quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Do Tirano ao Paciente






Do Tirano ao Paciente   

por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf

Sinopse de Fatos Transcorridos: Originário das altas montanhas de neves eternas na decisão desde criança em servir o Altíssimo, buscava ainda o jovem Miang, após sua formação inicial e depois para elevação do estudo como aluno de Fong, o qual logo provou ser também um príncipe com a difícil situação de defender seu reino sem mais poder ensiná-lo, que ainda assim ditava-lhe ordens; em cuja obediência pela missão de mensageiro, durante uma súbita viagem, ficara e se mantinha preso por assaltantes de caminhos...

No dia seguinte, quando Miang saiu de sua tenda, viu que uma parte do bando havia partido e que uma parte das tendas tinha sido desarmada. Isso lhe convinha, desde que tivesse permanecido a parte melhor. E assim era. Os insatisfeitos, os quais eram insaciáveis nos roubos, cuja mente estava dirigida à pilhagem e destruição, tinham partido. Os outros queriam aguardar até que o pé de Huda tivesse sarado.
O pé fraturado obrigou Huda a ficar involuntariamente ocioso, situação que nunca havia conhecido em toda sua vida. Dentro dele surgiram pensamentos que até então sempre tinha dispersado. Quadros surgiram, os quais não gostaria de ver, mas que não o deixavam em paz: homens e mulheres se lamentando, gritos de crianças que foram empurradas para trás a chicote, animais berrando sendo conduzidos para longe, não importando se muitos morressem no caminho, vilarejos queimando. Não eram quadros bonitos que Huda teve que rever, pois sempre via a si mesmo no centro do poder destruidor como sendo o maior culpado.
Certamente, eles tinham acumulado riquezas. Porém, isso os tornou felizes? Sempre havia briga e discussão e, se Huda não governasse com punho de ferro, sempre de novo haveria de sentir revolta ao seu redor. Isso ele agora percebia nitidamente e não ficou surpreso quando foi informado de que aproximadamente um terço dos homens havia se desligado dele e o deixado. Não sentiu desgosto por isso. Sim, algo como asco de sua vida de até agora queria surgir dentro dele. Aí se lembrou de Miang e mandou chamá-lo.

Com a fisionomia alegre, Miang entrou na tenda, na qual Huda, sem poder mexer-se, estava deitado em seu leito. Miang notou que na alma desse homem travaram-se lutas e, cuidadosamente, interveio e procurou conduzir Huda ao completo reconhecimento de suas más ações. Aos poucos obteve êxito, pois a alma de Huda sentiu uma leve ânsia por algo melhor. Dia após dia encontrava-se Miang sentado ao lado do leito de Huda e revolvia cada vez mais o solo de sua alma. E chegou o momento em que Huda irrompeu em lágrimas, lágrimas de arrependimento sobre si mesmo. Aí Miang soube que tinha vencido, e agradeceu ao Altíssimo de todo coração.
“Tu me deste força, Altíssimo, eu Te agradeço!”
E somente agora o saber do Altíssimo pôde encontrar solo fértil em Huda. No dia em que novamente conseguiu firmar o seu pé no chão e tentar os primeiros passos, este, que estava diante de Miang, era um homem diferente do que havia sido ainda poucas semanas atrás.
“O que deve acontecer agora?” perguntou preocupado.
E Miang respondeu: “Agora deves reparar em que erraste, para que o Altíssimo possa perdoar-te.”
Isso era o mais amargo para Huda, encarar os seus e ter que confessar a sua culpa. Mas Miang estava ao seu lado, ele o apoiou e o efeito foi totalmente surpreendente. Entre aqueles, que continuaram fiéis a Huda, havia muitos que estavam cansados da vida selvagem, da constante inquietação. Eles estavam satisfeitos em tornarem-se sedentários e de levar uma vida pacífica.. Mas onde eles seriam tolerados? Em toda parte eram temidos, todos fugiam deles e ninguém haveria de querê-los em sua vizinhança.
“Vós deveis ir até eles e devolver o gado roubado,” exigiu Miang, “então eles ficarão convencidos de que a vossa intenção é séria.”

