domingo, 9 de abril de 2017

O Quarto Sábio







O QUARTO SÁBIO

por Henry Van Dyke


No tempo em que Augusto César comandava o Império Romano e o rei Herodes governava Jerusalém, vivia na cidade de Ecbátana, entre as montanhas da Pérsia, um homem chamado Artaban.
Do telhado de sua casa, Artaban podia contemplar, erguendo-se para além das muralhas pretas e brancas, vermelhas e azuis, douradas e prateadas, a colina onde o palácio do imperador resplandecia como uma joia acima da cidade de Ecbátana. Em torno de sua casa verdejava um maravilhoso jardim, cheio de flores e árvores frutíferas, irrigado por fontes borbulhantes e repleto da música de pássaros incontáveis. Muito acima das árvores mais altas do jardim se erguia uma torre.
Em sua janela quase sempre brilhava uma lâmpada até tarde da noite, pois era ali que Artaban trabalhava. Ele era um seguidor dos ensinamentos de Zoroaster e estudava a eterna luta entre as forças do bem e do mal, investigando os segredos da natureza – acima de tudo, os mistérios das estrelas e do céu noturno.
Lá Artaban se aconselhava com seu amigos.
Artaban tinha muitos amigos, entre eles, Gaspar, Baltazar e Melchior. Para todos eles, o conhecimento dos astros era a forma mais elevada de sabedoria.
Numa noite de primavera, os quatro companheiros estavam observando o céu quando viram dois grandes planetas entrando juntos na constelação de Peixes e uma estrela nova brilhando com um esplendor maior do que qualquer uma que jamais tinham visto antes.
Os homens sabiam, por seus estudos, que aquela estrela assinalava o nascimento de um grande Mestre que estava para surgir entre os judeus, conforme a profecia. Naquele mesmo instante, decidiram seguir a estrela.
Combinaram de se encontrar num lugar bem distante, junto ao Templo das Sete Estrelas, na Babilônia. Dali partiriam com uma caravana de suprimentos até Jerusalém, para render homenagem ao Menino.
Artaban logo tomou suas providências. Vendeu tudo o que possuía, sua bela casa com seus jardins perfumados e todos seus pertences, e comprou três jóias preciosas – uma safira, um rubi e uma pérola, para levar como um tributo à criança recém-nascida.
Na véspera de sua partida, despediu-se de seu velho pai e ajoelhou-se para receber sua bênção.




Antes do amanhecer, antes mesmo que o primeiro pássaro despertasse, Artaban desceu para o estábulo onde Vasda, seu cavalo favorito, já estava selado e arreado em sua estrebaria, mordendo o freio e raspando o chão com impaciência. Artaban se lançou sobre a sela e logo estava cavalgando velozmente rumo oeste: tinha de alcançar o Templo das Sete Esferas na noite combinada, e a viagem era longa e árdua. Artaban conhecia bem a potência de Vasda e forçava o galope, cavalgando noite adentro até bem tarde e retomando a viagem cada manhã, muito antes do nascer do Sol. A cada crepúsculo, assim que o Sol desaparecia por trás das colinas, a nova estrela radiante lançava seu brilho.Finalmente, após dez dias e dez noites, ele viu à sua frente as grandes muralhas da Babilônia. Já era tempo! Dentro de três horas, ele estaria no Templo das Setes Esferas. Quando trotava por um bosque de tamareiras fora dos muros da cidade, Vasda teve um sobressalto. O cavalo inclinou a cabeça e soltou um relincho. Em seguida, ficou imóvel, palpitando cada músculo, diante de algo escuro caído na sombra.





