Falecido
por Abdrushin
Solitária e sem compreender nada se encontra uma alma no recinto
de morte. Sem compreender nada, porque o ser humano que jaz no leito
recusou-se, em sua vida terrena, a acreditar na continuação da vida após deixar
o corpo de matéria grosseira, o qual, por isso, jamais se ocupou seriamente com
o pensamento, e zombava de todos que falavam a tal respeito. Confuso, olha ao
seu redor. Vê a si próprio no seu leito de morte, vê em volta pessoas
conhecidas que choram, ouve as palavras que elas dizem, e provavelmente sente
também a dor que elas intuem nas lamentações por ele haver morrido. Tem vontade
de rir e clamar que ainda vive! Chama! E tem de notar, admirado, que não o
ouvem. Repetidamente chama alto e cada vez mais alto. As pessoas não escutam,
continuam a lamentar. Medo começa a brotar nele. Pois ouve, bem alto, a sua
própria voz e sente também distintamente o seu corpo. Mais uma vez grita
angustiadamente. Ninguém lhe dá atenção. Olham, chorando, para o corpo inerte
que ele reconhece como sendo o seu, e o qual, no entanto, considera de repente
como sendo algo estranho, que não lhe pertence mais; pois se encontra com seu
corpo ao lado, livre de toda a dor que até então sentia.
Com amor chama então o nome de sua mulher,
ajoelhada ali rente ao que até agora era seu leito. Mas o choro não cessa,
nenhuma palavra, nenhum movimento denota que ela o ouviu. Desesperado,
aproxima-se dela, sacode-a rudemente pelo ombro. Ela não percebe. Ele não sabe,
pois, que tocou no corpo de matéria fina da esposa, sacudindo-o, e não no de
matéria grosseira, e que sua esposa, que igual a ele nunca pensou existir algo
mais do que o corpo terreno, também não pode sentir o toque em seu corpo de
matéria fina.
Um indizível sentimento de medo deixa-o
estremecer. A fraqueza do desamparo oprime-o até o chão, sua consciência
desvanece.
Através de uma voz que ele conhecia, desperta de
novo lentamente. Vê o corpo que usava na Terra, deitado, rodeado de flores. Ele
quer ir embora, mas lhe é impossível desvencilhar-se daquele corpo frio e
imóvel. Percebe nitidamente que ainda se acha ligado a ele. E eis que torna a
ouvir a voz que o despertara do dormitar. Trata-se de seu amigo que conversa
com outra pessoa. Ambos trouxeram uma coroa funerária e, enquanto a depositam,
conversam. Ninguém mais está junto dele. O amigo! Quer se fazer notar por ele e
pelo outro, que com o amigo muitas vezes fora seu querido hóspede! Tem de
dizer-lhes que nele a vida, esquisitamente, ainda continua, que ainda pode
ouvir o que as pessoas falam. Chama! Todavia, calmamente o seu amigo se volta
para o acompanhante e continua a falar. Mas o que ele fala perpassa-lhe
como um susto através de seus membros. É esse o seu amigo! Assim ele
fala dele agora. Escuta, estarrecido, as palavras dessas pessoas, com as quais
tantas vezes bebeu e riu, que só lhe diziam coisas boas enquanto comiam à sua
mesa e freqüentavam sua casa hospitaleira.
Foram-se, chegaram novamente outros. Como podia
agora reconhecer as pessoas! Tantas, a quem tinha em alta consideração, agora,
só lhe despertavam asco e ira, enquanto que outras, a quem nunca dera atenção,
de bom grado teria apertado a mão com gratidão. Mas elas não o ouviam, não o
sentiam, apesar de ele se exaltar, gritar, a fim de provar que estava vivo! —
Com enorme acompanhamento conduziram então o
corpo à sepultura. Estava sentado, como que cavalgando, no próprio ataúde.
Amargurado e desesperado, agora somente ainda conseguia rir, rir! O riso,
porém, logo deu lugar ao mais profundo desalento, e imensa solidão lhe
sobreveio. Cansou-se, dormiu. — — — —
Ao acordar, escuro estava à sua volta. Não sabia
quanto tempo havia dormido. Sentia, todavia, que já não podia mais estar ligado
como até então ao seu corpo terreno; pois estava livre. Livre na escuridão que
lhe pesava de modo estranhamente opressor.
Chamava. Nenhum som. Não ouvia sua própria voz.
Gemendo, caiu para trás. Contudo, bateu aí fortemente com a cabeça numa pedra
pontiaguda. Quando, após longo tempo, tornou a acordar, havia ainda a mesma
escuridão, o mesmo silêncio lúgubre. Queria levantar rápido, mas os membros
estavam pesados e recusavam-se a servi-lo. Com toda a força, proveniente do
mais angustiado desespero, levantou-se e cambaleou, tateando para lá e para cá.
Muitas vezes caía no chão, feria-se, batia-se também pela direita e pela
esquerda, em pontas e cantos, mas algo não lhe dava sossego para aguardar; pois
um forte impulso forçava-o continuamente a avançar às apalpadelas e a procurar.
Procurar! Mas o quê? Seu pensar estava confuso, cansado e sem esperanças.
Procurava algo que não podia compreender. Procurava!
Impulsionava-o para diante, sempre para diante!
Até novamente cair, para de novo levantar-se e retomar as caminhadas. Passaram-se
anos assim, decênios, até que finalmente lhe sobrevieram lágrimas, soluços
estremeceram seu peito e... um pensamento se desprendeu, uma súplica, qual
grito de uma alma exausta, que deseja um fim para o sombrio desespero. O grito
do mais desmedido desespero e da dor sem esperança trouxe, no entanto, o
nascimento do primeiro pensar no desejo de sair daquele estado. Procurou
reconhecer o que o conduziu a esse estado tão pavoroso, o que o obrigou tão
cruelmente a perambular pela escuridão. Apalpou em redor: rochas ásperas! Seria
a Terra ou talvez, sim, o outro mundo no qual jamais pôde acreditar? O outro
mundo! Então estava morto terrenamente e, no entanto, vivia, se é que quisesse
chamar de viver a esse estado. O pensar tornou-se imensamente difícil. Assim
cambaleava adiante, procurando. Anos decorreram novamente. Para fora, fora
dessa escuridão! Esse desejo tornou-se um impulso impetuoso, do qual se formou
saudade. Saudade, no entanto, é o intuir mais puro que se desprende do impulso
grosseiro, e da saudade brotou timidamente uma oração. Essa oração de saudade
eclodiu por fim dele, semelhante a uma fonte, e silenciosa e benéfica paz,
humildade e sujeição entraram com isso em sua alma. Mas quando ele se levantou
para continuar suas caminhadas, eis que uma correnteza de intenso vivenciar
percorreu seu corpo; pois crepúsculo rodeava-o agora, de súbito podia ver!
Longe, bem longe percebeu ele uma luz, igual a um archote, que o saudava.
Jubilosamente estendeu os braços naquela direção, tomado de profunda felicidade
prostrou-se novamente e agradeceu, agradeceu com o coração a transbordar,
Àquele que lhe concedeu a luz! Com nova força caminhava então em direção a essa
luz, que não se aproximava dele, mas que ainda assim esperava alcançar, após o
que vivenciara, mesmo que levasse séculos. O que agora lhe sucedeu podia
repetir-se e conduzi-lo finalmente para fora do amontoado de pedras, para um
país mais cálido e raiado de luz, se humildemente implorasse por isso.
“Meu Deus, ajuda-me para isso!” brotou aflito do
peito cheio de esperanças. E que prazer, novamente ouviu sua voz! Mesmo que
inicialmente apenas fraca, contudo ouvia! A felicidade que sentiu deu-lhe novas
forças e, esperançoso, tornou a seguir adiante. — —
Assim o início da história duma alma no mundo de
matéria fina. A alma não poderia ser denominada má. Na Terra até era
considerada muito boa. Um grande industrial, muito atarefado, esforçado em
cumprir fielmente todas as leis terrenas. —
A respeito desse processo, um esclarecimento
ainda: o ser humano que durante sua existência terrena nada quer saber de que
depois da morte ainda há vida e que será obrigado a responsabilizar-se por
todas as suas ações, em sua espécie, a qual não está de acordo com o ponto de
vista terreno atual, é cego e surdo na matéria fina, quando tiver que passar
para o outro lado. Somente enquanto permanecer ligado, por dias ou semanas, ao
seu corpo de matéria grosseira que deixou, consegue temporariamente também
perceber o que acontece à sua volta.
Tão logo, porém, fique livre do corpo de matéria
grosseira em decomposição, perde tal possibilidade. Não ouve nem vê mais nada.
Não se trata de um castigo, mas de algo absolutamente natural, porque não quis
ver nem ouvir nada do mundo de matéria fina. Sua própria vontade, capaz de
rapidamente formar a matéria fina correspondentemente, é que impede que seu
corpo de matéria fina possa ver e também ouvir. Até que se manifeste,
lentamente, uma alteração nessa alma. Se isso, agora, demorar anos, decênios,
talvez séculos, é assunto particular de cada pessoa. A sua vontade lhe é
deixada integralmente. Também o auxílio chega para ela somente quando ela
própria o almejar. Não antes. Nunca será forçada a isso.