Huda pediu a Miang para que ainda permanecesse por algum tempo a fim de ajudá-los a iniciar uma vida nova. Miang concordou com prazer, pois bem sabia que ainda não podia abandoná-los à própria sorte. A sua vontade ainda era muito fraca, ainda não se adaptaram à nova vida que queriam começar e, sobretudo, ainda não haviam encontrado um local onde pudessem permanecer.
Na manhã seguinte, um emissário, que havia sido enviado, trouxe a notícia de que a somente dois dias de viagem a tribo dos Aulas havia se estabelecido, a qual eles tinham pilhado no verão passado. Esta era a melhor oportunidade para um novo começo! Miang sugeriu que ele mesmo, com alguns emissários, deveria ir até os Aulas, oferecendo-lhes total indenização e tentar uma aliança duradoura, que viria proporcionar uma sobrevivência a ambas as tribos.
Agradecida, a tribo aceitou esta oferta e, já na manhã seguinte, Miang partiu, acompanhado por aproximadamente uma dúzia de homens mais velhos, em direção aos Aulas. Tudo decorreu conforme desejado. Inicialmente, os Aulas não queriam confiar nos assaltantes e em suas promessas, porém, quando Miang responsabilizou-se pela veracidade de suas palavras, oferecendo-lhes completa indenização, declararam-se dispostos a ajudar os antigos ladrões a iniciar uma nova vida. Prometeram auxiliar-se mutuamente, caso uma ou a outra tribo passasse por necessidades.
Miang permaneceu ainda por algum tempo junto aos ladrões que agora se tornaram sérios, ensinava e instruía no saber do Altíssimo e prometeu, quando teve que despedir-se, voltar futuramente para visitá-los. Ele devia agora reiniciar sua caminhada, ignorando para onde ela o levaria. Ao seu querer próprio já há tempo havia renunciado. Sentia-se feliz em poder deixar-se conduzir. Qual seria agora o seu próximo destino?

Uma voz sedutora o chamava para longe. Ele sabia que ainda tinha muito a aprender antes que se tornasse totalmente aquilo que era a íntima aspiração ardente da sua alma fogosa. Em noites solitárias, cada vez mais intensamente, brotava no seu íntimo uma lembrança de uma promessa, que o prendia e que devia cumprir. Teciam-se fortes laços invisíveis do ser humano Miang para mundos superiores, dos quais vinha a sua força e a sua condução. Percebia-o com gratidão, mesmo que somente o reconhecia inconscientemente.
Passaram-se dias, sem que Miang encontrasse ser humano algum. A sua provisão, recebida dos pastores, estava acabando. Então, de tardezinha, quando tinha novamente escalado um desfiladeiro, tendo ao seu redor a solidão, seu pé bateu contra um monumento de pedras empilhadas. Pontiagudo, destacava-se do céu noturno. Se não tivesse batido nele, não o teria percebido. Agora seu olhar se fixava nele e o examinou cuidadosamente. Não parecia ter sido construído por mãos de gigantes, para isso era pequeno demais e também diferente. Expressava ser feito por mãos humanas e com pensamentos humanos.
Mas como poderiam existir seres humanos nessa solidão? Miang olhou ao seu redor. Não se ouvia nenhum som além do murmurar de uma pequena fonte, que procurava seu caminho montanha abaixo, entre pedras e penachos escassos de capim e musgo. Avistou, então, uma fenda na rocha. Parecia haver uma luz no seu interior, que brilhava para fora.
Sem refletir, Miang entrou e encontrou-se, após alguns passos tateantes através de um corredor estreito, numa espaçosa caverna na rocha, que recebia farta iluminação através de uma abertura no meio do teto. De pé, diante de si, Miang viu um ancião com os braços levantados em oração e com os olhos fechados. Silenciosamente moviam-se os seus lábios. Miang não ousou adiantar-se. Esperou até que o espírito do eremita parecia ter se voltado novamente ao seu ambiente terreno. Abriu os olhos, e contemplou Miang sem qualquer sinal de admiração. Parecia que o esteve aguardando, pois o examinava longa e perspicazmente com olhos claros e perscrutadores, que pareciam penetrar até o fundo da alma de Miang. A seguir, indicou para um assento de pedra e começou a falar:
“Tu foste anunciado a mim, como aluno. Devo instruir-te no que eu te posso ensinar. Começaremos então, imediatamente.”

