A
Morte
por Abdrushin
Algo em que todas as pessoas crêem, sem exceção, é a morte! Cada
uma está convicta de sua chegada. Esse é um dos poucos fatos sobre o qual não
reina qualquer controvérsia e qualquer ignorância. Muito embora todos os seres
humanos contem, desde a infância, com o fato de ter de morrer um dia, a
maioria, no entanto, sempre procura afastar tal pensamento. Muitos até se
enfurecem, quando alguma vez se fala disso em sua presença. Outros, por sua
vez, evitam cuidadosamente visitar cemitérios, desviam-se de enterros e
procuram o mais depressa possível desfazer novamente qualquer impressão, se
porventura uma vez encontram um féretro na rua. Nessa oportunidade, oprime-os
sempre um medo secreto de que um dia poderiam ser repentinamente surpreendidos
pela morte. Medo indefinido impede-os de se aproximarem com pensamentos sérios
desse fato inamovível.
Certamente não existe nenhum outro acontecimento
que, apesar de sua inevitabilidade, seja sempre de novo posto tão de lado, em
pensamento, como a morte. Mas também certamente nenhum acontecimento tão
importante existe na vida terrena, a não ser o nascimento. É, contudo, notório
que o ser humano queira ocupar-se tão pouco exatamente com o começo e o fim de
sua existência terrena, ao passo que a todos os outros acontecimentos, mesmo às
coisas de importância totalmente secundária, procure emprestar significação
profunda. Investiga e perscruta todos os episódios intermediários com mais
afinco do que aquilo que lhe daria esclarecimento de tudo: o começo e o fim de
sua peregrinação terrena. Morte e nascimento são tão estreitamente ligados,
porque um é consequência do outro.
Quão pouca seriedade, porém, é dedicada já à
geração! Talvez em mui raros casos encontra-se a tal respeito algo digno do ser
humano. Justamente nesse ato é que os seres humanos preferem se identificar com
os animais, e não conseguem, contudo, manter a inocência destes. Isso resulta
numa atitude inferior à do animal. Pois este atua conforme o seu degrau,
que ocupa na Criação. O ser humano, porém, não consegue ou não quer respeitar o
degrau que lhe compete. Desce mais profundamente e então se admira quando a
humanidade inteira em vários sentidos pouco a pouco vai decaindo. Já os hábitos
dos casamentos são todos orientados para considerar a união conjugal apenas
como um fato puramente terreno. Em muitos casos, chega até a tal ponto, que
pessoas de índole séria se afastam com asco diante de pormenores inequívocos
que visam apenas relações terrenas. Os festejos de núpcias em meios sociais
baixos, como também em mais elevados, degeneraram em muitos casos apenas a
festas de verdadeira alcovitagem, de cuja freqüência todos os pais, conscientes
de sua alta responsabilidade, deviam proibir aos filhos com a maior severidade.
Moços e moças, porém, que ante tais costumes e alusões durante uma tal festa
não sentem surgir em si o asco e, por esse motivo, face à sua própria
responsabilidade pela sua conduta, não permanecem afastados, já podem de
qualquer modo ser tidos na conta de pertencerem ao mesmo baixo nível, portanto,
não podem mais ser levados em consideração por ocasião de uma avaliação. É como
se também nessa contingência as criaturas humanas procurassem, numa envenenada
embriaguez, enganar-se a si mesmas sobre algo em que não querem pensar.
Se a vida terrena é, então, construída em bases
tão levianas, conforme já se tornou hábito e costume, pode-se compreender que
os seres humanos também procurem iludir-se em relação à morte, esforçando-se
obstinadamente para não pensar nela. Esse afastar-se para longe de todos os pensamentos
sérios está em íntima ligação com a própria posição decadente no ato da
procriação. O medo indefinido, que como uma sombra acompanha o ser humano
durante toda a vida terrena, decorre em grande parte da noção plena de todo o
mal dos atos levianos que degradam as criaturas humanas. E quando elas não
podem de modo algum adquirir tranqüilidade de outra forma, agarram-se por fim
de maneira obstinada e artificial à auto-ilusão de que tudo se acaba com a
morte, com o que testemunham plenamente a consciência de sua mediocridade e sua
covardia ante uma eventual responsabilidade, ou se agarram à esperança de que
também não são muito piores do que outras pessoas.
Mas todas essas imaginações não alteram um mínimo
grão sequer do fato que a morte terrena se lhes aproxima. A cada dia, a cada
hora chega mais perto! É lastimoso ver, muitas vezes, quando, nas derradeiras
horas da maioria daqueles que procuravam com teimosia negar uma
responsabilidade numa continuação da vida, começa o grande e angustioso
perguntar, que prova como chegam a duvidar repentinamente da própria convicção.
