terça-feira, 6 de junho de 2017

Sobre a Vida dos Celtas XXIII





Sobre a vida dos Celtas –XXIII

Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff

Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas XXII

Anteriormente: Alguns entre os celtas viajaram para longe, pois queriam investigar se em outra parte sabiam algo mais a respeito do Filho de Deus. Todo o povo ainda ansiava de forma muito forte por ouvir a respeito Dele. Mas onde ousavam pela busca, eram zombados com suas perguntas. Em nenhum lugar sabiam a respeito. Isto, porém, não deixou que surgissem dúvidas em nenhum deles. Tanto mais profundo se enraizara a crença no povo Celta de que o Pai Eterno lhes havia dado uma graça especial de saber a respeito de Sua grande misericórdia.

— “O Pai Eterno está irado” diziam os druidas e as pessoas repetiam-no em profunda aflição, mesmo que não estivessem conscientes de nenhuma culpa em especial.
Por que o Pai Eterno estaria irado?
Talvez eles tomassem conhecimento de algo se, reunissem-se na casa de Deus para devoção. Todos afluíam para lá, até mesmo aqueles que julgavam não ter nenhum tempo para as orações realizadas regularmente a cada sete dias. Na verdade naquele dia o sol ainda não havia nascido. Ele não tinha podido ainda lançar seus raios por entre as densas nuvens, as quais se encontravam no céu como que ostentando tristeza. Ele também aparentava que havia deixado qualquer tentativa de lado. Uma mancha pálido-amarelada anunciava onde o Sol deveria estar. Nenhum pássaro cantava. Medrosamente eles se esconderam sob as folhas e em seus ninhos. Eles não sabiam se já era dia. Também as ovelhas e cabras intuíam a pressão: elas não eram capazes de comer e comprimiam-se inquietas e juntas.
Receosas, entravam as pessoas na casa de Deus. O druida superior, um homem profundamente convicto, o qual o Pai Eterno havia deixado que fosse escolhido, apesar de não se originar da casa principesca, não sabia o que ele deveria mandar cantar. A reunião estava mais sintonizada para tristeza do que para louvor e agradecimento. No momento em que ele havia se resolvido espantar o espírito da tristeza com sons alegres, soou lá fora um forte trovão, um raio rasgou por um instante as nuvens.

Uma tempestade assim tão cedo no ano? Mas não veio nenhuma chuva, também não houve outros raios.
— “Pai Eterno!” exclamou o druida superior Piara, involuntariamente. Então lhe pareceu como se seu espírito fosse transportado para certa outra região da Terra. Ela parecia montanhosa, mas totalmente diferente do seu país. Sobre o morro rochoso pouco guardado encontravam-se, porém, três armações de madeira, ao redor das quais uma excitada multidão se agitava. Naquelas armações estavam contidas pessoas. Criminosos que haviam cometido graves delitos e que deveriam ser castigados.
Todos os membros de Piara tremiam, enquanto seu espírito acolhia tudo isso rapidamente em si. Seu corpo caiu de joelhos, bem na frente do altar. As pessoas reunidas para a devoção olhavam estarrecidas seu sacerdote superior e mal ousavam respirar.
De repente Piara gritou de modo estranho, estridente. Tão horrível foi o grito que ele penetrou em todas as almas e ninguém mais pode esquecê-lo durante toda a vida.
— “Pai Eterno, auxilia! Eles estão assassinando Teu sagrado Filho!”
E sempre de novo ressoava o grito desesperado. O espírito de Piara havia retornado ao corpo e não conseguia suportar aquilo que havia visto de terrível.
As moças e mulheres começaram a chorar. Os homens começaram a gritar juntamente com o druida:
— “Pai Eterno, Pai Eterno, auxilia, auxilia! Teu Filho! Teu sagrado Filho! Não deixa que seja assassinado!”
Piara encontrava-se emudecido. Ele estava de joelhos orando diante do altar. Toda sua alma arrasada pôs-se em oração. Ele não encontrava palavras, ele não era capaz de pensar. Mas seu intuir colocou-se diante do trono do Pai Eterno. Desse silêncio repleto de devoção, vinha o fluxo de tranquilidade sobre o abalado ser humano. Os gritos emudeceram-se. Baixinho eles também começaram a orar.

