terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Sobre a Vida dos Celtas VII





Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas VI

Sobre a vida dos Celtas – VII

Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff

Anteriormente: Seabhac Habicht, sob estado mediúnico permite de própria voz, que Nuado, como Mensageiro do Pai Eterno, acuse severamente de pessoa maligna, justamente Taig, seu ferrenho rival, o qual o ameaça de forma constrangedora e perigosa, em plena solenidade da comunidade celta...


Então Meinin suplicou por proteção àquele que havia partido tão despreocupadamente...

 Depois disso, ela ficou tranquila. Ambas as mulheres chegaram e deixaram-se instruir. Juntamente com o movimentar dos fios, fluíam as palavras. Meinin entendia habilmente expressar de tal forma aquilo que intuía, de modo que também a mesma coisa se tornava clara às outras. Ela falava sobre o Pai Eterno e sobre os reinos luminosos lá em cima, nos quais seus servos luminosos atuavam.
— “Existem também servas?” quiseram as mulheres saber.
E Meinin contou a respeito de Brigit, a graciosa, que se esforçava incessantemente a favor das mulheres terrenas. Ela contou, contudo, também sobre o séquito do mal do malvado Lug, sobre Morrigu, Macha e Bud as mulheres ruins, que incitavam os homens a ações malévolas.
— “Refleti”, ela relatava, “essas mulheres até vão junto quando os homens saem para guerrear. A um elas prestam seu auxílio, ao outro elas procuram aniquilar. Quem, porém, de manhã ora ao Pai Eterno, contra estes elas são impotentes. Sim, se o homem que elas atacam, dissesse pelo menos no mesmo momento o Sagrado Nome, então elas teriam que deixá-lo.”
— “Já vistes alguma vez tais criaturas horrendas?” perguntou Sile (sua cunhada) horripilada.
Meinin negou. “Quando a gente ora elas não chegam à nossa proximidade. Uma casa, na qual se clama ao Pai Eterno, elas evitam.”
— “Mas Brigit mostra-se a ti?” quis a outra mulher saber.
Meinin calou-se. Isto era o seu mais íntimo segredo, sobre tal coisa não se falava.

E enquanto as mulheres ficaram a trabalhar tecendo o dia inteiro, Seabhac cavalgava alegremente pela floresta. Ao meio-dia ele descansou com seus acompanhantes sob um velho e grande carvalho. O descansar sob essa tal árvore trazia felicidade. Antes de ele tocar a comida que havia levado junto, agradeceu ao Pai Eterno por aquela dádiva. Assim era costume. Seabhac, porém, intuía realmente o agradecimento que seus lábios falavam habitualmente.
Eles haviam encontrado uma pista, a qual seguia.
Cruzando, também havia outras pistas. Cada um dos três seguiu, então, uma delas. Eles queriam permanecer perto um dos outros para que pudessem ouvir o chamado recíproco e não notaram quão longe se afastaram. Eles já haviam deixado anteriormente os cavalos em uma cabana na floresta.
Seabhac avançava pela mata densa, por onde não havia um caminho, então, de repente, um chamado impediu o seu andar. Erguendo o olhar ele percebeu Taig diante de si, cujo rosto estava desfigurado de raiva.
 — “Eu bem que pensei que tu dirigirias teus passos nesta direção!” exclamou ele triunfantemente. Agora você vai ver o que significa ter-me como inimigo. Pois eu não acredito naquela charlatanice. Tu próprio falaste aquelas sábias palavras, dizendo ter sido Nuado. Eu, porém, não me deixo zombar impunemente!”
— “Retira o que tu disseste e deixa-me passar” exclamou Seabhac. “Eu também sou teu chefe e te ordeno para que não sobrecarregue mais culpa sobre tua alma.”
— “Pode deixar as palavras sonantes, pois além de nós dois, ninguém as ouve, sendo elas, por isso, supérfluas” zombou Taig.
Ao mesmo tempo ele retrocedeu alguns passos, a fim de poder jogar melhor a curta lança de caçar.
— “Taig, cuidado!” gritou Seabhac, de repente, muito horrorizado. “Olha atrás de ti!”

O opositor que julgou ser o medo da morte aquele grito desesperado e achando tratar-se de uma grande astúcia a exigência para se virar, riu brevemente.
— “Tu deves tomar cuidado!” exclamou ele, sentindo-se então arrancado do solo e antes que Seabhac pudesse impedir, uma grande ursa havia retirado a vida do homem. Rugindo e resmungando ela pôs-se a despedaçar a vítima bem-vinda, a fim de levar uma parte da mesma para sua caverna. Era justamente a época em que os ursos tinham filhotes.
Então Seabhac poderia ter subjugado a ursa, mas ele estava tão agradecido a ela e aos deuses por ter sido salvo, que não lhe fez nada. Ao contrário, falou suavemente para ela: “Eu te agradeço, ursa. Sem você seria eu que estaria agora estirado ao chão.”
Ela nem sequer olhou para ele e partiu com sua carga dali. Então um grito de seu servo chamava por ele, convidando-o a sair daquele local horrendo. Apressadamente ele foi ao encontro do som e encontrou os dois em luta com um grande urso, o qual eles não conseguiam se apoderar. Sua chegada custou a vida ao animal.
Enquanto eles levavam a caça para a cabana, Seabhac lhes contou o que havia ocorrido e voltou com os servos no local que ele havia anteriormente deixado. Eles deveriam ver com os próprios olhos que Taig não havia morrido por mãos humanas. De fato ele não tinha muitos amigos na tribo, mas seus irmãos talvez fossem suspeitar de Seabhac, que teria se livrado de seu opositor no silêncio da floresta.
No retorno para a aldeia, os três ainda conseguiram abater toda a sorte de pequenos animais selvagens, de modo que chegaram abastecidos ao lar ricamente.
Agradecida Meinin saudou o esposo. Agradecida pela proteção que os deuses haviam prestado segundo a vontade do Pai Eterno. Quando, então, os dois trocaram suas vivências, mostrou-se que a hora que a ursa aparecera, deveria ser o mesmo momento em que Meinin orava.