Mas isso então não lhes pode valer muito; pois novamente é apenas covardia que
pouco antes do grande passo para fora da existência terrena os faz ver diante
de si, de chofre, a possibilidade de uma continuação da vida e, juntamente com
essa, uma responsabilidade. Contudo, o medo, a angústia e a covardia permitem
tão pouco a redução ou o resgate da incondicional reciprocidade de todas as
ações quanto a teimosia. Um compreender, isto é, um chegar ao reconhecimento,
igualmente não se processa dessa maneira. Devido ao medo, a astúcia de seu
intelecto, tantas vezes posta à prova na vida terrena, ainda nas últimas horas,
aplica um golpe danoso nos moribundos, procurando repentinamente, em sua costumeira
precaução, deixar a criatura humana tornar-se ainda, rapidamente, beata no
sentido intelectual, assim que a separação do ser humano de matéria fina, que
continua a viver, do corpo de matéria grosseira já tenha alcançado um grau tão
adiantado, que a vida intuitiva nesse desenlace se iguala ao vigor do
intelecto, ao qual até aí esteve subordinado à força.
Dessa forma nada lucram! Colherão o que durante a
sua vida terrena semearam por meio de pensamentos e ações. Nem a mínima coisa é
com isso melhorada ou sequer modificada! Irresistivelmente serão arrastados
para as engrenagens das leis da reciprocidade em severa atuação, a fim de nelas
vivenciarem no mundo de matéria fina tudo aquilo que erraram, isto é, pensaram
e fizeram por convicção errônea. Têm toda a razão para temer a hora do
desenlace do corpo terreno de matéria grosseira, que por algum tempo
serviu-lhes de anteparo protetor contra muitos acontecimentos de matéria fina.
Essa parede protetora foi-lhes dada como escudo e abrigo por um tempo, para que
por trás dela pudessem modificar, em sossegada tranqüilidade, muita coisa para
melhor, e até remir totalmente aquilo que, sem essa proteção, pesadamente
deveria tê-los atingido.
Duplamente triste, sim, dez vezes triste é para
aquele que, em leviana auto-ilusão, passa cambaleando, como que em estado de
embriaguez, por essa época de graças de uma existência terrena. A angústia e o
pavor são, portanto, justificados em muitos deles.
Bem diverso com os que não desperdiçaram a sua
existência terrena, que ainda em tempo certo, mesmo que em hora tardia, mas não
por medo e pavor, tomaram o caminho da ascensão espiritual. Levam consigo sua
procura sincera como bastão e apoio para o mundo de matéria fina. Podem sem
receio e apreensão empreender o passo da matéria grosseira para a matéria fina,
o qual é inevitável para cada um, visto que tudo o que é efêmero, como o corpo
de matéria grosseira, também uma vez tem de perecer. Podem saudar a hora deste
desligamento, pois constitui para eles um progresso absoluto, não importando o
que terão de vivenciar na vida de matéria fina. Então o que é bom os tornará
felizes, o pesado lhes será surpreendentemente facilitado; pois aí a boa
vontade auxilia mais vigorosamente do que jamais supunham.
O próprio processo da morte nada mais é do que o
nascimento para o mundo de matéria fina. Semelhante ao processo do nascimento
para o mundo de matéria grosseira. Durante algum tempo, depois do desenlace, o
corpo de matéria fina permanece ligado ao corpo de matéria grosseira, como por
um cordão umbilical, que é tanto mais frouxo quanto mais elevado o assim
nascido para o mundo de matéria fina já tiver desenvolvido sua alma na
existência terrena em direção ao mundo de matéria fina, como transição para o
Reino de seu Deus. Quanto mais, por sua vontade, ele próprio acorrentou-se à
Terra, portanto, à matéria grosseira, e assim nada quis saber da continuação da
vida no mundo de matéria fina, tanto mais firmemente constituído, por
conseguinte, devido à sua própria vontade, será agora esse cordão, que o liga
ao corpo de matéria grosseira e, com isso, também ao seu corpo de matéria fina,
do qual ele necessita como vestuário do espírito no mundo de matéria fina. Mas
quanto mais espesso for seu corpo de matéria fina, tanto mais pesado será ele
segundo as leis vigentes, e tanto mais escuro também terá de parecer. Em
virtude dessa grande semelhança e achegado parentesco com tudo o que é de
matéria grosseira, ser-lhe-á também muito difícil separar-se do corpo de
matéria grosseira, acontecendo, pois, que tal pessoa tenha também de sentir
ainda as últimas dores corpóreas da matéria grosseira, bem como toda a
desintegração durante a decomposição. Na cremação, tampouco fica insensível.