E sem mais, começou a anunciar para Miang o Deus único, sublime, sábio e onipotente, diante de cujo poder e força a Terra até estremece, as rochas despencam e as estrelas escurecem; que pode ceifar seres humanos com a foice de sua ira, quando trilham caminhos errados, maus. Porém, cujo amor paira também, qual um sol todo poderoso, sobre a vida humana, perpassando-a e aquecendo-a, desabrochando-a, quando se submetem à Sua mão.
Sem respirar, escutava Miang. Ainda por muito tempo, depois de o sábio ter silenciado, veio-lhe de suas palavras uma força como nunca antes tinha sentido e parecia como se cada uma de suas palavras continuasse a viver dentro dele, se enraizasse e começasse a florescer e carregar frutos. No silêncio, que doravante sempre sucedia longamente às instruções do sábio, provinham para Miang os frutos mais maduros do reconhecimento.
Por longo tempo Miang viveu externamente uma vida tranqüila, interiormente, porém, uma vida muito ativa junto a Huang, o eremita na caverna de rocha do Karakorum. Bem aventurados foram esses meses para ele. Parecia como se Huang retirasse um véu atrás do outro de seus olhos espirituais e como se irradiasse por detrás; sempre mais luminosa, mais clara e mais grandiosa, a magnificência do Altíssimo. Correntes de força fluíam até ele nas noites silenciosas, enquanto estava deitado imóvel sobre seu leito e abrindo o seu interior, para não perder sequer uma gota da bênção, que queria revelar-se a ele. E no silêncio dessas noites claras crescia, ignorada por ele, a sua força interior. Ele reunia forças para o futuro, riquezas eternas, que aumentavam no silêncio, produziam frutos e fazendo brotar novas riquezas.

Miang tinha se acostumado totalmente ao silêncio. Escutava a sabedoria de Huang, raras vezes fazia uma pergunta. Pois sabia: se ele levasse, o que ainda não estava claramente reconhecido, no silêncio de seu interior para o alto, então lhe afluía logo total clareza de todos os lados, e não havia necessidade de novas perguntas. Dessa forma, aprendeu em si próprio, a bênção e o poder do silêncio. Para toda a sua vida isso seria de grande e até decisiva importância. Do silêncio profundo, pacífico e tão imensamente vigoroso em sua alma, brotava reconhecimento sobre reconhecimento, saber sobre saber. Também este aprendizado passou mais rapidamente do que ele o desejava. Certa noite aproximou-se novamente seu amigo luminoso do seu leito e ordenou-lhe a deixar Huang.
“Ele te ensinou o que sabia, sua missão em relação a ti terminou. Agora ele pode regressar aos eternos jardins celestiais e de lá continuar servindo com alegria.”
Assim falou o luminoso emissário de Deus, e Miang tinha que submeter-se a essa decisão. Sem perguntar, sem lamentação, somente cheio do agradecimento mais profundo, despediu-se de Huang, que lhe tinha ficado tão caro e que não reencontraria nesta vida. Abençoando, o ancião colocou as mãos sobre sua cabeça.
“Siga o teu caminho, Miang, servo abençoado do Altíssimo. Traga aos seres humanos, que anseiam por isso, o saber que trazes dentro de ti. Ajuda-os em sua fraqueza a encontrar o caminho certo.”
“Agradeço ao venerável pai por toda a bondade que me tem demonstrado,” foi tudo o que Miang conseguia responder.
Com isso despediu-se, para nunca mais voltar a este lugar. Uma vez mais contemplou o monumento erigido por Huang diante de sua caverna, para chamar a atenção de Miang. A seguir, firmou corajosamente seu cajado no chão rochoso e começou a descer em direção ao sul, até um novo país, novos seres humanos, cujo idioma talvez não mais pudesse compreender. No entanto, sempre encontraria o mesmo medo, a mesma ignorância e a mesma miséria apática em suas almas.

(continua)

Trecho extraído do livro: Miang Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.

NARRATIVAS DESDE O INÍCIO PELO ÍNDICE (POR DATA) 

No próprio título encerram em síntese os acontecimentos anteriores:

O Menino e os Gigantes – 04/09/16
Os Gigantes Moram ao Lado – 16/09/16
Adeus aos Gigantes – 23/09/16
O Primeiro Mestre – 29/09/16
Pela Nova Busca... – 07/10/16
Servir o Altíssimo Como Serviçal – 13/10/16
Decisão nas Alturas – 20/10/16
A Graça Vinda do Trabalho – 26/10/16
No Momento certo se esclarece – 03/11/16
Surpresa e Renovação Imediata – 10/11/16
É Só Deixar-se Conduzir – 17/11/16
Quem Procura Encontra – 24/11/16
Graça Vinda do Altíssimo – 01/12/16
Servir Com Sensação de Alegria – 08/12/16
Com a Bolsa Vazia – 15/12/16
Outro Caminho a Seguir – 22/12/16
Por Confiança no Senhor – 28/12/16