Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas VII
Sobre a vida dos Celtas – VIII
Por
Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff
Anteriormente: Seabhac Habicht, na mata sofre
ameaça de ser morto pela lança de seu inimigo Taig, que no momento perde a vida pelo ataque inesperado de uma
ursa faminta; tendo ocorrido ainda o desaparecimento desesperador de Padraic, o chefe dos druidas...
— “Tu pensaste acertadamente, Seabhac” saudou Nuado amigavelmente. “Padraic
teve de deixar a Terra para que não prejudicasse seus irmãos. Ele não pôde
tornar-se senhor de sua vaidade e de sua vontade de dominar. Assim o Pai Eterno
também não pôde deixar que ele fosse auxiliado. Seus falsos pensamentos, porém,
ele não deveria difundir entre os druidas. Estes têm de se tornar novamente
servos do Pai Eterno, pois do contrário todos eles terão de partir.”
— “Como eu devo então começar para que os
sacerdotes se deixem instruir por mim?” perguntou Seabhac incerto.
— “Deixa que eles cuidem do falecido. Depois
disso eles encontrar-se-ão abalados e pedirão por si mesmos, conselho a ti.
Diga-lhes então que tu tens uma indicação do Pai Eterno para lhes fortalecer a
crença e lhes ensinar. Eles aceitarão voluntariamente aquilo que tu lhes anunciares.
Eu, porém, estarei junto de ti e te auxiliarei.”
— “E eu devo permitir que amanhã eles tragam
aqui o falecido para incinerá-lo ao invés de enterra-lo?” quis Seabhac saber. Ele recebeu uma resposta
afirmativa e então foi mais confiante para casa do que havia vindo.
Bem cedo, na manhã seguinte, reuniram-se os
homens convidados juntamente com todos os sacerdotes e alunos no local de
devoção. Eles trouxeram o falecido vestido com as vestes brancas sobre ramos
entretecidos uns nos outros e colocaram-no sobre a pedra de sacrifícios. Depois
o despiram recitando as palavras prescritas: “Padraic, tu que fostes um homem entre os homens, despe teu corpo.
Tu foste druida superior, agora não és mais. Deixa teu invólucro. Um homem
foste tu aqui sobre a Terra, tu não és mais. Despe a vestimenta de homem.”
Quando o corpo do falecido estava totalmente
despido sobre a pedra de sacrifício, alguns dos alunos acenderam um fogo sob a
mesma, que era incessantemente provido com lenha sob o recitar de frases de
longas orações e outras fórmulas. Ao mesmo tempo cuidavam muito bem para que as
chamas não se lançassem para fora da pedra de sacrifício. Todo o seu calor
deveria concentrar-se na pedra, sobre a qual o corpo do falecido era
literalmente cozido.
Finalmente, à tardinha, a horrível obra
estava consumada. O esqueleto foi deixado ali e o fogo apagou-se. Quando, na
manhã seguinte tudo havia esfriado, os sacerdotes mais jovens deveriam retirar
o esqueleto e jogá-lo em algum lugar. Ninguém deveria tomar conhecimento do
local. A isso denominavam de “por de lado o morto”.
Toda essa cerimônia era repulsiva e
cansativa para todos os presentes. Eles não podiam se alimentar enquanto as
chamas ardessem. Também não se permitiam beber, apesar da fumaça forte lhes
ressecar bastante as gargantas.
O profundo sentido da presença deles residia
no fato de que as pessoas, durante o tempo da cerimônia, deveriam refletir
sobre como a vida terrena é passageira. Elas deveriam tomar resoluções e
procurar ligações com os deuses. Mas quem fazia isso? Mal um entre todos
pensava em tais coisas. Depois eles também evitavam tais pensamentos e, à
tardinha, apenas um desejo dominava a todos, que tudo aquilo terminasse logo.
Seabhac sentiu isso profundamente e chegou a estremecer. Ele
teria gostado de falar, entretanto o luminoso o impediu, o qual se lhe havia
tornado visível várias vezes durante o dia. “Ainda não chegou o momento para
isso.” Seabhac refletia sobre isso.
Por que ele não deveria falar agora a respeito daquilo que movimentava sua
alma? Agora os espíritos certamente deveriam estar abertos. E todos tinham
tempo para ouvir.
De repente, sobreveio-lhe a compreensão. Se
naquele momento, durante a cerimônia do falecido, ele tivesse falado
depreciativamente a respeito dela, teria despertado na maioria dos homens uma contradição.
