sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Adeus aos Gigantes








Adeus aos Gigantes

por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf

Quando o sol começou a declinar, o menino animou-se. Seu dever o chamava.
“Voltarei amanhã, ó gigantes” prometeu. Então os deixou rapidamente com seu bando travesso. E voltou todos os dias. Aos poucos se formaram dentro dele pensamentos e conceitos firmes.

Os gigantes podiam pouco ajudá-lo nisso, porém, de vez em quando, Muru direcionava com uma palavra o pensamento para um novo caminho.
Existia um Altíssimo. Este criou tudo, tudo o que vivia, mas também todo o mais. Isto estava tão firme na alma do menino, como se sempre o soubesse. Se, no entanto, esse Altíssimo tinha criado tudo, então também tudo a Ele pertencia. Esta foi como segunda verdade, que luminosamente surgiu em Miang. Se tudo é Dele, eu também sou de Sua propriedade. E agora lhe veio o derradeiro, que tinha que reconhecer a seguir: sendo eu Sua propriedade, então tenho que servi-Lo com todas as minhas forças.

“Escuta, Muru,” falou ele certo dia.

“Eu preciso procurar o Altíssimo, para saber como devo serví-Lo. Eu prefiro cuidar de Suas cabras do que das de Wun, que as tirou de meu pai. Mas onde estão as cabras Dele, e onde está Ele?”

“Isto não podemos dizer-te, Miang. Tu deves ir mundo afora para encontrar a resposta.”

Isto era uma novidade que primeiramente tinha que ser examinada a fundo. Mas o pensamento tinha algo atrativo: ir para longe da limitação destas montanhas, para ver o que havia além! Encontrar o Altíssimo e entrar no serviço Dele!

Cada dia aumentava seu ardente desejo íntimo, até que Miang apresentou-se numa manhã aos seus amigos com a decisão firme: “Hoje, quando eu retornar com as cabras, então quero deixar tudo e ir até o Altíssimo. Eu tenho dito isso a Wun. Ele concordou, só que – se eu for – nunca mais poderei voltar. Mas isto eu também não quero.”
“Não será difícil para ti separar-te de tuas cabras?” perguntou Muru insistentemente, mas surpreendeu-se quando o menino respondeu muito sério: “Isto não importa quando se quer procurar o Altíssimo e encontrá-Lo.”

Mais tarde, quando ele, como já se acostumara, procurou seu lugar no joelho de Uru, pediu: “Vocês podem me aconselhar qual o caminho a seguir, para alcançar o meu alvo o mais rápido possível?”

“Nós podemos te ajudar até a próxima parada do teu caminho, Miang. Mais não podemos fazer, mas isso deverá realizar-se.”

“Venha hoje à noite novamente para cá, então Uru te alcançará por sobre os vales até o cume branco lá no outro lado. Com isso te é poupada penosa escalada e um muito difícil caminho.”

“Encontrarás lá, onde serás colocado sobre os pés, uma morada. Nela mora um sábio muito velho, o qual está destinado para ser teu professor. Entretanto, depende unicamente de ti, se ele irá aceitar-te. No caso das dificuldades nas montanhas podemos te ajudar desta vez. Todas as demais tu mesmo tens que vencê-las.”

“Eu poderei fazer isso?” perguntou o menino receoso. A profunda seriedade de seu amigo gigante abafou um pouco o radioso espírito empreendedor.
“Tu poderás fazê-lo, se nunca perderes de vista o teu alvo, de encontrar o Altíssimo. Então terás ajuda nas tuas caminhadas.”

De noite, Miang estava perante seus amigos. Estava vestido como sempre. Nada além da sacola de merenda mais recheada indicava preparativos para a grande caminhada.

“Não tens uma vestimenta melhor, anão?” perguntou Uru amigavelmente. “Morrerás de frio, pois lá em cima é gelado.”
“Não, não tenho nada melhor,” disse o menino com leve aflição. “Eu pedi a Wun para me dar uma pele de meu pai, mas ele escarneceu de mim.”

Por um instante os gigantes se entreolharam, depois Muru acenou afirmativamente.

“Deita-te aqui por um curto espaço de tempo,” ordenou ele, “até chegar a hora de levar-te embora. Durma, Miang, durma.”
Ao pronunciar essas palavras colocou carinhosamente a sua enorme mão sobre o menino, que se aconchegou confiantemente e logo adormeceu.

Em seguida, Uru soltou uma enorme massa de pedras e enviou-a com um deslizamento bem calculado até o vale. Com segurança esta alcançou os ”montículos de toupeira”, os quais até então foram o lar de Miang. Muru, porém, tinha chamado alguém para ajudar. Era um ente minúsculo, sem ter nem a metade do tamanho do menino, que se encontrou à sua frente para receber sua ordem.
Então ele partiu sem demora, e logo voltou. Cuidadosamente trouxera a mais bela das cabras, Fu-Fu, a travessa. Nas costas chegou levando uma trouxa com peles. Agora Muru retirou a mão do rosto do menino e chamou-o.

“Miang, chegou a hora da tua peregrinação. Mas não deverás partir totalmente sem bagagem. Leva a cabra e as peles como lembrança de teus amigos gigantes, mas também como prova de como o Altíssimo cuida de todos que entram no serviço Dele.”

Miang, porém, que com grande alegria tinha cumprimentado Fu-Fu, da qual a despedida lhe tinha parecido muito difícil, deixou a cabra e voltou-se subitamente para o locutor.
“Muru, é verdade que o Altíssimo torna viável o meu caminho até Ele? Quer Ele me aceitar como Seu servo, a mim, Miang, que nada de concreto sei Dele?”

E quando Muru acenou seriamente, brotou do menino impressionado:

 “Ó Altíssimo, a quem eu sinto e pressinto, deixa-me encontrar o caminho até Ti, para que eu Te sirva com todo o meu ser e Te agradeça pela Tua bondade não merecida.”

A despedida foi curta. Uru segurou o menino, ergueu-se e esticou o enorme braço para longe. Onde as pontas de seus dedos tocaram os rochedos, Miang foi amparado pela mão de outro gigante.

Depois disso, encontrou-se entre gelo e neve num deserto de montanhas. Os picos estranhos de rocha olhavam ameaçadoramente para ele, era muito frio.
Tremendo arrepiou-se e quase esqueceu de dirigir o seu agradecimento para o alto. Aí já estava também Fu-Fu ao seu lado, igualmente tremendo de frio. Miang olhou para o céu. O amanhecer não ia tardar.
“Espera só, Fu-Fu, até que apareça a roda de fogo, então aqueceremos e poderemos reconhecer o nosso caminho,” consolou ele a sua companheira e, com isso, também a si próprio. Encostados bem um no outro esperaram ambos o sol.

(continua)

Trecho extraído do livro: Miang Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.