quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Decisão nas Alturas







Decisão nas Alturas  

por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf

Sinopse de Fatos Transcorridos: Vindo de região entre montanhas cobertas de neves eternas, com a ajuda de entes gigantes nativos da natureza, invisíveis ao plano físico grosseiro, como seres que foram seus únicos amigos de infância, pois perdera seus pais muito cedo na vida; se encontrava o jovem Miang, após aprender o máximo em seu estudo inicial com seu primeiro mestre, agora morando na companhia de um desconhecido, numa situação de vida estranha, apenas aguardando o momento certo conforme aspirava, para se iniciar nos assuntos mais elevados, ligados ao saber do Altíssimo, cuja meta ainda queria alcançar...

Encontrou-o justamente no momento em que tentava movimentar uma pesada pedra até a borda do desfiladeiro. Rapidamente juntou-se ao trabalho e com estrondo o pedaço de rocha caiu para o fundo. Involuntariamente Miang debruçou-se, para olhar para baixo, no entanto, sentiu-se agarrado bruscamente e puxado para trás.
“Curiosidade aqui traz a morte!” exclamou o mestre com voz áspera. E já tinha soltado uma nova pedra.
Sem proferir palavra nenhuma, Miang pôs as mãos à obra e eles trabalharam, até que a escuridão os circundou. Só então retornaram para a tenda.
O menino gostou do calor que o acolheu, porém, ainda não era hora para deliciar-se com ele. O homem, munido com diversos utensílios, saiu novamente da tenda e chamou Miang para junto dele. Caminharam poucos passos. Sob um ressalto de uma rocha havia pedras empilhadas, sobre as quais o homem acendeu um fogo.
“Preste bem atenção,” ordenou a Miang. “Amanhã este é o teu serviço”
E o menino admirou-se, como com enorme rapidez pedras eram batidas umas contra as outras, até que centelhas caíssem sobre os gravetos. Quando o fogo estava em alegres chamas, foi colocada em cima uma armação com quatro pés e, sobre a mesma, um vasilhame delgado trabalhado em pedra. Continha leite, mas também outros ingredientes, pois agradáveis odores se espalharam quando a mistura esquentou.
Espontaneamente, o menino tinha cuidado do fogo, agora o homem lhe disse para deixá-lo apagar-se. Nisso, levantou cuidadosamente o vasilhame e levou-o para a tenda. Estava fumegando: Miang nunca tinha visto uma coisa tão deliciosa.
“Venha,” foi o breve convite, com que o homem trouxe um pequeno vasilhame, no qual despejou logo a metade do mingau. Depois, porém, ergueu-se, levantou as mãos e disse:
“Todo Poderoso, nós Te agradecemos pelo alimento.”
Foram somente poucas palavras e, mesmo assim, pareciam provocar algo grandioso. Tinham transformado o homem deselegante e pouco amável. Em Miang brotou uma grande confiança.
“Eu te agradeço, mestre,” disse ele comovido, quando este lhe alcançou o pão e o mingau.
“Não tens nada a agradecer-me. Esta refeição tu a ganhaste com o teu trabalho. Não me chama de mestre, eu não o sou.”
“Como é que digo então?”
“Eu me chamo Fong,” foi a breve resposta.
Calados comiam ambos a sua refeição. A seguir, Miang foi mandado para lavar os poucos utensílios num regato de água cristalina, gelada, que corria perto da tenda por sobre as rochas.
“Durma,” disse depois.
Com saudade lembrou-se o menino da prece conjunta à noite, que para ele tornou-se um costume. Parecia que devia rezar sozinho. Será que alguma vez ouviria de Fong algo sobre o Todo Poderoso?
Então seguiram dias com muito trabalho. Miang aprendeu a conhecer a obrigação do trabalho regular, e não era de seu agrado. No seu íntimo revoltou-se mais de uma vez contra isso. Se ao menos soubesse, por que ambos, sob esforço máximo, deixavam rolar as pedras para o abismo! Julgava que então lhe seria menos penoso.
Os dias passavam sem alegria. Fong falava somente o absolutamente necessário. Nenhuma palavra de estímulo se fez ouvir. Nenhum gigante estava por perto.
