quarta-feira, 17 de maio de 2017

Sobre a Vida dos Celtas XX






Sobre a vida dos Celtas –XX

Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff

Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas XIX

Anteriormente: Pieder determinou o dia da consagração da casa de Deus, a qual fora realizada de forma digna e cheia de devoção. Ele implorou a bênção do Pai Eterno para todos que entrassem na casa com uma crença verdadeira e pediu para que a partir de então a força do Filho de Deus também fluísse por esse ambiente. Diante do povo inteiro ele abençoou então o matrimônio do casal de príncipes, o qual passou então a ocupar o novo palácio...

Cuimin teria gostado ainda de ter se mantido afastado por um tempo da regência, mas Seabhac permaneceu firme na decisão de que ele deveria representar agora seu cargo com toda seriedade. O pai queria então se retrair e viver totalmente para aquilo que ele imaginava como a coroa de toda a vida: o saber a respeito do Pai Eterno. Apenas então ele notou que dentre todos com os quais ele havia vivido quando jovem, ele era o único que ainda havia restado. Ele não tinha ninguém que o compreendesse totalmente, com quem se ligasse com um pensar análogo.
— “Por que te aborrecer sobre isso?” perguntou Nuado, que se mostrava a ele quase que diariamente. “Tu tens, pois, a mim. Eu sempre estarei agora contigo, pois agora virá o tempo em que eu poderei te acompanhar a outras planícies.”
Então Fionn também quis iniciar a missão de sua vida. Cuidadosamente ele se preparou, sobretudo havia providenciado um bom navio, pois tinha que atravessar as águas, se quisesse se dirigir rumo ao norte, para onde seu guia indicava. Ele também o obedecia incondicionalmente, assim como Brigit fazia em relação à deusa, e todo conselho de que necessitava, ele recebia dele.
Golin não quis mais se separar do amigo. Ele levara a sério aquilo que havia dito outrora ao príncipe.
— “Eu também posso construir em outros países, se for da vontade do Pai Eterno. O principal para mim é que eu auxilie Fionn em sua grande e sagrada obra.”
Como servos e acompanhantes Fionn escolhera só aqueles que se ofereceram e eram fortes. Doze homens queriam partir com ele, e todos se alegravam por isso. Pieder abençoou o grupo na nova casa de Deus e implorou ao Pai Eterno por bênção no trabalho deles.
— “Se eles tiverem que deixar suas vidas a teu serviço, Senhor do Céu e da Terra, então permita que eles o façam alegremente. Dar a vida que eles consagraram a Ti é algo pequeno, mas não permita que eles se tornem infiéis, nenhum deles, pois isto seria um grande infortúnio.”
Comovidos, os homens prometeram ser fiéis ao Pai Eterno e honrar o Seu representante Fionn. A despedida do filho ao pai fora breve. Seabhac havia desejado assim. Cuimin acompanhou o irmão gêmeo ainda até o navio e ficou velando, para que a partida para fora dos recifes fosse bem sucedida.
Os irmãos sabiam que nessa vida não voltariam a se ver novamente, mas isso não lhes oprimia os corações. Cada um possuía uma missão dada pelo Pai Eterno e isto lhes bastava.
O capitão do navio conhecia o mar e levou o grupo são e salvo a uma costa estranha e íngreme, onde havia muito gelo e neve. Lá as montanhas eram mais altas e escarpas do que na pátria. Segundo a orientação do guia luminoso, Fionn tomou um caminho em direção ao norte. Ali não havia nenhuma localidade, como os homens estavam habituados. Casas isoladas encontravam-se aqui e acolá entre as altas montanhas ou à margem dos lagos. Cordialmente os habitantes acolhiam os estranhos, que se admiravam por isso. Mas um entendimento entre eles não era possível, pois os idiomas eram muito diferentes. Foi se tornando, contudo, cada vez mais frio, de modo que o guia de Fionn indicou que ele e seus homens devessem pedir por estadia em uma localidade especialmente maior. Ele deveria mostrar o ouro e isto levaria a um entendimento.
E assim também aconteceu. Eles hospedaram com prazer os estranhos que podiam pagar pela estadia. Eles, porém, utilizavam esta estada involuntária a fim de aprender o idioma do país. Incansáveis eram eles, pois sem isso a missão de Fionn teria de fracassar.

