terça-feira, 21 de março de 2017

Sobre a Vida dos Celtas XII







Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas XI

Sobre a vida dos Celtas –XII

Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff

Anteriormente: Após três anos de guerra, muita mudança havia ocorrido na tribo dirigida por Seabhac Habicht. Muito importante significou a união de povos celtas das outras regiões, pelo mesmo interesse de crença, conforme era cultuada em sua comunidade, com jovens chegando de longe para aprender mais sobre o Pai Eterno. Meinin também se transformara, manifestando especiais dons espirituais...

Acontecia, várias vezes, que Seabhac fosse chamado em mais outro principado, a fim de amenizar brigas ou ensinar. Também Donald, que silenciosamente era reconhecido pelas outras tribos como druida superior, tinha de realizar aqui e acolá festas especiais.
O que acontecia além-mar que banhava as distantes fronteiras do país dos Celtas, a esse respeito eles sabiam bem pouco. Às vezes acontecia que navios comerciais traziam notícias de países distantes. Isso não criava nenhuma agitação. Os Celtas eram um povo voltado para si e que fazia pouco sentido para outrem. Ninguém se sentia impelido em ver como era lá fora. Eles também não queriam ouvir nada de pessoas que lhes eram estranhas.
Na cabana do príncipe havia ingressado alegria: uma menina havia se associado aos irmãos. Com a permissão da luminosa enteal, ela pôde portar o seu mesmo nome.
A pequena Brigit era uma criança especial. Os cabelos eram como ouro entretecido em volta de sua cabecinha, os olhos azuis eram muito grandes e pareciam absorver tudo o que olhavam. Isto, porém, só ocorria com o que era belo e alegre. Se vissem, contudo, algo que não lhes agradasse, eles se fechavam rapidamente. Isso os irmãos, que observavam continuamente a pequena irmã, notaram logo. Eles começaram a observar atentamente os olhos de Brigit e direcionavam seu agir de acordo. Nenhum deles queria ser o motivo para que desaparecesse o brilho daqueles olhos. Os pais oravam sobre a criança como não haviam feito a nenhuma outra. Parecia-lhes um presente do Pai Eterno. A avó Muirne, porém, não mais vivenciou a pequena maravilha humana. Uma noite ela adormeceu sem lutas e foi sepultada no jardim. Donald tinha a mesma intuição que Seabhac, proibindo para sempre a incineração das pessoas falecidas.

Desde que esta sua filha se encontrava sobre a Terra, Meinin tornou-se ainda mais sonhadora do que antes. Nenhum dia se passava sem que ela tivesse vivências ou visões, a respeito das quais ela não falava com ninguém.
Então chegou novamente a época de uma Solenidade e Donald e Seabhac sentaram-se juntos, a fim de conversarem o que por ocasião desta iriam transmitir ao povo. De repente Nuado encontrava-se junto a eles. Eles estavam habituados à sua vinda, de modo que não necessitavam mais de um aviso especial. Com grande alegria o saudaram, contudo, notaram imediatamente que ele tinha também agora, uma mensagem especial para eles.
— “Ouvi” começou ele solenemente “o Pai Eterno achou digna de grande graça a mulher Meinin. Foi-­lhe dada permissão para ver o que se encontra na deliberação primordialmente sábia e sagrada do Pai Eterno. Ela vos deve anunciar por ocasião da Solenidade. Não falai com ninguém a respeito, nem com ela mesma.”
Agora deveria, portanto, ser revelado o que a alma de Meinin via e ouvia, quando ela trilhava seus próprios caminhos.
— “Vos será falado na hora certa” continuou Nuado “alegrai-vos por vosso povo ter sido presenteado com algo grandioso perante todas as outras tribos.”
Na tarde, antes da Solenidade, Meinin achegou-se a Seabhac. Seus olhos irradiavam, seu rosto estava corado. Ela queria dizer algo, mas novamente faltaram-lhe as palavras. Cheio de amor ele tomou suas mãos, que ela havia cruzado diante do peito.
— “Como é, Meinin”, ele a auxiliou, “minha esposa quer nos anunciar amanhã algo grandioso por ocasião da Solenidade?”
Ela balançou a cabeça afirmativamente aliviada. Ela não perguntou de onde ele sabia a respeito desse segredo. Ela apenas estava feliz por ter sido expresso. Agora ela também encontrou a coragem de falar adiante.

