quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A Graça Vinda do Trabalho




A Graça Vinda do Trabalho 


por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf


Sinopse de Fatos Transcorridos: De região montanhosa sob neves eternas, guiado por gigantes nativos da natureza, invisíveis ao plano da materialidade grosseira, conhecidos como seus únicos amigos de infância, pois perdera seus pais muito cedo; assim vivia o jovem Miang, que depois de esgotar seu estudo inicial com seu primeiro mestre, agora morava junto de Fong, um homem estranho, para continuar aprendendo em nova fase da vida, aguardando o momento de sua iniciação qual aspirava, nos assuntos mais elevados, ligados ao saber do Altíssimo, cuja meta ousava seguir...

Entrou rapidamente na tenda, onde Fong parecia estar dormindo sobre o seu monte de peles. Por longo tempo parou, indeciso, depois procurou o seu leito e caiu logo no sono, apesar de sua fome de roer. Dormiu um sono profundo. Quando, na manhã seguinte, abriu os olhos, a tenda estava iluminada pelos raios do sol. Ao seu lado, no chão, estava a sua refeição. Estava sozinho. Pela primeira vez Fong não o havia chamado. Apressadamente engoliu o pão e o mingau. Quando a primeira fome forte estava saciada, parecia-lhe ouvir repentinamente a voz de Fong, que naquela vez tinha dito, que deveria ganhar seu sustento trabalhando. Ontem não tinha feito nada. Hoje perdeu a hora!
De fora chegou até ele o barulho de enorme trabalho, pedra por pedra rolava para a profundeza. Miang não se reteve mais. Rapidamente juntou-se ao trabalhador e queria ajudar. Fong interrompeu seu trabalho somente para dizer: “O trabalho te parece sem utilidade e sentido. Tu estás livre!”
Novamente estava despedido. Porém, se ontem, após o primeiro espanto, havia sentido um leve sentimento de alívio, hoje sentia somente tristeza. Fong havia sentido os seus pensamentos! Fong rejeitava-o. Tinha sido um ajudante descontente e devia ter sido um agradecido. Envergonhado caminhou riacho acima. Queria ficar nas proximidades para poder chegar a tempo em casa, mas Fong não deveria poder vê-lo.
O murmurar da água, que alegremente saltitava para o vale, mal sobrepôs-se ao barulho enorme das pedras. Miang jogou-se sobre o pedregulho e suplicou ao Altissimo por ajuda, força e iluminação. Dessa forma nunca havia invocado o seu desconhecido Senhor. Nunca tinha estado tão profundamente convicto, de que seu pedido seria ouvido e atendido.
Nesse instante caiu novamente uma venda. Depois de ter rezado: “Eu sou o Teu servo, Altíssimo, mesmo se ainda não conheço o meu serviço, nem sei tampouco, como e com que posso servir-Te,” veio-lhe a certeza de que também Fong era um servo do Altíssimo. A mando de seu Senhor ele executava o seu trabalho dia após dia. Contudo, Miang também foi trazido até ele à Seu mando. Portanto, ele deveria ter considerado imediatamente essa inútil movimentação de pedras como servir. Em vez disso, tinha reclamado em seu íntimo. Não era de se admirar que Fong não mais o considerasse digno de ajudar.
O menino caiu em ardente pranto. Não chorava facilmente, apesar de ser tão jovem e sensível, mas estas lágrimas provinham de amarga vergonha e arrependimento e trouxeram consigo sua benção. Quando esgotaram-se, havia surgido algo novo na alma de Miang, a firme vontade de reparar seu erro. Daqui por diante queria assumir o trabalho, por mais pesado, sem reclamar, sem questionar.
Perpassou-lhe: Não residia uma parte de sua culpa no constante questionamento pelo por que do trabalho? Por acaso, as suas cabras alguma vez perguntaram, por que os chamava das mais suculentas ervas, para empenhar-se em outro caminho? O que o seu Senhor deveria pensar de seu futuro servo, que a cada ordem queria antes saber o motivo? Oh, como estava envergonhado!
Novamente corriam as lágrimas mal acalmadas e lavaram de sua alma o último vestígio de presunção.

“Quem sou eu, Senhor, que me atrevo cismar a respeito de Tuas ordens?”

Em voz alta o tinha exclamado e não se admirou, quando recebeu resposta:

“És um pequeno homem insensato!” falou uma vozinha clara.