A luz que essa alma, que adquiriu visão, saudou
com tamanha alegria, sempre esteve lá. Só que antes ainda não podia vê-la. Ela
também é mais clara e mais forte do que a alma, até então cega, inicialmente a
vê. O modo pelo qual a vê, se forte, se fraca, depende novamente dela
exclusivamente. Ela não vem nenhum passo ao seu encontro, mas está lá! Poderá usufruí-la
a qualquer momento, bastando desejá-lo de maneira humilde e sincera.
Mas isso que aqui esclareço só se refere a essa
uma espécie de almas humanas. Não, porém, a outras. Nas próprias trevas e
em suas planícies não se encontra luz. Lá não é válido que aquele, que progride
em si, possa de repente ver a luz, mas sim, para isso, primeiramente tem de ser
conduzido para fora do ambiente que o retém.
Certamente a situação dessa alma, aqui apreciada,
já é de ser qualificada de angustiosa, principalmente porque está tomada de
grande pavor e não tem em si qualquer esperança, contudo, ela mesma não havia
desejado de outra forma. Recebe apenas aquilo que forçou para si. Não quis
saber nada da vida consciente após o falecimento terreno. A própria continuação
da vida, a alma não pode com isso eliminar para si; pois sobre isso ela não
pode dispor, porém, constrói para si mesma uma esfera estéril de matéria fina,
paralisa os órgãos sensoriais do corpo de matéria fina, de modo a, na matéria
fina, não poder ver nem ouvir, até que... finalmente ela modifique sua
opinião.
São essas as almas que hoje são vistas aos
milhões sobre a Terra, ainda classificáveis de decentes, não obstante
nada quererem saber da eternidade ou de Deus. As de má vontade, naturalmente,
passam pior, no entanto, delas não falaremos aqui, mas apenas das assim
chamadas criaturas humanas decentes. —
Quando, pois, se diz que Deus estende Sua mão em auxílio,
isso se dá na Palavra que Ele envia às criaturas humanas, na qual lhes
mostra de que modo podem libertar-se da culpa em que se emaranharam. E Sua
graça se acha de antemão em todas as grandes possibilidades concedidas aos
espíritos humanos na Criação para utilização. Isso é tão imenso, como não pode
o ser humano de hoje imaginar, porque jamais se ocupou com isso, não de maneira
suficientemente séria; pois lá, onde tal se deu, foi apenas de modo pueril ou
para fins de vaidosa auto-elevação!
No entanto, assim que os espíritos humanos
reconhecerem na Palavra de Deus o verdadeiro valor, sua profunda seriedade,
realizarão grandes feitos em toda a Criação! Até agora preferiram sempre apenas
o seu próprio saber e, por isso, tudo ficou obra incompleta do mais baixo grau
em relação ao conteúdo da Palavra de Deus, que também hoje, novamente não
reconhecido, querem colocar de lado; pois nenhum ser humano sabe do verdadeiro
valor da Mensagem do Graal. Nem um único na Terra. Mesmo quando ele julga
conhecer o sentido, mesmo quando já intui espiritualmente as vantagens que
conquistou para si no reconhecimento parcial... ele não o conhece, o
real valor, não o assimilou ainda nem em sua centésima parte! Isso digo eu, que
trago esta Mensagem. Vós não sabeis o que tendes com isso em mãos!
Ela é o caminho, o portal e também a chave, que
vos conduz para a vida. Para a vida, que não pode ser avaliada nem
adquirida com todos os tesouros desta Terra, todos os tesouros de todo o
Universo! Hauri, pois, da Mensagem que vos é oferecida. Tomai do
tesouro, do mais precioso que podeis encontrar. Agarrai-o, como ele é, mas não
procurai nele e não sofismai a respeito dele. Procurar e
interpretar nele não traz nenhum valor. Não é esta Mensagem que
deveis vos tornar compreensível, mas vosso trabalho é de simplesmente criar
para ela um lugar no centro de vossa alma. Lá deveis procurar,
deveis interpretar, para encontrar o que não ajuda a ornamentar o recinto,
quando esta Mensagem der entrada em vós! Vós deveis descobrir o que ainda
atrapalha nesse recinto que dentro de vós tem de se tornar um templo. Criai
esse templo dentro de vós, sem nisso tocar em minha Mensagem e todos, que assim
agirem, também serão auxiliados! — — — —
Dissertação nº 41 da obra: Na Luz da Verdade – Edição original de 1931