E sobre tudo isso começou a tornar-se claro e luminoso na casa de Deus. Eles levantaram o olhar. De onde vinha o resplendor?
Diante de Piara, no alto, encontrava-se um ser luminoso, o qual todos eles puderam ver. E agora esse ser espiritual ergueu a mão direita e colocou-a abençoando sobre a cabeça abaixada do druida superior.
‏‏‏ “Vós homens do povo Celta, agraciados sois vós, pois o Pai Eterno vos permitiu lançar um olhar em sua infinita misericórdia, por Ele vos ter permitido chegar a notícia a respeito do nascimento de seu sagrado Filho Jesus.
Trinta anos Ele pôde peregrinar entre a humanidade sobre a Terra. Trinta anos Ele esteve distante de Sua pátria eterna.
Amor, amor celestial Ele derramou ricamente sobre os seres humanos. Ele lhes trouxe Luz em sua escuridão, Verdade deveria iluminar as trevas.
Eles não O reconheceram, eles não O aceitaram. Agora eles O assassinaram, a Ele, o sagrado Filho de Deus! Cortada foi com isso a ligação entre os seres humanos e o Pai Eterno. A partir de então eles terão de se esforçar para alcançá-Lo. Apenas a bem poucos isso será possível.
Vós, filho dos Celtas, o Pai Eterno também permitiu que vós tomásseis conhecimento desse fato terrível, devido a vossa fidelidade. Precavei-vos para que vós possais pertencer àqueles que ainda possam encontrá-Lo, passando pelo grande abismo que hoje se abriu entre o Seu reino luminoso e a humanidade.” *
O ser desapareceu. Escuro estava novamente, duplamente escuro. Seres humanos soluçantes preenchiam a casa de Deus.
Novamente anos haviam se passado; anos sérios e silenciosos. O povo de Seabhac que, nas últimas décadas, havia vivido primeiramente na esperança sobre a vinda do Filho de Deus e depois, plenamente, na certeza de sua presença na face da Terra, a qual eles também povoavam, via-se, agora, roubados de todo valor que tornava a vida importante.

Seres humanos alegres eles haviam sido, em felicidade e alegria eles haviam passado os seus dias. Havia sido um reflexo da alegria celestial, pois em nada de terreno eles possuíam suas raízes.
Agora aquele terrível assassinato, aquele acontecimento totalmente incompreensível sobre a colina das três cruzes, havia-lhes cortado a fonte de alegria. Será que ainda valia a pena continuar a viver se a Terra agora só iria afundar cada vez mais profundamente nas trevas e no horror?
O mensageiro luminoso havia anunciado que a ligação entre o Pai Eterno e os seres humanos fora cortada através daquele ato horrendo. Será que eles ainda poderiam se aproximar do Pai Eterno? Iria Ele ouvir, se eles suplicassem?
Ao primeiro horror apático seguiram-se todas essas reflexões e perguntas. Individualmente e em conjunto, a princípio eles não eram capazes de pensar nada diferentemente. Aí também não parecia haver ninguém que tivesse podido lhes auxiliar. Piara, o druida superior, estava deitado doente sobre o leito e sua língua havia se emudecido. Nenhuma palavra ele conseguira mais falar desde que o seu grito de horror havia ecoado pela casa de Deus. Abalados, os outros druidas cuidavam de seus pastoreios e procuravam desviar os alunos das cismas, através do trabalho. Isto era tudo o que eles eram capazes de fazer.


Gwenn, a vidente, estimulava as moças e mulheres para que cumprissem seus deveres com zelo duplicado. Mas, sempre de novo elas irrompiam num choro, quando tinham de acabar aquilo que haviam iniciado para o Filho de Deus. Gwenn prometia que os bordados preciosos iriam encontrar alguma aplicação na casa de Deus. Mas seria ela ainda uma casa de Deus, se o Pai Eterno havia se retraído dos seres humanos?

(continua)

Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht  

Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos.

Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon (galês).
Na mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade a quem o bebesse.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.

Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.