Artaban apeou. Sob a pálida luz das estrelas, pôde ver a figura de um homem estirado sobre a estrada.Inclinou-se para tocar a cabeça no estranho. O homem deixou escapar um suspiro fantasmagórico e agarrou-se a túnica de Artaban com dedos longos e descarnados. Artaban ficou com o coração aos saltos. Aquele homem precisava de ajuda – mas como ele poderia se deter justamente naquela noite? “Deus da Verdade e da Pureza”, suplicou Artaban, “dirigi-me para trilhas santas, para o caminho da sabedoria que vós conheceis melhor que qualquer mortal”.
Em seguida, apanhou água e misturou-a com algumas das ervas medicinais que sempre levava consigo. Apoiou a cabeça do homem doente sobre seu braço esquerdo e lentamente foi despejado o líquido na sua boca ressequida. Hora após hora, um pouco a cada vez.
Por fim, o homem doente recobrou suas forças.
– Quem é você? – perguntou ele. – E por que salvou minha vida?
– Meu nome é Artaban, da cidade de Ecbátana, e estou a caminho de Jerusalém para encontrar aquele que se tornará o Rei dos Judeus. Não posso ficar mais tempo com você, pois a caravana está a minha espera. Mas vou lhe deixar tudo o que me restou de pão e vinho, junto com esta porção de ervas medicinais.
O homem doente levantou solenemente sua mão trêmula para o céu.
– Que o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó abençoe você e lhe dê paz! Agora escute, o Messias não nascerá em Jerusalém, mas em Belém na Judéia. Que o Senhor conduza você em segurança àquele lugar, pois você teve piedade de mim e salvou minha vida.
Já passava da meia-noite. Artaban cavalgou depressa através da planície silenciosa. No entanto,quando alcançou o Templo das Setes Esferas, não encontrou nenhum vestígio de seus amigos. Então, no canto de um terraço, ele viu um pequeno monte de pedras e, embaixo delas, um pedaço de pergaminho. Pegou e leu: “Não podemos mais nos atrasar. Vamos ao encontro do Rei dos Reis”.
Artaban lançou um olhar pelo deserto. “Como posso chegar a Judéia, sem nenhuma comida e com um cavalo exausto?”, perguntou-se. “Tenho que retornar a Babilônia, vender minha safira e comprar camelos e víveres para a viagem. Talvez eu nunca alcance meus amigos. Só Deus sabe se deixarei de ver o Rei dos Reis porque me detive para ajudar um moribundo.”
Assim, Artaban voltou à Babilônia, onde vendeu sua safira reluzente e seu amado cavalo Vasda em troca de uma caravana de camelos. Em seguida, pôs-se a atravessar o monótono deserto. Grandes pedras escuras se erguiam à sua volta como os ossos de monstros extintos. Colinas movediças de areia traiçoeira margeavam seu caminho. De dia, um calor brutal assolava a terra, e nenhuma criatura viva conseguia se mover. De noite, os chacais rondavam e uivavam a distância, e um frio congelante caía sobre as dunas.




Mas Artaban acelerava o passo, seguindo fielmente a nova estrela brilhante. Até que um dia, como o homem doente lhe dissera, ela reluziu sobre a aldeia de Belém, nas terras da Judéia. Artaban acampou perto da aldeia, cheio de esperança. Agora, enfim, ele poderia dar sua pérola e seu rubi ao Rei! Mas as ruas estavam desertas, e ele se perguntava se os homens teriam ido até as pastagens nas colinas para buscar suas ovelhas.
De repente, da porta aberta de um casebre de pedra, ele ouviu alguém cantando suavemente. Entrou e viu uma jovem, cantando para seu bebê dormir. A jovem disse que três estrangeiros vindos do Oriente tinham aparecido por ali poucos dias antes. Disseram que uma estrela guiara ao lugar onde José de Nazaré estava alojado com a esposa e o filho recém-nascido. E tinham venerado o Menino e dado vários presentes a Ele.
– Mas esses viajantes logo desapareceram – prosseguiu ela – e dizem que o homem de Nazaré fugiu para o Egito com a família. Agora parece que existe uma maldição sobre a aldeia. As pessoas até dizem que os soldados romanos estão vindo para cobrar novos impostos... Os homens levaram nossos rebanhos para o alto das colinas para escapar deles. Artaban ouvia a voz gentil da jovem, enquanto o bebê tentava tocá-lo na face.De repente, ouviu-se o barulho de uma confusão violenta nas ruas, clamores e gemido de mulheres, estrépito de espadas e um grito desesperado:
Os soldados! Os soldados de Herodes! Eles estão matando nossas crianças!
O rosto da jovem empalideceu atemorizado.
Apertando o bebê junto ao peito, ela se encolheu no canto mais escuro, cobrindo-o com sua túnica.
Artaban caminhou depressa até a entrada da casa. Quando os soldados se aproximaram do casebre, chamou o capitão e lhe disse:
– Estou sozinho aqui e lhe darei esta joia, se você me deixar em paz!  Mostrou então o rubi, que brilhava na palma de sua mão como uma grande gota de sangue. Os olhos do capitão se arregalaram de cobiça e ele agarrou a joia.
– Sigam em frente! – gritou.
Enquanto os soldados se afastavam, Artaban se voltou para o Oriente e orou:
– Deus da Verdade, perdoai minha mentira! Tive de dizer o que disse para salvar a vida de uma criança. E agora dois dos meus presentes já se foram. Será que jamais verei o Rei dos Reis?

