Nas
Florestas da África:
Episódio
II
Lendas da Tribo
(continuação)
Uma nova imagem surgiu
diante dos ouvintes, mas ela não era mais tão nítida. Um búfalo eles viam frequentemente,
esse eles podiam imaginar. Mas pensar em um búfalo sobre duas pernas parecia
quase impossível.
Bu-anan, porém, julgou
ter deixado a eles um longo e suficiente tempo. Ela levantou um pouco a cabeça
e devagarzinho suas mãos também se ergueram, que em contraste com as curtas e
arredondadas mãos das demais mulheres, tinham forma longa e estreita. “O Homem
Búfalo tinha uma mulher. Eu não sei como ele veio a tê-la. Ra-a chamava-se ela
e era uma verdadeira mulher humana, só maior do que nós somos hoje. Ela ainda
não estava há muito com ele, aí ela notou que a luz do dia se apagou. Escuro
ficou em toda parte, pois as estrelas da noite haviam ido dormir. Ela começou a
chorar. O Homem Búfalo, porém, caçoou dela.
‘Deixai-nos dormir
Ra-a’, disse ele, ‘uma hora ficará claro novamente’. Ela, porém, tinha medo.
Poderia durar muito até que a luz brilhasse de novo e se a escuridão mantivesse
o domínio do mundo, então ousariam sair todos os animais noturnos, todo o mal e
todas as coisas ruins. Agora ela sabia que sobre o mundo vive um Senhor, para o
qual a gente na mais alta aflição pode-se dirigir. Então, ela enviou para cima
os seus pensamentos, nas asas da sábia coruja, numa ardente súplica. Eu não sei
se a coruja podia subir tão alto”, interrompeu a vidente com voz infantil sua
narração, feita até ali solenemente. “Eu penso que entes viriam ao seu
encontro, que com suaves e bondosas mãos acolheriam os pedidos e os levariam ao
Senhor.” Depois disso ela continuou novamente narrando: “Ra-a tinha pedido para
o Senhor lhe enviar auxílio; pois ela queria ir procurar o Sol. E ela abandonou
o Homem Búfalo, o qual lhe dificultava as coisas e não queria passar sem ela.
Ela caminhava sobre areia e espinhos, sobre cobras e sapos, pois ela não podia
ver por onde andava. Seus pés ficaram feridos. Seu medo era grande, mas ela não
desistiu. Sempre que queria desanimar, clamava: ‘Senhor!’ e então vinha nova
força. E então ela encontrou o Sol! Em uma grande caixa de pedra o malvado o
havia colocado, junto com um carneiro. A caixa, porém, ele a colocara numa
profunda água. Através de uma brecha na caixa de pedra, Ra-a viu os raios do
Sol. E ela ficou tão contente que quase morreu. Então ela chamou três vezes
‘Senhor!’, pois ela precisava três vezes mais força. Aí ela pôde alargar a
brecha um tanto mais, de modo que o carneiro pudesse enfiar seu chifre e
forçar. Depois disso, não precisou mais de muito e o Sol, o sublime luminoso,
pôde se esgueirar para fora. O carneiro então libertou completamente a si
mesmo. Ra-a conduziu o Sol para fora da água, de volta para a abóbada celeste.
Em suas mãos o malvado não podia prejudicar a luz celeste, porque em Ra-a
estava a força do Senhor. Desde então, o Sol nunca mais desapareceu novamente.
Desse dia em diante ele passou a se chamar Ra-a, assim como nós todos o
denominamos. Antes disso nós o chamávamos de Ta-te-ki, como nossas crianças
ainda falam.” Bu-anan silenciou, os outros porém, tomaram-se vivazes. A
narração os agradou. Quão horrível seria se o Sol fosse hoje novamente roubado!
“Bu-anan o buscaria novamente, assim como Ra-a o fizera”, consolou uma mulher.
“O que aconteceu com o carneiro?” queria um homem saber. “Ah sim, o carneiro! O
carneiro! Dele você não falou mais nada!” insistiram todos. Bu-anan levantou os
olhos e um sorriso bem suave aflorou nos seus lábios. “O carneiro não pôde mais
voltar para a Terra, porque ele havia tomado muito do brilho do Sol”, disse ela
explicando. “Ele pôde permanecer no céu! Durante a noite vós podeis vê-lo.”
– “É desde então que é
feito o sacrifício do carneiro?” perguntaram alguns homens.
Bu-anan afirmou.
Isto está certo, só não
o executamos mais em honra a Ra-a, pois ela era somente uma mulher humana. Ao
Senhor Anu nós sacrificamos o carneiro branco com a cabeça preta, ao seu Filho,
um carneiro todo branco ou também um cordeiro quando não tiver no rebanho
nenhum carneiro totalmente branco!” As pessoas excitadas continuavam a
tagarelar, mas elas estavam tão fortemente sob a influência da Mãe Branca que
elas agora até abafaram suas vozes. Eles vivenciaram uma vez, que Bu-anan havia
deixado o fogo quando eles haviam gritado desenfreados. Uma segunda vez eles
não queriam ser a causa disso. Continuamente eles observavam o rosto da
vidente. Eles não queriam perder caso ela quisesse lhes falar novamente. E com
razão. Agora se levantou o delgado semblante mais uma vez e a voz de Bu-anan
soou: “Ra-a, a mulher, foi quem venceu as trevas. Assim deve ser sempre
conforme a Vontade do Senhor. As mulheres e moças tem mais claridade em si do
que os homens, aos quais, por isso, foi dado mais inteligência e mais força
humana. As mulheres devem colocar seus pedidos nas asas da coruja e suplicar a
força de Anu, sempre que elas necessitarem dela. As mulheres devem velar para
que os costumes da tribo se tornem cada vez mais puros e luminosos, de tal modo
que elas possam perdurar perante os olhos de Anu. Para que as mulheres consigam
isso, deveis considerá-las como vossa maior preciosidade, vós homens! Não as
tocais com mãos e pensamentos impuros. Elas devem ser raios que Anu vos enviou
das alturas para iluminar vossas vidas! Vós ousaríeis turvar os raios do Sol?”
Todos eles confirmaram, que isso jamais passaria pelos seus pensamentos. “Assim
nós nos separaremos. A noite estava bonita. Deixai-nos agradecer Anu por isso!”
A vidente foi para o centro do círculo, onde as chamas já se apagavam.
Novamente ela estendeu os braços à sua frente. A branca vestimenta esvoaçava ao
encontro deles, de forma que pareciam grandes asas. “Anu, Deus, nós te
agradecemos! Coloca da Tua força em minhas mãos abertas para que eu a
retransmita adiante. Tua bênção esteja sobre nossa noite.” Quando ela terminou,
ergueu os braços e virou as palmas das mãos para baixo, como se ela quisesse
derramar por sobre as cabeças inclinadas da sua tribo a força recebida. Os dois
homens de cor escura se achegaram solicitamente e retiraram tições em brasa do
fogo. Agora eles iluminavam o caminho que Bu-anan tinha que caminhar, rodeada
por suas quatro mulheres. Ninguém falou uma palavra. Com isso a força recebida
teria se tornado ineficaz. Quando a Mãe Branca se encontrava suficientemente
distante, os outros também retiraram paus em chama e se apressaram para suas
moradias. Onde o fogo ardeu só restou um monte de cinzas. —
(continua)
Uma obra traduzida diretamente do texto original alemão de 1937, o qual foi publicado nos cadernos 6 a 12 da revista Die Stimme (A Voz).
A história está sendo publicada em episódios da coleção do G +:
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Por esse mesmo esquema já foram publicadas as obras como coleções do G +: