Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas V
Sobre a vida dos Celtas – VI
Por
Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff
Anteriormente: Seabhac Habicht sustém a proibição – por exigência Divina – da prática do sacrifício
humano, no culto dos druidas, que se cumpre com a devoção na festa de lua
cheia, durante a qual muitos estão de acordo...
Todos davam algo particularmente próprio de seu
íntimo, e recebiam por isso as palavras do Pai Eterno.
Por fim soou também a voz de Taig, em que ao contrário de todas as
outras reuniões, fora o primeiro a se fazer ouvir. Ela soava infinitamente
autoconsciente e dava a impressão de como se ele rendesse uma graça ao Pai
Eterno por propor-se também a oferecer um sacrifício.
— “Pai Eterno, tu sabes que eu sou bom e
justo. Se eu deva te sacrificar algo para Te honrar, então tenho que procurar
muito tempo por isso, até que encontre algo semelhante aos que os outros te
ofereceram. Tu, porém, já tens o suficiente de coisas ruins, então permita que
Te presenteie algo de bom. Eu lanço sobre a pedra de sacrifícios a promessa de
Te dar a cada dia uma oração especial. Que a fumaça do fogo leve esta promessa
até Ti.”
Magníficas soaram as palavras. Aqueles que
haviam falado antes dele envergonharam-se de suas oferendas ruins. Então soou a
voz de Nuado (articulada por Seabhac
como médium), cortante e incisiva, penetrando dolorosamente nas almas:
— “Taig, o Pai Eterno não ouviu tuas
palavras. Ele só ouve as palavras e orações de Seus servos. Tu és, porém, propriedade
de Lug. O Pai Eterno não tem nada a
tratar contigo!”
Os ouvintes gelaram e estremeceram. Taig,
porém, irou-se. Sua mão buscou a arma que ele trazia enfiada ao seu cinto.
Cheio de raiva ele gritou para Seabhac:
— “Como ousas, Seabhac, falar de tal modo comigo? Eu sei, tu já tens há muito
tempo inveja de mim. Mas aqui próximo à pedra de sacrifícios de Deus não
precisas refrear tua vontade malévola. Que sabes tu de quem eu sou servo?”
Ele queria continuar a falar, mas ao redor
de Seabhac formou-se irradiante
luminosidade, ao lado de quem agora todos os presentes podiam ver Nuado de pé. A aparição do luminoso
fora tão poderosa que os homens curvaram involuntariamente os joelhos. Apenas
Taig manteve-se de pé e mirou a visão. Nuado, porém, falou:
— “Não foi Seabhac que vos transmitiu as palavras do Pai Eterno, mas fui eu, o
servo luminoso Dele, que vós denominais de Nuado,
quem falou através da boca dele para vós. O que eu vos falei é a vontade do Pai
Eterno para cada um de vós individualmente. Permanece Taig, valendo o que
falei. Se tu não renunciares a teu senhor, Lug, não poderás se achar um servo
do Pai Eterno. Vá para casa e principie uma nova vida com humildade e
obediência, senão nem serás capaz de existir diante do olhar do Pai Eterno.”
Todos se sentiram tocados, Taig deveria ser servo de Lug?!
Lug era, pois, o mal, aquele que procurava por toda a parte agir contra a Vontade do Pai Eterno! Lug era aquele que lançava as pessoas que nele confiavam numa ilimitada miséria. Isto era horrível!
Um ou outro entre eles começou a exclamar
devido a isso: “Aprofunda-te em ti, Taig!”
Os outros entoaram junto. E então soava em
conjunto: “Renuncia ao mal!” “Ora, Taig, ora! Nós queremos te auxiliar a orar!”
“Tu não deves te perder, Taig!”
Como um só homem, todos se encontravam ao
redor daquele que corria perigo. Esquecidos estavam que, ele os havia
aborrecido muitas vezes por sua arrogância. Perdoado estava o sofrimento que o
seu orgulho havia causado a muitos deles. Eles viam a perdição que se
aproximava dele e o queriam auxiliar fazendo com que ele a evitasse.
Feliz, Seabhac
olhou para seu povo. Contudo, tais exclamações atuaram de modo diferente sobre
Taig. Ele aprumou-se e exclamou: “Economizai vossa compaixão e vosso auxílio,
até que eu vos peça por eles!”