Houve dias, nos quais o menino quase desanimou com o pensamento de que pudesse estar no caminho errado. Ele realmente estava, mas de modo diferente do que pensava. Enquanto ele pensava estar abandonado por tudo que o pudesse levar até o Altíssimo, estava a ponto de abandonar o seu Senhor, porque não compreendia o caminho Dele.
Tristemente pairavam os olhos de Fong sobre ele, quando gemia em sono inquieto. Teria ajudado de bom grado, mas Miang deveria ele mesmo passar pela dura vivência. Não se podia dar a ele ao menos uma indicação? Fong pediu fervorosamente por esta alma que lhe foi confiada. Então veio resposta, o que devia fazer.
De manhã, quando o menino aprontava-se para ir ao trabalho, Fong virou-se e disse asperamente: “Sem alegria fazes o teu trabalho. Desista, até que mudes de opinião.” Miang olhou perplexo para Fong.
“Devo prosseguir a caminhada? Não me queres mais ao teu lado?”
 “Tu ficas aqui, até o Altíssimo nos mandar novas ordens,” foi a resposta, que pouca coragem deu ao menino para continuar a conversa. Não obstante, aprumou-se e perguntou: “O que devo fazer, se não ajudar a ti com as pedras?”
“Nada.”
Isso era conclusivo. Com barulho de trovão foram lançados no penhasco diversas pedras em sequência rápida. Qualquer possibilidade de entender uma palavra estava cortada.
Por alguns momentos Miang parou indeciso. Não podia entender que estava livre para poder fazer o que bem entendesse. Em seguida olhou ao redor. Nunca tivera tempo para fazê-lo. Inóspitas, as rochas miravam de alturas vertiginosas para baixo, fincadas até as profundezas na neve e gelo. O esplendor do sol pairava luminoso sobre as mesmas, mas seus raios mostravam ainda mais nitidamente quão acidentadas e rasgadas elas eram.
Vagarosamente dirigiu-se Miang até um ressalto da rocha, que logo adiante impedia a visão. Não havia um ser vivo em parte alguma. Se ao menos Fu-Fu estivesse junto dele! Com esforço infinito alcançou o alvo que havia fixado, ele escalou as encostas desse ressalto de rocha e obteve, então, uma visão ampla desimpedida. Montanhas elevaram-se atrás de montanhas, entre elas havia profundos precipícios. Também ao lado do ressalto, onde se encontrava, abria-se rente um precipício profundo. O menino teve que desviar-se e fechar os olhos, teve vertigens. Sentou-se e apertou as mãos contra o rosto. “Todo Poderoso,” gemeu ele e, novamente, “Todo Poderoso.”
Quando pronunciou a palavra sagrada pela segunda vez, emocionou-se. Como o Altíssimo, que tudo isso criou, devia ser sublime, muito além do nosso entendimento! Onde poderia morar, onde podia ser encontrado? Pois Miang queria procurá-Lo. Estava ele no caminho certo até Ele? Não havia perda de tempo inútil com o trabalho pesado em silêncio?
Sempre de novo os pensamentos voltavam-se para essas duas questões. Não estava acostumado a encontrar respostas sem qualquer ajuda, mas as perguntas não o largavam, pois precisavam ser solucionadas.
Ele repensou sua vida até agora: nitidamente palpável foi a condução do seu mais alto Senhor durante os últimos anos. De modo maravilhoso tinha avançado, também para aqui.
Também para aqui! A respiração do ser humano, que estava lutando por clareza, parou, um fino véu caiu! A vontade do Altíssimo também o mandou para cá, isto ele acreditava firmemente. Como podia desanimar-se a tal ponto?
Com isso também estava solucionada, como lhe parecia, a segunda pergunta. Se estava aqui por vontade do Altíssimo, então o tempo não poderia ser inútil.
Respirou aliviado. Olhou ao seu redor e percebeu que o sol estava declinando. Devia apressar-se na volta, se não queria perder a hora de seu compromisso de preparar a refeição noturna. Mas a descida era bem mais dificultosa que a subida. Estava quase completamente escuro quando chegou ao local do fogão, onde o fogo já havia se apagado.

(continua)

Trecho extraído do livro: Miang Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.