Mas das sombras por trás dele veio a voz da jovem, que disse:
– Por ter salvado o meu filho, peço a Deus que te abençoe e guarde. Que Ele faça brilhar Sua face sobre o senhor e Lhe seja generoso. Que Deus lhe conceda a paz, agora e sempre!
Assim, com a bênção da jovem mãe, Artaban partiu e tomou o caminho do Egito, pedindo em toda parte notícias da família de Belém. Mas não conseguiu achar nenhum vestígio.
 Àquela altura, a estrela já tinha desaparecido do céu noturno, e ele não tinha a menor ideia de onde prosseguir sua busca. Por isso, dirigiu-se a um velho e sábio rabino à procura de conselho.
– Meu filho, disse-lhe o rabino, nossas escrituras previram que o Rei dos Reis seria desprezado e rejeitado pelos homens. Ele não será encontrado num palácio, nem entre os ricos e poderosos.
 Se você quiser encontrá-Lo, procure no meio dos pobres e dos humilhados, dos sofredores e dos enfermos.
Os anos se passaram e Artaban continuou a viajar, sempre buscando nos lugares mais pobres a família de Belém. Passou por aldeias onde as pessoas choravam de fome. Atravessou cidades onde  elas morriam de peste. E, embora não encontrasse o Rei dos Reis a quem gostaria de servir, encontrou muita gente a quem pode ajudar. Aonde quer que fosse, alimentava os famintos e vestia os despidos, curava os doentes e visitava os encarcerados. E os anos de sua vida voaram mais depressa do que a lançadeira do tecelão, arremessada de um lado para o outro no tear, enquanto a trama cresce e o padrão invisível se completa.




De vez em quando, ele se detinha e tirava a pérola do bolso, o último de seus presentes, e enquanto olhava para ela, perguntava-se se algum dia viria a conhecer o Reis do Reis.Trinta e três anos se passaram desde que Artaban tinha visto a estrela pela primeira vez e empreendera sua jornada.
Agora, exausto e enfraquecido, viajava para Jerusalém para tentar uma última busca. Chegou na época da Páscoa, e a cidade estava apinhada de gente que viera para a festa. Mas, naquele ano, havia um pressentimento estranho no ar. Por todos os lados à sua volta, as sandálias ressoavam e milhares de pés descalços se precipitavam sobre as pedras enquanto as multidões eram arrastadas na direção da porta de Damasco.

– O que está acontecendo? – perguntou Artaban.
– O senhor não está sabendo? – respondeu um jovem. Vai haver uma crucificação. Dois ladrões vão ser crucificados junto com um outro, chamado Jesus de Nazaré. Contam que Ele falou e ensinou, e também fez coisas maravilhosas, e todos têm grande amor por Ele. Mas os sacerdotes e os anciões dizem que Ele tem de ser morto porque chamou a si mesmo de Filho de Deus.

Artaban se deu conta, então, de que aquele tinha de ser o Rei dos Reis, a quem estivera buscando todos aqueles anos. Seu coração palpitava e seu pensamento latejava.
Se ele se apressasse talvez pudesse salvar a vida Dele, se oferecesse sua pérola ao governador romano Pôncios Pilatos!
Correu na direção da porta de Damasco. Mas assim que ultrapassou a entrada do quartel, um grupo de soldados desceu a rua arrastando uma jovem com um vestido rasgado e cabelos desalinhados.
Quando Artaban se deteve para olhá-la, ela se livrou das mãos de seus carrascos e se jogou aos pés do ancião.
– Tenha piedade de mim! – gritou ela. – Salve-me! Meu pai era seguidor dos ensinamentos deZoroaster, e vejo por suas vestes que o senhor professa a mesma doutrina. Agora meu pai está morto e serei vendida como escrava para pagar suas dívidas! Ajude-me, por favor!
Artaban olhou para a jovem e estremeceu. Pela terceira vez, ele tinha de escolher entre guardar sua joia como um presente para o Rei dos Reis ou entregá-la para salvar um semelhante. Mas ele sabia que resgatar aquela jovem indefesa seria um verdadeiro ato de amor.
Artaban tirou sua pérola inestimável da bolsa e colocou-a entre as mãos da jovem, dizendo:
– Aqui está seu resgate, minha filha! É o último dos tesouros que eu estava guardando para o Rei dos Reis, que agora terá de ser crucificado.