Ele se virou. Sobre uma pedra redonda na água estava sentada uma pequena figura feminina. Fluentes como a água era seu vestido e seus cabelos. Parecia, às vezes, como que se dissolvesse na correnteza. Miang olhou admirado para a graciosa criatura. Nunca em sua vida havia visto algo tão bonito.
“Quem és tu?” perguntou receoso.
“Eu sou a vida dessa água, cada córrego, cada rio tem a sua. Eu pertenço a esta água, e ela me pertence.”
O menino refletiu sobre a resposta
“Então tu também és uma serva do Altíssimo?” queria saber.
A ente confirmou e riu: “Eu sou o que tu queres ser.”
“Tu percebeste tudo o que eu disse e o que pensei?” indagou Miang.
“Isso não foi difícil saber,” sorriu a ente. “Esperamos todos os dias para que os teus olhos se abrissem. Tu, porém, precisavas primeiro conhecer-te a ti mesmo, antes que pudesses ver-nos. Olha ao teu redor!”
E o braço branco como a neve indicou ao redor. Aí Miang viu gigantes deitados, os quais levantaram as cabeças e acenaram para ele. Mas ele viu ainda mais: em toda parte movimentavam-se pequenos vultos céleres, trabalhando com afinco.
Júbilo preencheu o há pouco ainda desanimado. Ele não mais estava sozinho. Sentiu-se incorporado ao grande número dos servos. Levantou-se rapidamente.
“Fique ainda,” pediu a ente.
“Querida ente, eu tenho que ir trabalhar,” afirmou Miang cordialmente.
“Qual é o teu trabalho?”
“Até agora tive que ajudar a soltar pedras e despachá-las para a profundeza,” Miang quase não se permitia mais tempo para responder a pergunta.
“Que estranho,” disse lentamente a ente encantadora.
“Os gigantes não poderiam fazer isso bem melhor?”
O questionado não pensou nem um instante.
“Bem possível, mas o Altíssimo nos encarregou desse trabalho, então deve ser necessário que nós o façamos.”
“Então vá ao teu trabalho,” sorriu a graciosa. “E quando te for permitido um descanso, visite-me e conte-me sobre isso.”
“Vida, eu te agradeço,” exclamou o menino ao distanciar-se aos saltos. Ao seu lado andavam com passos pequenos duas figurinhas cinzentas como pedra. Confiantemente olharam para ele, que se sentia grosseiro e enorme ao lado deles.
“Acordaste finalmente, tu meio servo?” perguntou um deles, que portava uma comprida barba encanecida. “Sabes tu agora algo do que significa servir?”
“Eu ainda sei muito pouco, mas eu o aprenderei.” retrucou Miang confiantemente.

Ele tinha alcançado Fong, que parecia desempenhar tranquilamente o seu pesado trabalho. Sem perguntar, Miang começou a trabalhar resolutamente. Ele sabia que não mais seria mandado embora.
Os dois trabalharam silenciosamente, até o pôr do sol. Se Miang tinha esperado por alguma palavra de Fong, então estava muito enganado. Seu mestre tinha ficado ainda mais calado e isso, também, não mudou nos próximos dias. Miang, por sua vez, não teve coragem para dirigir-se ao calado. Também, o que poderia ter dito? Daquilo que se passava no seu íntimo, o homem parecia não querer saber nada. De outro assunto o menino não sabia falar. Mas isso não o afetava mais.
Desde que parou de resmungar sobre a finalidade do trabalho que lhe parecia tão inútil, concentrou toda a sua atenção sobre o mesmo. Ele viu, cheio de admiração, como as grandes e pequenas pedras estavam encaixadas no solo. Observou as formas e descobriu, então, que geralmente possuíam cores completamente diferentes. Algumas eram brilhantes e reluzentes quando o sol incidia sobre elas, outras brilhavam do seu interior em vermelho profundo ou azul saturado.
Como isso era belo! Com entusiasmo renovado ele cavou, empurrou, puxou e arremessou. Somente lamentava que toda essa beleza devia implacavelmente cair no abismo.

De um dia para outro ele começou a sentir satisfação no trabalho, principalmente quando pôde observar como as forças de seu corpo aumentavam. Leve ficou para ele o que antes lhe parecia tão difícil. Um dia, na alegria sobre essa descoberta, afastou rapidamente as mão de Fong para o lado, quando este quis apanhar um grande e pesado bloco. Sozinho o tirou do solo, rolou-o até o abismo e deixou-o cair com estrondo.

Aí Fong afastou-se do penhasco. Assustado, Miang virou-se e olhou para ele. Estava o homem aborrecido pela sua autosuficiência?
Um olhar para as feições de Fong acalmaram-no, e mais, encheram-no de surpresa. Havia um brilho de grande alegria nelas.
“Nós podemos parar de trabalhar, Miang,” ouviu a voz do homem. Também esta estava totalmente transformada, muito mais suave do que antes. “O começo daquilo que tu deverias aprender, está terminado. Vamos agradecer ao Altíssimo.”
Juntos caminharam até o ressalto de rocha, no qual Miang, há pouco tempo, tinha passado o seu primeiro dia solitário. A subida, hoje, não lhe parecia mais difícil. Com o coração aliviado caminhava atrás de seu companheiro, olhando alegremente ao redor.
Também a paisagem parecia mudada. Certamente os píncaros rochosos estendiam-se até o céu, profundos desfiladeiros encontravam-se entre eles, mas a luz do sol dourado iluminava tudo isso e, para onde dirigia seu olhar, encontrava a mais animada vida. Como a um velho conhecido os gigantes acenavam para o menino feliz. Alegremente cercavam-no as pequenas figuras dos homemzinhos cinzentos.
Chegando no topo, Fong levantou os braços para o céu e pronunciou uma curta e fervorosa prece de gratidão, por ter o Todo Poderoso feito com que esta primeira parte da formação tivesse tanto êxito.

Depois os dois sentaram no mesmo lugar, onde o menino tinha enfrentado sua primeira e solitária luta consigo mesmo. E veja: Fong, o silencioso, começou a falar:
“Eu me alegro por ti, Miang. Nestas semanas tens aprendido muito, mais do que tu mesmo ainda podes pressentir. Em força e habilidade tornaste-te um homem. Fazer isso de ti era uma parte da minha missão recebida do Altíssimo. Certamente deves servir futuramente ao nosso elevado Senhor com o espírito, porém, para a vida que deverás levar, necessitas de um corpo bem treinado. Primeiramente este deveria ser desenvolvido, antes que eu preenchesse o teu espírito facilmente impressionável com o saber do Todo Poderoso.”
Os olhos de Miang arregalaram-se admirados.
“Então tu queres me falar do Altíssimo? Tu queres me ensinar?” Júbilo estava contido em sua voz. Sobre as feições de Fong passou um sorriso, que o embelezou maravilhosamente.

(continua)

Trecho extraído do livro: Miang Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.