terça-feira, 13 de junho de 2017

Sobre a Vida dos Celtas XXIV





Sobre a vida dos Celtas –XXIV

Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff


Anteriormente: Tristeza aos presentes no templo pela revelação do druida em presidindo o culto, quando anunciou o assassinato do Filho de Deus; então houve o clamor de todos orando e pedindo ao Pai Eterno para impedir aquele ato horrendo... Piara, o druida superior, estava deitado doente sobre o leito e sua língua havia se emudecido. Nenhuma palavra ele conseguira mais falar desde que o seu grito de horror havia ecoado pela casa de Deus.

Depois de algumas semanas que haviam se passado dessa maneira, o Pai Eterno apiedou-se do povo abatido. Ele utilizou para isso um instrumento especial.
O Filho mais jovem do casal de príncipes, um menino de cinco anos, estava sentado no aposento de sua mãe sobre uma espessa pele. Ele havia levado pedras para lá, com as quais ele construía algo.
Príncipe Erik e a esposa Graanje entraram no aposento sem terem visto a criança.
— “Tu deves preceder o povo por meio de teu exemplo, meu esposo” disse Graanje incisivamente. “Vede, eu temo que se o povo continuar assim esmorecido, então logo poderá chegar ao pensamento de que tudo está perdido, não valendo mais a pena levar uma vida sem pecados. Lançai fora a tristeza de ti, meu amigo!”
— “O abismo, o grande abismo!” gemeu o príncipe com a alma ferida.
— “Nós podemos lançar uma ponte por cima dele” soou então a voz infantil.
Os pais se viraram e olharam para o menino de cabelos luminosos, cujos dedos se esforçavam para fazer por meio das pedras uma ponte sobre um abismo artificial feito na pele.

Amigavelmente a mãe voltou-se ao pequeno. “Será que Fionnoch pode realmente transpor esse profundo abismo? As pedras não bastam para isso.” A criança sorriu de forma marota.
— “As pedras são pedras humanas, mas os dedos de Fionnoch são entes luminosos. Onde as coisas humanas não são suficientes, aí os entes luminosos auxiliam. Vede mãe” jubilava ele, quando realmente conseguiu segurar várias pedras ao mesmo tempo, de modo que o abismo era transposto. “O que os seres humanos não são capazes, aquilo será realizado para eles!”
Graanje passou a mão sobre o cabelo de seu filho e dirigiu-se então ao príncipe.
— “Tu ouviste o que o menino disse? O que os seres humanos não são capazes de fazer, aquilo será realizado para eles. O Pai Eterno deixou anunciar isso através da boca infantil, disso estou certa. Refleti, pois, naquilo que o mensageiro luminoso disse: “Precavei-vos para que vós pertençais àqueles que ainda possam encontrar o Pai Eterno, passando pelo profundo abismo.” Como Erik calou-se refletindo, a princesa prosseguiu entusiasmada:
— “Nós já negligenciamos muito nessas semanas de inatividade cheias de tristeza. Nós todos temos que nos recompor. Nossos esforços têm de ser ainda mais puros, nossa vontade ainda mais firme. Será mais difícil do que outrora, para que a Força luminosa do Pai Eterno flua sobre nós. Mas nós temos que transpor o abismo.”
— “Minha esposa, meu filho, quanto vós me auxiliastes” agradeceu Erik. “Como as palavras infantis também iluminaram minha alma desanimada! Eu quero me reanimar e viver exemplarmente para o povo, de modo que agora nós não devemos deixar de persistir no esforçar-se para cima.”
Primeiramente o príncipe procurou Piara, ele achava ter que contar-lhe em primeiro lugar o que havia encontrado. Triste encontrava-se ele ao lado do leito daquele que havia sido seu amigo. O corpo movimentava-se inquietamente para lá e para cá, mas nenhuma palavra aflorava dos lábios quentes, os olhos pareciam vazios.
De repente Erik ouviu uma voz: “Tu não deves te entristecer por causa dele. Seu espírito está protegido! Muito grande e muito incisivo fora o susto que a visão lhe outorgara. A alma afasta-se do corpo e devido à graça do Pai Eterno, ela não irá mais retornar. Aos poucos o corpo abandonado irá falecer. Os tormentos que ele vivencia aí, Piara não sente mais.”
Ao agradecimento que se elevava em Erik, pelo amigo estar liberto de todas as dores, se associou imediatamente o funesto pensamento: “Assim, na hora do desespero, também não temos mais nenhum druida superior! Nós fomos verdadeiramente abandonados pelo Pai Eterno.”

