sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Os Gigantes Moram ao Lado








Os Gigantes Moram ao Lado

por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf

No outro dia, novamente o pastor e seu rebanho subiam céleres por sobre os rochedos. A princípio, o menino queria dirigir seus passos em outra direção, porém alguma voz dentro dele falou: que isso seria covardia. Também, nunca mais encontrara os gigantes. Era bem possível que estes tenham ido embora.
Mas não! Lá estavam deitados e olhavam em sua direção. Repetidas vezes teve que olhar para eles durante a sua escalada. Como essas figuras gigantescas combinavam com o ambiente montanhoso! Dava a impressão que eles faziam parte dessas escarpas e píncaros acidentados. Pareciam selvagens e sinistros, enquanto se contemplava somente seus corpos enormes. Erguendo, porém, os olhos até suas cabeças, então todo o medo desaparecia. O menino não compreendeu por que tinha sentido medo no dia anterior. Hoje lhe pareciam bons e alegres.

Dirigiu-se a eles com saudação sonora, e uma risada trovejante ecoou ao seu encontro.

“Senta aqui perto de nós, anão, “chamou Uru. “Dos teus animais eu vou cuidar bem.”

Mas somente depois que as cabras céleres começaram a pastar, acompanhadas de muitas recomendações e carinhos do menino para que elas ficassem atentas, o pequeno pastor atendeu ao convite. Um pouco receoso subiu na perna, estendida hospitaleiramente, e olhou ao redor. O local elevado ofereceu-lhe uma visão mais ampla, não só sobre as suas protegidas que pastavam espalhadas, mas também por entre as montanhas.

O que ali viu, paralisou sua respiração. Seria possível que ali estivessem deitados mais gigantes ainda? Por todo lado ele parecia encontrá-los.

Como se o gigante até então calado, que seu companheiro chamava de Muru, tivesse compreendido os seus pensamentos, este o perguntou:

“Por que te admiras, menino? Não sabias que nós somos em número maior que os cumes das montanhas?”

“Quando é que vocês chegaram?” retrucou o menino. Uru riu alegremente, Muru, porém, respondeu sério: “Nós nunca viemos. Nós sempre existimos, desde que as montanhas se encontram aqui.”
“Mas eu nunca vos tinha visto antes,” refletiu o pastor. “Como isso pode ser possível?”

“A maior parte tu ainda não percebeste, anão,” exclamou Uru impetuosamente. “Os teus olhos estavam cegos como os dos animaizinhos jovens. Eles se abrem somente aos poucos”

“Então Wun, o velho lá embaixo, também ainda tem olhos cegos. Ele repreendeu-me, quando o perguntei a respeito de vocês e disse que eu tinha inventado um conto. Como se fosse possível inventar figuras desse tipo!” acrescentou o pequeno sorrindo.

“Tu não deves perguntar aos homens quando queres saber de nós.”

“Então eu pergunto a vós, ó grandes.”

“Isto está certo” elogiou Muru sério. “Também, terás resposta. Antes, porém, deves relatar sobre ti. Como é que te chamam, e o que tu vivenciaste?”

Wun me chama de Miang e, antes dele, o meu pai assim me chamava. Nós moramos lá embaixo, desde que eu me lembre. Meu pai, a quem chamavam de o líder, era maior e mais bonito que os outros. Um dia, ele saiu para espantar as grandes aves que roubavam as nossas cabras. Então, os homens voltaram sem ele e disseram que a montanha o tinha retido. Desde então, eu vivo com Wun, que se mudou para a choupana de meu pai, que é maior e mais bonita que a dele. Quando eu não obedeço, ele me bate.”

“Então não gostas de estar com ele?” quis saber Muru.

“Não. Nada mais é bonito desde que meu pai desapareceu.”

“E tua mãe?”

“Eu não sei de nenhuma. Talvez eu não tivesse nenhuma,” pensativamente o disse o menino. “Isso é tudo que posso lhes contar,” concluiu. “Agora devem me contar de vocês.” Muru, porém, começou seu relato com a pergunta:” Quem confeccionou a tua sacola, na qual trazes o teu alimento para cá?”

“Eu próprio,” foi a resposta alegre do menino.

“E quem confeccionou a tua roupa?” E Muru apontou para a peça composta de peles, que cobria as costas e coxas.

“Nisso Wun me ajudou, antigamente meu pai o fazia.”

“E quem te criou?”

“A mim?” espantou-se Miang. “Eu estou aqui, desde que posso me lembrar.”

“Isso não é muito tempo, anão,” arquejou Uru, enquanto Muru indagou: “E onde estavas anteriormente?”

Essa pergunta foi além da compreensão de Miang. Feliz que tinha chegado a hora de levar o rebanho até a fonte, ele se esquivou. Porém, enquanto deixava os animais beberem e os reunia depois para a volta ao local de pastagem, ele raciocinou. Aquilo, que finalmente decifrou, comunicou-o a Muru:

“Eu devo ter vindo, como as pequenas cabras, de uma velha.”

“Bem pensado,” elogiou o gigante. “E a mulher veio de outra, e assim retrocede até a primeira. Esta, porém, foi criada.” Muru disse-o com ênfase.

“Isso deve ter sido feito por um Grande,” refletiu Miang, que havia se encostado na perna do gigante, para poder olhar-lhe no rosto. Com agrado o gigante olhou para o pequeno. Um brilho havia nas feições inquiridoras.

“Sim, menino, aquele que criou a primeira mulher é o Maior em todo o mundo. Tudo, o que podes ver, Ele o fez. Também a nós. Muito antes de haverem seres humanos Ele nos chamou e nos designou como guardas das montanhas. Nós somos como uma parte desse mundo de pedras.”

Ele calou-se. Tinha dificuldade de expressar tudo isso em palavras. No menino, porém, foi despertada uma grande curiosidade, ele queria saber mais.

“O que aconteceria, se vocês vos afastassem para bem longe desta montanha?”

“Então ela iria despedaçar-se e desmoronar aos poucos.”

“Vocês sempre estão deitados aqui? Isso não é enfadonho?”

Uru começou a rir.

“Anão, pensas por acaso que nós servimos com preguiça ao Altíssimo? Não, quando vocês anões dormem, nós trabalhamos.”
“Nós melhoramos e construímos e alteramos por ordem superior,” recomeçou Muru. “Nunca escutaste estrondo nas montanhas, quando as pedras rolam para baixo?” Miang acenou com a cabeça. Como tudo isso era maravilhoso. Ele caiu em profunda reflexão, e também os gigantes não disseram mais nada.

(continua)

Trecho extraído do livro: Miang Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.