Então ele se virou e abandonou o local. Por
toda parte os homens retrocederam de lado, como se temessem algo através de seu
contato.
Enquanto ele não havia se distanciado
bastante, todos permaneceram em silêncio. Depois soou mais uma vez a voz de Nuado: “Agradecei ao Pai Eterno por Sua
grande graça, vós homens. Orai para que encontrem o que quereis depositar por
ocasião da próxima festa sobre a pedra de sacrifícios. Refleti todos vós de que
forma podereis tornar as festas mais solenes. Dizei-o então aos druidas, que
irão conversar com Seabhac. Ele, Seabhac, vosso príncipe é o mais
elevado servo do Pai Eterno entre vós.”
A festa havia terminado. Os sacerdotes
abandonaram o local, depois os homens separaram-se, pois não deveriam ser
realizadas conversações dentro das pedras. Seabhac
queria procurar Padraic para lhe
dizer uma palavra amigável, mas a voz do luminoso impediu-o a isso.
— “Esperai ainda” assim murmurou. “Ele
encontrará seu caminho de modo mais fácil, se não te encontrar agora.”
Alguns
dias mais tarde Seabhac saiu com
alguns servos para caçar. Agora era a vez dele obter carne para prover sua casa
e a dos seus vizinhos. Meinin,
porém, já havia pedido na noite anterior, para que ele esperasse ainda um, ou
ainda melhor, dois dias, pois ela previa algo ruim se ele partisse agora. Ele
riu bondosamente:
— “E o que os vizinhos irão pensar de mim se
eu adiar a saída para a caçada por causa de alguns pressentimentos receosos?
Nós partimos sempre na mesma época, quando a lua quer desaparecer. Nisso eu não
posso modificar nada. Mas fique tranquila, minha esposa, eu tenho sempre os
auxiliares do Pai Eterno em minha proximidade. Eu me alegro pela proteção
deles. Daí nada pode me acontecer. Em poucos dias eu estarei novamente
contigo.”
Apesar disso Meinin ergueu os olhos suplicantes para ele, quando de manhã ele
realmente montou seu ágil cavalo, o qual deveria levá-lo à floresta. Suavemente
ele balançou a cabeça.
— “Sede forte, Meinin, não te entregues a quaisquer pressentimentos. Eu voltarei
novamente!”
Alegremente ele partiu então dali seguido
pelos servos, os quais nada mais amavam além do que saírem com o seu senhor. Meinin, porém, retornou à cabana e colocou
sobre seu colo a grande armação de tecer, no qual ela havia principiado a fazer
algo. Ela havia prometido a Sile (sua
cunhada) e as suas amigas, mostrar-lhes sua aptidão. Ambas as mulheres logo
haveriam de vir.
Nessa tribo ainda não se conhecia o tecer,
enquanto que na pátria de Meinin,
isto era uma dádiva de cada mulher. Ela se alegrava por poder ensinar algo de
novo e auxiliar as mulheres. Aplicadamente ela movimentava um pedacinho de
madeira para lá e para cá com um fio, seus pensamentos, porém, seguiam Seabhac e, involuntariamente, ela ouviu
vindo do “clip clap” do tecer, as palavras: “Auxilia-o!”
Então ela ergueu o coração e as mãos para o
alto, ao Pai Eterno, e suplicou por proteção àquele que havia partido tão
despreocupadamente.
(continua)
Texto da série especial denominada: Escritos
Valiosos
Personagens e fatos processados dentro do
contexto deste episódio:
Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos,
que se situa como soberano de uma comunidade celta.
Muirne: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino
salva e aceita para proteção.
Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio
como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu
meio.
Nuado
Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos
Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e
que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh
perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse
o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou
"Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento;
irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo
direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um
enteal de certa forma
importante em sua ligação com os seres humanos.
Lug: ou Lugh - filho de Cian (Kian)
dos Tuatha Dé Danann e Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos
Fomorianos). Comandou as forças dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag
Tuireadh (Moytura) contra os Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura
extraordinária do Deus jovem irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado
à habilidade e à técnica; é conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes)
e Lugh Lámhfhada (de mão comprida). Raiz da palavra gaélica que significa
Agosto (Lúnasa), isto é, Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw
Gyffes galês.