que diz? – perguntei, ignorando como conciliar uma e outra coisa.
O visitador sorriu e obtemperou prazenteiro:
Acontece, porém, que só os Ministros da União Divina são detentores do maior padrão de Espiritualidade Superior, entre nós, cabendo-lhes a magnetização geral das águas do Rio Azul, a fim de que sirvam a todos os habitantes de “Nosso Lar”, com a pureza imprescindível. Fazem eles o serviço inicial de limpeza e os institutos realizam trabalhos específicos, no suprimento de substâncias alimentares e curativas. Compreenderá, então, que a água, como fluido criador, absorve, em cada lar, as características mentais de seus moradores. A água, no mundo, meu amigo, não somente carreia os resíduos dos corpos, mas também as expressões de nossa vida mental.



Notícias do Plano

Voltamos ao ponto de passagem do aeróbus.
– Lísias, amigo – perguntei –, poderá informar-me se todas as colônias espirituais são idênticas a esta? Os mesmos processos, as mesmas características?
– De modo algum. Todas as experiências de grupo diversificam-se entre si e “Nosso Lar” constitui uma experiência coletiva dessa natureza. Cada organização apresenta particularidades essenciais. Em geral, todos nós, decorrido longo estágio de serviço e aprendizado, voltamos a reencarnar, para atividades de aperfeiçoamento. Quando os recém-chegados das zonas inferiores do Umbral se revelam aptos a receber cooperação fraterna, demoram no Ministério do Auxílio; quando, porém, se mostram refratários, são encaminhados ao Ministério da Regeneração. Se revelam proveito, com o correr do tempo são admitidos aos trabalhos de Auxílio, Comunicação e Esclarecimento, a fim de se prepararem, com eficiência, para futuras tarefas planetárias. Somente alguns conseguem atividade prolongada no Ministério da Elevação e raríssimos, em cada dez anos, os que alcançam intimidade nos trabalhos da União Divina. A Governadoria, por sua vez, é sede movimentada de todos os assuntos administrativos, numerosos serviços de controle direto, como, por exemplo, o de alimentação, distribuição de energias elétricas, trânsito, transporte e outros. Aqui, em verdade, a lei do descanso é rigorosamente observada, para que determinados servidores não fiquem mais sobrecarregados que outros; mas a lei do trabalho é também rigorosamente cumprida.
Deixara-nos o aeróbus nas vizinhanças do hospital, onde me aguardava o aposento confortador. Em plena via pública, ouviam-se, tal qual observara à saída, belas melodias...
– Essas músicas procedem das oficinas onde trabalham os habitantes de “Nosso Lar”. Após consecutivas observações, reconheceu a Governadoria que a música intensifica o rendimento do serviço, em todos os setores de esforço construtivo. Desde então, ninguém trabalha em “Nosso Lar”, sem esse estimulo de alegria.



O Umbral

A ausência de preparação religiosa, no mundo, dá motivo a dolorosas perturbações. Que seria o Umbral? Conhecia, apenas, a ideia do inferno e do purgatório, através dos sermões ouvidos nas cerimônias católico-romanas a que assistira, obedecendo a preceitos protocolares. Desse Umbral, porém, nunca tivera notícias.
– Ora, ora, pois você andou detido por lá tanto tempo e não conhece o ambiente?
Recordei os sofrimentos passados, experimentando arrepios de horror.
– O Umbral – continuou ele, solícito – começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano dos erros numerosos.
– Imagine que cada um de nós, renascendo no planeta, somos portadores de um fato sujo, para lavar no tanque da vida humana. Essa roupa imunda é o corpo causal, tecido por nossas mãos, nas experiências anteriores. Compartilhando, de novo, as bênçãos da oportunidade terrestre, esquecemos, porém, o objetivo essencial, e, ao invés de nos purificarmos pelo esforço da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novos laços e encarcerando-nos a nós mesmos em verdadeira escravidão. O Umbral funciona, portanto, como região destinada a esgotamento de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu.
A imagem não podia ser mais clara, mais convincente. Não havia como disfarçar minha justa admiração.
– O Umbral é região de profundo interesse para quem esteja na Terra. Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior. Há legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes, que não são suficientemente perversas para serem enviadas a colônias de reparação mais dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas a planos de elevação. Não é de estranhar, portanto, que semelhantes lugares se caracterizem por grandes perturbações. Lá vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espécie.
Sumamente impressionado, exclamei:
– Ah! Como desejo trabalhar junto dessas legiões de infelizes, levando-lhes o pão espiritual do esclarecimento!
O enfermeiro amigo fixou-me bondosamente e, depois de meditar em silêncio, por largos instantes, acentuou, ao despedir-se:
– Será que você se sente com o preparo indispensável a semelhante serviço?

Trechos dos mais relevantes da obra “Nosso Lar” – ditada por André Luiz, psicografada por Chico Xavier.

(continua)