terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Sobre a vida dos Celtas – II





Para leitura do trecho anterior: Sobre a Vida dos Celtas

Sobre a vida dos Celtas – II


Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff


Anteriormente: Nuado Silberhand (o ente luminoso) trouxera pela mensagem do alto, que estava proibida a prática do sacrifício humano, no culto dos druidas...


— “Então eu tenho de enfrentar os druidas e lhes proibir os sacrifícios?” perguntou Seabhac hesitantemente. “Eles revoltar-se-ão e predirão coisas terríveis contra mim.”
— “Oh, tu, tolo ser humano!” acusou-o Nuado. “Por tuas próprias palavras tu te julgas! Se tu supões que, por raiva, eles predigam algo contra ti que possa te prejudicar, então confessas que toda sabedoria druída é arbitrária. Reflita a respeito, tu, ser humano!”
Seabhac abaixou a cabeça e pensou: Nuado tinha razão como sempre. Tornou-se lhe mais claro e mais nítido. De repente, ele riu como que liberto. Seu riso retumbou de modo que os pássaros da floresta voaram assustados.
Silberhand (Nuado) acenou-lhe afirmativamente: “Assim está certo. Agora tu encontraste novamente a ti próprio. Ensina os sacerdotes, tu e não eles é que está em ligação com o Pai Eterno através de mim, através de Gobban. Anuncia isso a eles. Eles não são obstinados. Como eles devem saber algo melhor se ninguém lhes diz? Molde os druidas de modo que eles vivam nos Mandamentos do Pai Eterno, administrando assim seu cargo. Em tua mão se encontra a salvação da tribo, talvez de todo grande povo dos Celtas. Sede forte em ti, em teu agir e a paz do Pai Eterno preencher-te-á!”
Novamente pareceu como se uma nuvem pairasse por entre os carvalhos, então Seabhac encontrava-­se sozinho. Das fendas e frestas os pequenos (enteais) espiavam curiosamente. Eles se esgueiraram para fora e retornaram ao seu trabalho diário, o qual haviam interrompido por causa da presença do grande (Nuado).
Seabhac, porém, não mais sofria na sombra fresca. Corajosamente caminhou ele cada vez mais terra adentro e seus pensamentos ocupavam-se com a missão que residia diante dele. Há poucos anos ele havia assumido, de seu pai, a tribo e junto com ela todos os costumes. Aparentemente nada havia sido mudado dos costumes antigos, agora ele deveria exigir dos sacerdotes algo assim tão incisivo, deles que se mantinham apartados de todas as pessoas, também do chefe, o qual eles reconheciam de fato como seu superior, mas apenas até o momento em que ele não se ocupasse com o agir deles.
Fácil não era aquilo com que o Pai Eterno lhe havia incumbido, mas ele não seria nem um homem, nem um príncipe, se quisesse indagar pelo que era fácil ou difícil. A respeito disso ele sempre pôde experimentar o auxílio do Pai Eterno, quando Dele necessitou. Portanto, ele rapidamente iria colocar mãos à obra, e isso teria de dar certo!
Diante daquele que andava rapidamente encontrava-se a colônia principal de sua tribo, na qual também ficava sua própria cabana. Eram construções arredondadas, de modo que o vento do mar quando uivasse país adentro, pudesse passar assobiando sem causar estragos. Elas eram construídas de pedra e barro e os telhados arredondados no meio com a ponta erguida eram firmemente tecidos de palha e ramos. A forma os antepassados já haviam visto e confeccionado segundo o conselho dos homenzinhos da floresta (enteais), semelhante aos cogumelos.
Mas não era para lá que Seabhac dirigia seus passos. Ele virou para a direita tomando um estreito caminho, que seguia por entre arbustos e vegetações rasteiras, terminando em uma planície arredondada. Pedras altas, maiores do que as pessoas encontravam-se em círculo numa determinada ordem. No centro havia uma enorme pedra chata sobre dois blocos de pedra incrustados bem no solo: o altar de sacrifício.