Mais tarde ela relatou que havia se passado uma grande inquietação na aldeia, pois pai Padraic havia ido embora. Ninguém sabia que ele havia se afastado de onde os druidas moravam, contudo ninguém conseguia encontrá-lo. Os druidas haviam perguntado de cabana a cabana, mas aparentemente em vão.
Seabhac caminhou para detrás da cabana onde se encontrava lenha amontoada. Estava intencionado buscar lenha para a fogueira, a fim também de ficar sozinho por alguns instantes. Ele queria perguntar ao luminoso se deveria juntar-se aos outros na procura por Padraic. A resposta soou: “Amanhã.”
Por isso ele levantou na manhã seguinte bem cedo, preparou-se com toda a sorte de materiais e caminhou para a aldeia dos druidas. Lá ele encontrou homens pálidos e perturbados: Padraic não havia retornado e nem sido encontrado.
Ele perguntou se os sacerdotes queriam sair mais uma vez para procurar. Quando eles afirmaram que sim, ele se juntou a eles. Sua maneira confiante vivificou a todos. Ao serem interrogados, eles contaram que Padraic depois da festa havia ficado como que perturbado. Ele havia se retraído ainda mais para a solidão, havia muitas vezes falado alto consigo mesmo e rejeitado por dias a se alimentar. Por isso eles haviam achado bom, que sempre ficasse em sua proximidade um dos sacerdotes mais jovens. E apesar dessa vigilância o velho druida havia desaparecido.
— “Nós procuramos por toda a parte, não sabemos mais onde podemos procurá-lo” relataram-lhes.
Então, Seabhac chamou-lhes a atenção para o fato, de que bem próximo dali se encontrava uma caverna de urso abandonada, a respeito da qual Padraic lhe falara uma vez, sendo talvez o local para procurá-lo.
Eles pediram então ao chefe para que mostrasse o caminho para lá. Agora todos estavam convictos que Padraic seria encontrado lá. A intuição deles também não lhes iludiu. Na caverna, o druida superior se encontrava deitado, aparentemente dormindo com o semblante pacífico. Quando, porém, eles se curvaram sobre ele sentiram o frio que partia de seus membros.

O coração havia parado de bater. Permaneceu oculto a todos, porque o líder deles havia procurado esta solidão; se fora porque ele havia notado que iria morrer; ou se a morte havia chegado a ele durante o sono.
Eles ergueram-no e o levaram para casa. Ele deveria ser sepultado segundo o antigo costume dos druidas. Então o mais velho dos sacerdotes pediu a Seabhac que viesse no dia seguinte à cerimônia do sepultamento. Ele também devia convidar alguns dos mais nobres. Depois disso eles se separaram.
Ao caminhar de volta para casa todos os pensamentos de Seabhac giravam em torno do Padraic falecido. Por que ele havia falecido de forma tão estranha? Será que também ele não deveria ficar sabendo nada mais a respeito?
Dentro dele soou: “A noite.” Então ele sabia que Nuado ou Gobban lhe traria esclarecimento à noite. Por isso, quando todos dormiam, ele saiu de sua cabana e dirigiu-se ao local de devoção. Suavemente murmuravam as copas das árvores, no céu moviam-se algumas nuvens, apenas um pouco claras, pela lua minguante.
“É uma boa noite para o caçador selvagem” pensou Seabhac. Contudo ele logo se aprumou por causa desse pensamento. “O caçador selvagem não é ninguém mais do que um servo do Pai Eterno.” Chegando no local das pedras, Seabhac ergueu as mãos e começou a orar por esclarecimento e pelo que deveria acontecer agora. Ele sabia que havia chegado o momento em que ele deveria associar-se aos druidas. E tudo dependia de que isso acontecesse da forma certa.
Quando ele deixou seus braços abaixarem, Nuado encontrava-se diante dele. 

(continua)

Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht  

Muirne: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino salva e aceita para proteção.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.

Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos.

Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon (galês).
Na mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade a quem o bebesse.

Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.

Lug: ou Lugh - filho de Cian (Kian) dos Tuatha Dé Danann e Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos Fomorianos). Comandou as forças dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura extraordinária do Deus jovem irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado à habilidade e à técnica; é conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes) e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto (Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes galês.