domingo, 4 de setembro de 2016

O Menino e os Gigantes








O Menino e os Gigantes

por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf


Cumes de montanhas acidentadas, escarpadas, elevando-se altos contra o céu, pairavam imóveis sobre um vale na região montanhosa, que se estendia indolentemente entre as rochas. Neve eterna cobria os cumes, precipícios e fendas, transformando-se em gelo verde-azulado, invulnerável à claridade ofuscante do sol.

Num dos lados do altiplano estavam deitados, recostados nas paredes rochosas, dois vultos enormes, como se eles próprios fossem parte dessas rochas. Prazerosamente esticavam-se no calor do sol e olhavam ora para o céu azul escuro, ora deixavam deslizar seus olhares sobre o movimento da alegre atividade ao seu redor e, sim, até por cima deles.

Um rebanho de cabras montanhesas pastava em ambos os lados de um alegre riacho borbulhante, pastoreado por um menino magro e alto que, sem cessar, tinha que pular ora para cá, ora para o outro lado, para impedir que animais muito destemidos se embrenhassem nas escarpas.

No seu zelo não deu atenção aos dois gigantes até que tropeçasse e caísse na mão aberta de um deles, estendida no solo aquecido. Este o segurou e o sacudiu levemente.

“Não podes prestar atenção ao teu redor, anão?” exclamou ele com uma risada, que provocou um eco ao redor, como se um trovão retumbasse.

“Me solta,” gritou o pequeno, defendendo-se com todas as forças. “Me solta, senão a Fu-Fu cairá lá adiante sobre as rochas.”

“E isso seria tão grave assim?” quis saber o gigante. Nisso, porém, ele afrouxou seu punho de modo que o pequeno prisioneiro pudesse escapar.

Como um raio o menino chegou ao local perigoso ali adiante. Porém, o gigante foi mais rápido. Erguendo-se um pouco, tinha estendido o comprido braço e segurado a cabra. Agora estava suspensa sobre a cabeça de seu pequeno pastor, e novamente a risada do gigante provocou eco na redondeza.

“Ponha imediatamente a Fu–Fu novamente no chão!” exigiu o menino, que se voltou e veio correndo ofegante. Porém, o que ele poderia empreender contra o gigante risonho?

Aí obteve ajuda inesperada. O segundo gigante despertou de sua sonolência e imediatamente dirigiu-se categoricamente ao seu companheiro.

“Devolva a cabra ao menino, ele não merece que tu o atormentes, Uru.”
Imediatamente este colocou o animal no chão, que correu com altos saltos para junto do seu pequeno dono.


“Fu-Fu, malvada,” repreendeu este, abraçando-a quase carinhosamente. “Que imprudente és sempre!”

E ele apressou-se para, com a cabra resgatada, juntar-se ao rebanho que pastava alegremente.

Aí se lembrou de algo importante. Ele voltou-se, olhou para os dois gigantes que o observavam e exclamou:

“Agradeço-te, ó grande!”

“A quem te referes anão?” perguntou seu alegre atormentador.

“Ambos somos grandes.”

“Grande é aquele, que é justo,” foi a resposta inesperada.

O menino queria retirar-se, quando soou a voz poderosa de seu auxiliador:

“Tu me agradas. Venha para cá com os teus protegidos agitados e vamos conversar. Uru só estava brincando. Ele não pode te fazer mal.”

Prontamente o menino assobiou, reunindo seus animais, bem observando que nas proximidades dos dois homens gigantes a grama e as ervas cresciam abundantemente.

“O que chamas de justo?” perguntou o gigante, assim que o pequeno pastor estava sentado comodamente sobre uma de suas pernas, espreitando ao seu redor.

“Justo é, quando a gente sabe bem no seu íntimo, o que deve fazer para viver em equilíbrio com tudo.”

“Isto eu não entendo,” resmungou Uru, enquanto seu companheiro indagou: “Quem te disse isso?” “Meu pai.”

“Então chame o teu pai, para que ele nos esclareça isso,” exigiu o gigante. “Isso eu não posso. Ele não está mais aqui,” foi a resposta do menino. Foi acompanhada de um suspiro.

“Com quem estás vivendo? A quem pertencem os animais?” quis saber o gigante.

“Agora eles pertencem a Wun, com quem eu também moro. Ele me bate, quando alguma coisa acontece a uma das cabras.”

“Ele é o teu avô?”

“Eu não sei. Mas o sol quer partir, eu tenho que voltar para casa.” Levantou-se rapidamente, assobiando chamou os seus animais e, numa trilha estreita, correu com eles morro abaixo.

Uru levantou-se, seguindo-o com os olhos encosta abaixo.

“Lá embaixo há alguns montículos de toupeira, lá provavelmente seja a morada do anão,” observou ele.

“É uma criança abençoada. Não o vês? Tu não deves fazer mal a ele,” advertiu seu companheiro.

(continua)

Trecho extraído do livro: Miang Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.