Apenas no dia seguinte, quando todos ainda estivessem preenchidos pelo cansaço,
tédio e horror, pois era horroroso ver como os membros iam se atrofiando sob a
influência do forte calor, apenas então é que eles estariam receptivos para
algo melhor.
— “Nuado,
eu te agradeço, tu, luminoso” sussurrou Seabhac
como que para si mesmo. “Eu teria feito tudo errado se tu não estivesses ao meu
lado.”
Quando
tudo estava terminado e os homens puseram-se a voltar para casa, os druidas
aproximaram-se de Seabhac e
pediram-lhe que viesse à sua aldeia no dia seguinte. Eles tinham de chegar a um
acordo no que referia a questão do sucessor e ainda a outras questões, e
necessitavam de seu conselho decisivo.
Com o corpo e o espírito esgotado ele
esticou-se mais tarde sobre uma pele de urso, diante do fogo de seu fogão, tão
cansado que sequer alimentou-se. Meinin
procurou em vão dirigir sua atenção para outras coisas. Ele permaneceu calado e
sem dar sua participação.
Então, ela sentou-se calmamente com o seu
tecer no outro lado do fogo e começou a cantar suavemente. Carinhosamente os
sons tocavam os ouvidos do homem, até que ele os começou a ouvir permitindo que
adentrassem em sua alma preocupada. Então, ele também começou a escutar as
palavras:
— “Pai Eterno, a Terra inteira curva-se
diante de Ti. Como delicadas ramagens, da mesma forma teus servos luminosos dos
céus se unem com os luminosos da Terra. Eles vivem em Tua vontade e cumprem
Tuas ordens.
Pai Eterno, quando as criaturas humanas irão
aprender a fazer como eles? Ou será que alguma vez já o sabiam e o esqueceram
novamente?
A sementeira má de Lug foi voluntariamente aceita pelos seres humanos e eles cuidaram
para que ela crescesse e frutificasse.
Pai Eterno, por quanto tempo irá durar Tua
paciência conosco? Quando Tu enviarás o luminoso com a espada oriunda do fogo?
Pai Eterno, não retire Tua misericórdia de
nós. Nós Te suplicamos: Abri nossos olhos e ouvidos, para que cheguemos ao
reconhecimento e nos tornemos Teus servos.”
Quão belo cantava sua esposa! Certamente as
rimas e as palavras eram dela própria. Será que ela não gostaria de utilizá-las
no local de devoção por ocasião das festas agora novas? Ele tinha de
perguntar-lhe.
Ele ergueu-se e a chamou suavemente ao seu
lado. Ela afirmou alegremente que sim, à sua pergunta.
— “Para essa finalidade isto me fora
presenteado por Brigit, meu esposo,”
disse ela com segurança. “Mas eu irei ensinar essa cantiga às moças e mulheres.
Se muitas cantarem, então ela soará longe.”
Seabhac aceitou alegremente este plano, sem refletir que com
isso toda maneira das devoções seria modificada. Se as mulheres e moças
cantassem, elas teriam, pois, que participar! E isto jamais havia ocorrido.
Quando isto se lhe tornou claro, ele teve que rir. Meinin havia prometido por ocasião da última festa, que as mulheres
não seriam mais excluídas no futuro.
Então ele começou a se alegrar por todas as
coisas novas que o futuro remoto já teria de trazer. À noite ele pediu por
orientação para a conversação que teria com os druidas. Novamente Nuado prometeu que ele estaria ao seu
lado auxiliando.
Pela
primeira vez Seabhac entrou então na
cabana abandonada do sacerdote superior. Se antigamente ele tivesse que falar
com ele, Padraic havia sempre saído
para fora, ao ar livre, no local à frente de sua cabana. Também agora os
sacerdotes teriam gostado de manter isso assim, mas Nuado caminhou à frente e Seabhac
seguiu-o naturalmente. Os druidas entreolharam-se embaraçados, mas nenhum teve
coragem de impedir a entrada ao príncipe.
Dentro era horrível. Um ar denso e pesado
pairava roubando a respiração, pequenas cobras de uma espécie não venenosa se
arrastavam pelo chão por entre ratos que corriam e sapos que saltavam. Do
madeiramento gritavam dois grandes corvos. No meio deste estado horripilante
encontrava-se o leito suntuoso do falecido. Uma enorme quantidade de peles
estava amontoada bem alta e por cima de todas encontrava-se a pele branca de
lobo, o símbolo da dignidade principesca, a qual Padraic não havia alcançado.