Novamente ele pôde ouvir a voz. Desta vez ela soava cheia de repreensão: “Não peques, príncipe, vós pertenceis aos poucos, aos quais o Pai Eterno ainda deixa prover. Esse saber deve vos tornar fortes na luta contra as trevas, as quais também querem se aproximar de vós. O Pai Eterno já determinou o sucessor de Piara. Note bem: o druida que, como primeiro, adentrar este aposento será o druida superior. Ele já sabe disso, o Pai Eterno já lhe anunciou. Juntamente com tua esposa ele irá auxiliar a manter firme a ligação com o reino da Luz. Vós outros deveis lutar como nunca: contra vós e contra vossas cobiças, contra as trevas que querem se imiscuir em vosso país.”
A voz silenciou. Erik caiu de joelhos orando ao lado do leito de seu amigo, cujo corpo se aquietara então.
Então a porta se abriu e entrou um dos mais jovens druidas, o filho Donnloch. Sobre ele pairava uma luminosidade. Aquilo que ele havia acolhido há pouco ainda irradiava dele. Ele parecia tão indigno da graça do Pai Eterno e apesar disso o Pai Eterno havia-lhe convocado, portanto, ele também poderia ser servo!
Silenciosamente ele aproximou-se do leito e fechou com mão suave os olhos que haviam esmorecidos. Então ele orou, agradecendo ao Pai Eterno pela graça que Piara pôde receber.
— “Ele se encontra do outro lado, aonde ele pode ver tudo sobre uma luz diferente” voltou-se ele então ao príncipe.
Este acenou afirmativamente com a cabeça. “E tu deves, aqui, preencher o seu lugar” disse ele então. Donnloch não perguntou de onde Erik sabia a respeito disso.
— “Eu me alegro a esse respeito” respondeu ele. “Se eu orar para que me seja auxiliado, eu serei capaz de conseguir aquilo que o Pai Eterno espera de mim.”

Eles deixaram então o falecido a cargo de outras mãos e dirigiram-se ao palácio por proposta de Erik, onde o príncipe comunicou a sua esposa e a Donnloch o que lhe havia sido anunciado. Um grande e sagrado querer transfundia todos os três, a fim de auxiliar o povo para que ele nunca perdesse a ligação com o reino do Pai Eterno.
Assim havia acontecido que sobre o povo de Seabhac cresceu ainda mais um sincero esforço e um verdadeiro amor pelas coisas divinas, depois do cruel assassinato do Filho de Deus e depois que na maioria dos outros países as trevas começaram a descer com mais poder.
Também nas demais tribos Celtas, ainda que tão longe eles vivessem desta parte do grande mar, fluía algo a respeito do saber e do querer da tribo mais ao norte.
Nos longos anos não houve nenhuma época em que as tribos não se sentissem guiadas pelo Pai Eterno. A elas a ligação não estava desfeita, também quando as trevas procuravam se aproximar nas mais diversas formas, ou talvez, em tais momentos, a ligação era ainda mais forte do que usualmente, porque o povo de Seabhac estava habituado a ir de encontro a todos os perigos, orando.
Mais ou menos cem anos depois do nascimento do Filho de Deus começaram a aportar no sul de todos os reinos, novamente suntuosos navios descarregando guerreiros em grandes quantidades. Como um vagalhão essas hordas se derramaram por sobre o país, cujos habitantes estavam mui surpresos, a fim de poderem pensar de forma suficientemente rápida numa real resistência. Os comandantes invasores exigiam que eles se entregassem, que assim não lhes aconteceria nada.

(continua)

Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht 

Meinin: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino salva e aceita para proteção.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.
Donald: Escolhido como novo Superior dos Druidas (após morte misteriosa d Padraic)
Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos.

Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon (galês).
Na mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade a quem o bebesse.

Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.

Lug: ou Lugh - filho de Cian (Kian) dos Tuatha Dé Danann e Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos Fomorianos). Comandou as forças dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura extraordinária do Deus jovem irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado à habilidade e à técnica; é conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes) e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto (Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes galês.

Pieder – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin

Cuimin – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin

Brigit – príncesa filha de Seabhac, Habicht e Meinin

Fionn – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin

Golin – salvo de naufrágio no reino de Seabhac, Habicht, vindo da longínqua Gálea; era construtor.