À direita, fora desse local sagrado, residiam as cabanas dos druidas. Elas eram arredondadas assim como as dos homens, contudo os telhados tinham sua outra forma. Estas eram quase planas sobre as paredes laterais e, na frente, possuíam uma elevação de madeira. Muitas vigas que se cruzavam irregularmente eram ali colocadas e firmadas, de modo que nenhuma tempestade pudesse arrancá-las. No final delas se viam crânios esbranquiçados de animais, em geral de pequenos cavalos selvagens que viviam nas montanhas. Galhos secos de uma determinada planta pendiam para baixo e as frutinhas brancas residiam como pérolas naquele verde acinzentado. Nenhum pássaro as bicava enquanto as brilhantes frutinhas vermelhas, que igualmente deveriam servir como enfeite, não amadurecessem, estando assim protegidas dos bicos cobiçosos. A folhagem verde escura tinha então que ficar sem seus enfeites.
Quando Seabhac se aproximou da cabana do meio e que era também a maior, um homem já de idade, saiu de lá. Seus cabelos longos e brancos caíam-lhe nos ombros e uma branca e longa barba alcançava até a cintura. Sua roupa, semelhante na forma com a de Seabhac, era azul. Ele ainda trazia um manto branco sobre os ombros.
— “Seja bem-vindo, chefe” dirigiu ele a palavra àquele que se aproximava. “Irrompeu alguma doença ou algo de ruim ameaça a tribo para que o Habicht (Seabhac) procure o sacerdote?”
Não soava muito encorajador. O velho Padraic havia sido professor de Seabhac e sempre se esquecia que o jovem havia amadurecido e se tornado homem.
— “Nenhuma dessas coisas me traz ao sacerdote” soou a resposta dominadora do chefe. “Nuado apareceu a mim e me trouxe ordens do Pai Eterno, a qual eu vos devo retransmitir.” Aborrecido o velho o interrompeu:
— “Por que Nuado não vem até nós, nós que somos servos do Pai Eterno? Não nos agrada que tenhamos de nos deixar instruir por uma pessoa mais jovem.”
— “E, contudo, este que não é mais nenhum jovem tem de indicar o caminho certo, pai Padraic”, respondeu Seabhac seriamente. “Não te cabe atacar algo que se origine do sábio conselho do Pai Eterno. Nuado vem a mim, ao chefe de nossa tribo, não esqueça isso.”
Não era nenhum bom começo, isso Seabhac viu muito bem. Impetuosamente ele caminhou para lá e para cá, para dar tempo para ambos se firmarem. Então seus passos se tornaram mais calmos e ele implorou interiormente por auxílio. Cordialmente ele voltou-se então ao ancião, o qual havia novamente reencontrado sua tranquilidade.
— “Pai Padraic, nós dois somos servos do Pai Eterno. Então não deve existir entre nós qualquer briga, quer seja grande ou pequena. Deixa-nos tentar cumprir juntos Sua Vontade, viver segundo Seus Mandamentos.”

As palavras cordiais não ficaram sem efeito. O velho convidou o chefe para se sentar no banco de pedra na sombra da cabana, sentando-se ao lado dele.
Seabhac contou da instrução que lhe fora comunicada há pouco. O Pai Eterno não queria mais nenhum sacrifício humano. Eles deveriam encontrar outro caminho para tornar inofensivos os inimigos presos. Além disso, também não existiriam mais tantos presos, pois – Padraic tinha de admitir – sempre às vésperas da festa de sacrifícios, os homens da tribo saíam para fazer presos. Se isto fosse supérfluo no futuro, então a paz ao redor também seria maior.
Não agradou a Padraic o que era comunicado ali. Uma boa parte do poder residia naqueles sacrifícios e no que estava relacionado com eles. O druida sabia que os homens não saíam com prazer para capturarem pessoas. Mas ele os obrigava a isso e eles sentiam sua superioridade e até agora sempre haviam se curvado a ela. Se, portanto, cessassem os sacrifícios humanos, então o poder dos druidas tornar-se-ia menor!
— “E Nuado disse o que nós devemos sacrificar no futuro?” quis saber o ancião.
— “Nós podemos levar animais nocivos para o altar se vós não puderdes vos desacostumar de realizar sacrifícios” respondeu Seabhac honestamente, sem pensar na impressão que suas palavras deveriam dar ao ancião. Este se enfureceu:
— “Do modo como tu falas, Seabhac” exclamou ele involuntariamente “parece que realizamos isso para nossa própria alegria, ao olharmos a vítima debatendo-se à beira da morte, pelo que lhe arrancamos as entranhas e retiramos dela o coração.”
Seabhac estremeceu. Tudo isso ele já soubera sempre. Contudo, nunca lhe havia parecido tão cruel e tão humanamente indigno como hoje, depois da conversa com o luminoso.
— “Se isto vos for difícil pai Padraic”, disse ele “então no futuro isso deve ser evitado. Ao Pai Eterno basta o incenso que sobe de nossos incensórios.”
— “E as predições, como quereis chegar a elas?” perguntou Padraic espreitando e de modo irônico.
— “Não precisamos mais delas, tão logo o povo saiba que nós somos instruídos diretamente pelos servos do Pai Eterno” soou a resposta rápida de Seabhac. Tudo isso lhe era agora tão claro, mesmo não havendo pensado nisso até então.
— “Queres dizer isso ao povo?” irritou-se o velho. “Acautela-te chefe, se tocares em nosso poder, então perderás! Nós somos os poderosos na tribo!”
— “Por que tu me ameaças, pai Padraic?” perguntou Seabhac calmamente. “Temos que dizer a quem foi dada a mensagem do Pai Eterno? Deixai as pessoas pensarem que ela foi recebida diretamente por vós.”

Antes que o druida pudesse responder algo, o chefe continuou:
— “Sabes o que acabou de se me tornar claro? Se vós deixardes primeiramente de lado a crença errada e não mais quiserdes oferecer sacrifícios, então vós também podereis entrar em ligação com os servos do Pai Eterno. Então vós recebereis realmente as ordens do Pai Eterno e podereis anunciar as mensagens.”
Pensativo o ancião olhou para aquele que falava ali tão seguro de si. De fato Seabhac havia levantado voo alto! Não seria bom querer ficar em desarmonia com ele.
— “Se tu achas que é assim, Seabhac” admitiu Padraic, então podemos tentar. “Na próxima lua cheia haverá novamente uma festa. Não deixai capturar nenhuma vítima, mas anunciai que será introduzida uma nova espécie de festa. Nesse meio tempo eu refletirei o que irei falar aos homens. Seria bom se até lá eu já recebesse alguma comunicação do Pai Eterno” finalizou o druida cheio de anseio. Ele queria tanto manter nas mãos o poder e a honra.

(continua)


Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos. 

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.