Depois da separação definitiva desse cordão de ligação, porém, ela desce no
mundo de matéria fina até o ponto em que o seu ambiente tem idêntica densidade
e peso. Lá encontra então, na mesma gravidade, também somente os de índole
idêntica. É compreensível que ali seja pior do que no corpo de matéria
grosseira na Terra, porque no mundo de matéria fina todas as intuições são
vividas de modo total e sem entraves.
Diferente é com os seres humanos que já na vida
terrena iniciaram a ascensão para tudo quanto é mais nobre. Devido ao fato
desses trazerem vivamente em si a convicção do passo para o mundo de matéria
fina, a separação também é muito mais fácil. O corpo de matéria fina e com ele
o cordão de ligação não é denso, e essa diferença, em sua heterogeneidade
recíproca com o corpo de matéria grosseira, deixa também o desligamento
efetuar-se mui rapidamente, de modo que o corpo de matéria fina, durante toda a
chamada agonia ou últimas contrações musculares do corpo de matéria grosseira,
já há muito se encontra ao lado deste, se aliás se possa falar de agonia
num falecimento normal de uma tal pessoa. O estado frouxo, pouco denso do
cordão de ligação não permite que o ser humano de matéria fina, que se encontra
ao lado, sofra a mínima dor, porque esse tênue cordão de ligação não pode, em
seu estado pouco denso, constituir qualquer transmissor de dor da matéria
grosseira à matéria fina. Esse cordão, em consequência de sua maior delicadeza,
rompe também a ligação de modo mais rápido, de maneira que o corpo de matéria
fina se liberta totalmente num prazo muito mais curto, ascendendo então para
aquela região constituída da idêntica espécie, mais fina e mais leve. Lá, ele
também somente poderá encontrar os de índole idêntica, recebendo paz e
felicidade na vida intuitiva mais elevada e boa. Um tal corpo de matéria fina,
leve e menos denso, mostrar-se-á naturalmente também mais luminoso e mais
claro, até atingir por fim tal refinamento, que o puro espiritual nele
existente comece a irromper de modo fulgurante, antes de entrar no puro
espírito-enteal de modo totalmente luminoso-irradiante.
Sejam, porém, advertidas as pessoas que rodeiam
um moribundo, para que não irrompam em altas lamentações. Pela dor da separação
exageradamente manifestada pode a criatura humana de matéria fina, que se acha
em vias de desligamento ou talvez já se encontre do lado, ser atingida, isto é,
ouvir ou sentir isso. Se nela despertar, desse modo, a compaixão ou o desejo de
dizer ainda palavras de consolo, esse ensejo ligá-la-á de novo, mais
fortemente, com a necessidade de se manifestar de modo compreensível aos
que se lamentam cheios de dor. Apenas pode fazer-se entender terrenalmente ao
utilizar-se do cérebro. O anseio, porém, acarreta a estreita ligação com o
corpo de matéria grosseira, condiciona-a, resultando por isso, como
conseqüência, que não somente um corpo de matéria fina que ainda se acha em
vias de desligamento se una de novo mais estreitamente ao corpo de matéria
grosseira, mas que também uma criatura humana de matéria fina que já se
encontra desligada e ao lado, seja mais uma vez atraída de volta ao corpo de
matéria grosseira. O resultado final é o retorno a todas as dores, das quais já
estava liberta. O novo desenlace ocorre então de modo bem mais difícil, podendo
mesmo durar alguns dias. Ocorre então a assim chamada agonia prolongada, que se
torna realmente dolorosa e difícil para quem queira se desligar. Culpados são
todos quantos, com suas lamentações egoísticas, fizeram-na retroceder do seu
desenvolvimento natural. Devido a essa interrupção do curso normal, deu-se uma
nova ligação forçada, mesmo que seja apenas através da fraca tentativa de uma
concentração para se fazer entender. E dissolver novamente essa ligação
antinatural não é tão fácil para aquele que nisso ainda é totalmente
inexperiente. Auxílios, aí, não lhe podem ser dados, visto que ele próprio quis
a nova ligação. Essa ligação pode estabelecer-se facilmente, enquanto o corpo
de matéria grosseira ainda não tenha esfriado de todo e o cordão de ligação
exista, o qual muitas vezes somente se rompe após muitas semanas. Portanto, um
martírio desnecessário para aquele que passa para o outro lado, uma falta de
consideração e crueldade dos que se encontram em redor. Por isso, num recinto
de morte, deve imperar absoluta calma, uma seriedade condigna, correspondente à
hora tão significativa! As pessoas, que não podem dominar-se, deveriam ser
afastadas à força, mesmo que sejam os parentes mais próximos.
Dissertação
nº 40 da obra: Na Luz da Verdade – Edição original de 1931