Alguns meses mais tarde, Fionn entendia tanto da linguagem que, já tinha até tomado conhecimento de quais deuses as pessoas oravam. Eles denominavam seu mais elevado Deus de Wuodan. Sem dificuldades Fionn reconheceu nele, Nuado, as pessoas apenas não viam ali nenhuma mão de prata que só trazia bênçãos, mas também lhe atribuíam toda sorte de coisas ruins. Contudo, pelo menos era uma base sobre a qual se poderia continuar a erigir. Apesar disso, logo se tornou claro a Fionn que essas não eram as pessoas que ele havia visto em espírito, as coisas ali estavam bem ordenadas e o saber deles a respeito das coisas divinas era restrito, mas interior. Tão logo se tornasse mais quente eles deveriam ir adiante.
Ao longo de anos ele andou com o seu grupo, primeiramente em direção ao norte, depois mais para o leste. Todas as dificuldades, muitas vezes bem grandes, se lhes tornava facilmente suportáveis através do auxílio do guia luminoso. Eles jamais precisaram passar realmente necessidades, também inimizades permaneceram distantes deles. Quanto mais para o leste eles iam, tanto mais se modificava o idioma. Cada estação do inverno em que eles precisavam ficar instalados era utilizada para adquirir novo saber.
E então, um dia, Fionn avistou as primeiras pessoas que correspondiam às imagens que antes lhe haviam sido mostradas. Eram homens feios, com narizes chatos, lábios avolumados, olhos estreitos e ossos faciais ressaltados. Por causa do frio eles estavam totalmente envolvidos em peles, as quais eles jamais tiravam. Estas tinham que cair do corpo como trapos. Por isso sujeira e mau cheiro eram seus contínuos acompanhantes. Os homens de Fionn assustaram-se e quiseram retornar novamente. Quando, porém, seu senhor lhes indicou que era exatamente estes os homens indicados pelo Pai Eterno, então eles resolveram ficar e auxiliar com sua parte, para que os “olhos pequenos”, como eles os chamavam, pudessem aprender costumes melhores. Disto, porém, eles ainda estavam bem distantes. Com horror, os Celtas viam que os olhos pequenos consumiam a carne dos animais abatidos crua e não queriam saber nada a respeito de assá-las. Um dia eles até se surpreenderam com o chefe da tribo, estando este a consumir com prazer um menino falecido recentemente.
Então, Fionn teve que empregar todos os esforços para tranquilizar seus homens. Eles adoeceram de horror; unicamente Fionn permaneceu firme e intocado.

Penosa fora sua obra junto a essas almas adormecidas. Demorou muito tempo até que eles compreenderam que ele queria lhes levar bênçãos. Em geral eles viravam-se indiferentes quando ele lhes falava. Mas ele não desistia. Com uma paciência incansável lhes auxiliava, também em coisas exteriores e, aos poucos, eles começaram a ceder. Ele pôde constatar lentos progressos, até que então, por fim, depois de anos de trabalho duro veio o dia em que eles se submeteram voluntariamente, e por amor a ele. Eles viam nele o enviado do Pai Eterno, que agora era o senhor deles. E eles agiam segundo os seus mandamentos.
Como sinal disso, eles passaram a denominar-se então, “povo de Fionn” e a seu país “Terra de Fionn”. Em seu idioma entreteceram-se partes da língua Celta, que ainda hoje se pode verificar.
Fionn faleceu muito idoso e todos sentiram sua morte, todos a quem ele havia transmitido o saber a respeito do Pai Eterno. O povo de Fionn, porém, segurou-se firmemente naquilo que haviam aprendido e mantiveram sua crença salva ainda por um longo tempo.


Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht 

Meinin: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino salva e aceita para proteção.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.
Donald: Escolhido como novo Superior dos Druidas (após morte misteriosa d Padraic)
Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos.

Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon (galês).
Na mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade a quem o bebesse.

Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.

Lug: ou Lugh - filho de Cian (Kian) dos Tuatha Dé Danann e Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos Fomorianos). Comandou as forças dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura extraordinária do Deus jovem irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado à habilidade e à técnica; é conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes) e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto (Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes galês.

Pieder – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin

Cuimin – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin

Brigit – príncesa filha de Seabhac, Habicht e Meinin

Fionn – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin

Golin – salvo de naufrágio no reino de Seabhac, Habicht, vindo da longínqua Gálea; era construtor.