Aparentemente Nuado tinha apenas desejado que Seabhac desse uma olhada na moradia do sacerdote superior. Agora
ele caminhava novamente para o ar livre e Seabhac
o seguia, esclarecendo aos sacerdotes que o ar lhe era muito abafadiço. Lá fora
ele sentou-se sobre um acento de pedra e pediu aos sacerdotes para que fizessem
o mesmo. Depois disso, ele perguntou pelo que eles desejavam. Eles disseram
então que não conseguiam chegar a um acordo na escolha do novo druida superior.
Contudo, todos queriam curvar-se então a uma palavra do chefe da tribo.
— “Então ouvi o que o Pai Eterno vos quer
anunciar através de mim: Vós os druidas deveriam ter continuamente ligação com
Ele através de Seus servos luminosos, que vós denominais de deuses. Antigamente
isto também era assim, mas os druidas decaíram em uma sabedoria própria. Vede a
cabana de Padraic! Toda sorte de
animais se aninha lá dentro, com os quais ele havia realizado certas magias. Eu
não sei como se dá isso no que se refere a vós, nem quero saber a esse respeito
hoje. Mas eu exijo que toda essa imundice seja posta fora até amanhã. Puras
devem ser vossas cabanas, apenas então podeis também pensar novamente em serdes
puros, assim como vossos antepassados o foram. Não é por meio das vísceras dos
animais, do serpentear das cobras e do coaxar e saltitar dos sapos, que deveis
averiguar a vontade do Pai Eterno. Se vós o procurardes com o coração ele se
revelará a vós de outra forma. Podeis vos tornar novamente felizes e portadores
de bênçãos, se vós aprenderdes primeiramente de novo a trazer em vossas almas
uma imagem do Pai Eterno. E para que sejais capazes disso o Pai Eterno ordenou
que vós ainda não escolhêsseis nenhum druida superior. Vós deveis ser
instruídos todos os dias, até que o saber a respeito do Pai Eterno se encontre
novamente luminoso dentro de vós e à vossa frente. Apenas então o mais digno
entre vós deverá ser druida superior. O próprio Pai Eterno o determinará
através de mim. Quem dentre vós não quiser cooperar na ascensão dos druidas que
o diga. Ele pode partir desimpedido.”
Todos ficaram com as cabeças abaixadas,
contudo, ninguém se manifestou para partir.
— “Muito bem, então, assim começaremos
amanhã” encorajou Seabhac. “Hoje
tendes já muito o que fazer, a fim de por para fora de vossas habitações os
animais e toda sujeira, deixando que o ar fresco penetre nelas. A cabana do
sacerdote superior deve estar de tal forma vazia, que possamos realizar dentro
dela as instruções quando estiver chovendo.”
— “E como se dará com os alunos?” perguntou
um dos sacerdotes mais velhos. “Deverão eles participar das instruções?” Por um
momento Seabhac refletiu. Então, ele
decidiu: “Não, os alunos devem aprender convosco. Nós queremos elevar em
conjunto o status dos druidas, não degradá-lo aos olhos dos jovens. Deixai que
nos próximos dias eles busquem madeira, pesquem peixes e preparem os jardins,
enquanto eu vos estiver instruindo.”
Com essa perspectiva bondosa, Seabhac ganhou
ainda certos corações de sacerdotes que estavam fechados. Todos eles estavam
aflitos, mas muito mais por causa do fato que as instruções deveriam residir
nas mãos de uma pessoa que não era druida, do que pelo fato do Pai Eterno estar
irado. Pois, diante de Seabhac eles se sentiam humilhados.
Texto da série especial denominada: Escritos
Valiosos
Personagens e fatos processados dentro do
contexto deste episódio:
Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos,
que se situa como soberano de uma comunidade celta.
Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht
Muirne: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino
salva e aceita para proteção.
Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio
como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu
meio.
Nuado
Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos
Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e
que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh
perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse
o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou
"Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e
renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo
direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um
enteal de certa forma
importante em sua ligação com os seres humanos.
Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com
Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os
Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon
(galês).
Na
mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann
e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine
tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de
arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os
Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade
a quem o bebesse.
Brigit, é a Deusa dos
ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é
padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa
tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.
Lug: ou Lugh - filho de Cian
(Kian) dos Tuatha Dé Danann e Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos
Fomorianos). Comandou as forças dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag
Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura
extraordinária do Deus jovem irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado
à habilidade e à técnica; é conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes)
e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto
(Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes
galês.