— “Nesses últimos dias eu tomei conhecimento de algo maravilhoso. É algo tão sagrado que os lábios humanos mal são capazes de formular. Brigit me disse a algumas horas, que a Vontade do Pai Eterno me ordenou anunciar amanhã a respeito disso. Não queres orar por mim para que eu seja capaz disso?”
— “Os servos luminosos do Pai Eterno irão te auxiliar, minhas orações rodear-te-ão, Meinin.”
Era a época da entrada do inverno, curtos eram os dias e a claridade desaparecia rapidamente. Contudo, no dia da Solenidade, parecia como se o Sol quisesse duplicar seus raios. Anteriormente Donald ainda havia ponderado se não seria melhor realizar a Solenidade na casa de reuniões. Agora, porém, ninguém mais pensava a respeito. Maravilhoso estava lá fora sobre o céu azul entre as antiquíssimas e grandes rochas.
Já há muito tempo as mãos aplicadas de Meinin tinham tecido uma toalha branca que cobria a pedra de sacrifício. Nada mais deveria lembrar sua antiga finalidade. Os três incensórios encontravam-se brilhando sobre ela. Lá, Meinin havia colocado ramos verdes de pinheiro sobre a pedra e cada uma das grandes rochas possuía uma grinalda. No mais a Solenidade agora realizada não se diferenciava em nada mais da festa de outrora. Apenas quando o druida superior deveria falar é que ocorreria a novidade inesperada para quase todos.
Donald aproximou-se da pedra e disse: “O Pai Eterno outorgou indescritível graça para nossa tribo. Já há muito tempo ele abriu os olhos do espírito de nossa princesa, de modo que ela pode ver o que do contrário, só permanece oculto às outras pessoas. Ele a agraciou em poder ouvir o que pessoas comuns não ouvem. Um maravilhoso acontecimento foi-lhe revelado. A bondade do Pai Eterno quer que Meinin nos anuncie a respeito. Ouvi com devoção e agradecimento.”

Meinin caminhou para o lado dele em sua longa veste branca, ornamentada por uma grande pedra verde que pendia do pescoço e era enfeitada com ouro. Este era o único adorno que ela trazia. Os braços pendiam para baixo, as mãos estavam juntas, assim ela se encontrava ali de forma totalmente simples e sem se lembrar de si mesma. Era como se ela aguardasse interiormente por um sinal para começar.
Então ela ergueu um pouco o olhar e começou a falar. Clara e nítida soava sua voz, sem parar e sem gaguejar lhe afluíam as palavras: 

De alturas incomensuráveis, o Pai Eterno olha para a Terra que Ele mandou criar, a fim de dar uma moradia às criaturas humanas. Maravilhosa era ela quando havia saído das mãos divinas. Tudo nela era bom. Também as pessoas que, como primeiras, peregrinavam por esta Terra. Isto, porém, faz tanto tempo que não somos capazes de imaginar. O Pai Eterno alegrava-se, as pessoas eram abençoadas e felizes.
Então veio Lug, vós sabeis. Ele seduziu as pessoas a saírem dos caminhos do Pai Eterno, mandando-lhes fazer coisas que não estavam de acordo com os mandamentos eternos. Ruins, cada vez mais ruins, tornavam-se as pessoas, torto era seu caminho, mentirosas suas palavras, impuros seus pensamentos.
O Pai Eterno olhara para a Terra. Ele viu como o agir dos seres humanos deturpou tudo o que era luminoso e belo. Os seres humanos habituaram-se de tal forma com a escuridão que não mais sentiam falta da Luz. Eles aprenderam a pensar e a falar mentirosamente, não pressentindo nada mais a respeito da Verdade. Assim ainda se dá hoje sobre a Terra.

Meinin calou-se, como se ela quisesse dar tempo aos ouvintes, a fim de que eles acolhessem interiormente o que fora dito, a fim de que vivenciassem. Depois ela continuou:

O Pai Eterno vê que os seres humanos não são mais capazes de alcançarem a Luz com as próprias forças, nem de reencontrarem a Verdade. Existem de fato entre eles alguns que são melhores que os outros, mas eles também não são bons. Eles não podem auxiliar.  O mundo é tão grande!  E os seres humanos são tantos!   E Lug é astuto!

O Pai Eterno olha com tristeza para o mundo destruído. Então Seu sagrado Filho aproxima-se Dele com Misericórdia e Amor no olhar.
Deixa-me ir Pai fala o Sagrado “levar novamente o que o mundo perdeu. Eu quero anunciar Tua Verdade, eu quero ascender a Luz celestial diante de cujo resplendor as chamas artificiais de Lug devem empalidecer. Eu quero levar paz e pureza às criaturas humanas!” O Pai Eterno inclinou a cabeça.
Sim, Meu Filho, vá. É a única salvação para o mundo, se não tiver que se perder por toda eternidade.

(continua)

Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht  

Muirne: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino salva e aceita para proteção.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.
Donald: Escolhido como novo Superior dos Druidas (após morte misteriosa d Padraic)
Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos.

Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon (galês).
Na mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade a quem o bebesse.

Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.

Lug: ou Lugh - filho de Cian (Kian) dos Tuatha Dé Danann e Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos Fomorianos). Comandou as forças dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura extraordinária do Deus jovem irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado à habilidade e à técnica; é conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes) e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto (Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes galês.