Enquanto ele falava, o céu ficou escuro e tremores percorreram toda rua, que se contorcia como uma pessoa cheia de dor. As casas balançavam, pedras caíam e se espatifavam na rua. Nuvens de poeira encheram o ar. Os soldados fugiram, aterrorizados, cambaleando como bêbados. Artaban e a jovem buscaram refúgio ao lado do muro do quartel.
A terra estremeceu pela última vez e uma telha, desprendendo-se do telhado, caiu e atingiu Artaban. Quando a jovem se inclinou sobre ele, temendo que o ancião estivesse morto, uma voz atravessou a escuridão, delicada como música, ecoando à distância em tons claros, nas quais as palavras se perdiam. A jovem virou-se para certificar se alguém falara de uma janela sobre eles, mas não vira ninguém. Nisso os lábios do ancião começaram a tremular como se fossem uma resposta e ela ouviu-o dizer:
– “Não foi assim, meu Senhor, pois quando foi que eu Te vi com fome e Te alimentei? Ou sedento e Te dei para beber? Quando foi que Te vi como um estranho e Te acolhi? Trinta e três anos eu procurei por Ti, mas não vi nem Teu semblante e nem Te servi, meu Rei.”
Ele se calou e a voz recomeçou suavemente, e de longínquas distâncias pode-se ouvir de modo muito fraco – como se as palavras emudecessem.
– Na verdade, eu te digo, Artaban: O que fizestes para o mais humilde de meus irmãos, fizeste-o por Mim. Quando tive fome, tu Me alimentaste. Quando fiquei nu, tu Me vestiste. Quando sofri, tu Me reconfortaste. Cada vez que fazias estas coisas pelo menor dos meus filhos, tu as fazias por Mim!





Um esplendor tranqüilo iluminou o rosto de Artaban e um longo e último suspiro de alívio saiu de seus lábios. Sua viagem tinha se encerrado, seus presentes foram aceitos. Ele finalmente encontrou o seu Rei.


A HISTÓRIA DESSA HISTÓRIA

Nas culturas cristãs, a visita dos três Reis Magos ao Menino Jesus é celebrada todos os anos no dia 6 de janeiro, o dia de Reis, na festa da Epifania. Segundo a tradição, cada um desses sábios vinha dia 6 de janeiro, o dia de Reis, na festa da Epifania. Segundo a tradição, cada um desses sábios vinha de uma civilização que tinha um profundo conhecimento da astrologia. Depois de entregarem seus presentes ao Menino Jesus na manjedoura em Belém, os três regressaram aos seus reinos. Diversos autores foram inspirados pela ideia de um Quarto Sábio, que também viu a estrela anunciando o nascimento de Jesus, mas não conseguiu alcançar Belém a tempo.
Esta narração se baseia na história que acompanha as aventuras de um fiel zoroastriano chamado Artaban. Sua convicção floresceu no Oriente Médio na época do nascimento de Cristo, e a astrologia era um importante aspecto dessa tradição.
Um ponto fundamental da história dos Reis Magos, e de histórias posteriores sobre o Quarto Sábio, é a ênfase que se dá ao Messias como um Mestre cuja mensagem fora trazida não só para a comunidade judaica, na qual ele nasceu, mas para toda humanidade. Cada um dos Reis Magos que viu a estrela compreendeu que ela assinalava o nascimento de um Mestre que trazia uma Mensagem Universal! A história de Henry Van Dyke ressalta este tema, pois Artaban realmente vive e pratica os ensinamentos de Jesus, dedicando-se a servir ao próximo, enquanto busca o Rei dos Reis, sem discriminar as pessoas pertencentes a raças ou a credos diferentes do seu. Na história de Henry Van Dyke, ecoa esta mensagem, como o poder da fé pode modificar nossas vidas, e como nossa viagem através da vida é um reflexo da jornada da nossa alma.


Artigo para discussão extraído do periódico: Juízo Final nº 205.