Sobre
a vida dos Celtas
por Charlotte von Troeltsch e Suzanne
Schwartzkoff
O mar
lançava suas ondas espumando e bramindo contra a costa rochosa. Este molhava e
respingava as pedras lisas com milhares de pingos, os quais eram retidos pelo
musgo que se encontrava entre as pedras. De forma maravilhosamente verde
reluzia o musgo nos raios do sol do meio dia.
De tempo em tempo pássaros voavam para lá,
pousando ali onde podiam encontrar um lugar para descansar e picar zelosamente
o musgo. Eram pássaros belos, branco-acinzentados, com asas grandes, olhos claros
e com um bico um pouco curvo. Cada vez mais e mais eles se reuniam,
comprimindo-se uns aos outros, procurando apoio ou por um sentimento de
pertencer ao conjunto.
De repente alguns se puseram a ouvir
atentamente: um novo ruído podia ser percebido. Não vinha do mar, mas as pedras
soltavam nitidamente um som do lado da praia. Um grito de advertência: e todos
os pássaros lançaram-se ao ar, como uma grande nuvem branco-prateada, ainda
antes que o homem, que havia ocasionado esse voo impetuoso, pudesse ser
avistado.
Agora ele contornava o recife. Era um grande
e distinto homem de pele bem clara e cabelos avermelhados e encaracolados, os
quais brilhavam como ouro no sol. Na mão forte e branca ele trazia a lança de
caçar, que ao mesmo tempo parecia lhe servir como apoio nas peregrinações.
Suas vestes eram nobres. Ele tinha calças
longas, em cima mais largas, embaixo estreitas, as quais envolviam a parte de
baixo de sua figura, enquanto que a parte superior do corpo estava coberta por
uma apertada jaqueta, a qual tinha mangas especialmente largas. Sobre o tecido
estavam pintadas figuras coloridas: um grande sol amarelo, alguns círculos
vermelhos cortados por pretos.
Abaixo do queixo a jaqueta estava trabalhada
em ouro formando colarinho. O adorno trazia no centro uma pedra preciosa, tão
azul como os olhos do homem.
Ele pôs-se então de pé, sobre uma pedra
abandonada a pouco pelos pássaros e sentia sobre a mesma o calor do sol captado
por ela, por meio dos pés descalços.
— “Pai Eterno a Ti agradeço” disse ele em meia
voz com o olhar alegre para o céu “por Tu nos enviardes diariamente sempre de
novo Tua grande luz para nos vivificar e nos aquecer.”
Protetoramente ele colocou então a mão
fazendo sombra nos olhos e olhava distante.. Pequenas e leves nuvens andavam
pelo céu azul, uma delas parecia mais clara do que as outras. Rapidamente ela
aumentou de tamanho, enquanto que, ao mesmo tempo, parecia se aproximar. O
homem aproximou-se ainda mais da beirada da pedra, tudo nele era uma tensa
expectativa.
Então era como se a nuvem o envolvesse por
um breve momento. Depois disso, ela desaparecera. Ao seu lado, porém,
encontrava-se um grande ser luminoso com forma humana.
Ambos cumprimentaram-se, eles pareciam já se
conhecerem bem.
— “Seabhac, Habicht” falou o luminoso ao
homem que aguardava. “Tu fizestes o certo ao terdes atentado ao meu chamado e
vindo até aqui.”
— “Sabes algo de novo para mim, Nuado
Silberhand?” perguntou Seabhac ansioso. “Passaram-se algumas luas desde a
última vez que eu pude te ver. Eu receei que tu não viesses mais.”
— “Ainda não chegou a hora ser humano para a
grande obra que tu deves realizar segundo a vontade do Pai Eterno. Assim também
não é necessário que eu te procure mui frequentemente. Tu tens Gobban que vos
instrui. Ele também pode relatar a respeito de mim assim que houver algo a
comunicar.”
Serena e equilibradamente soava a voz no
ouvido interior de Seabhac, desempenhando uma influência aliviadora sobre a
impetuosidade. Nuado partiu com passos leves, os quais mal pareciam tocar o
solo, indo terra adentro, onde uma belíssima floresta de carvalhos propiciava
sombra e quietude.
Com passos rápidos que testemunhavam força
humana o homem o seguiu. Ele que era chefe de uma grande tribo de celtas. Ele
mantivera o coração e os sentidos puros, assim como lhes haviam sido
presenteados outrora pelo Pai Eterno. Por isso, em tudo o que ele realizava,
podia se alegrar com a assistência dos elevados servos Dele. Estes lhe eram
familiares, bem como os pequenos, que labutavam na floresta, na água e no ar.
Sorrindo Seabhac olhou agora para alguns
desses pequenos seres, que se esforçavam zelosamente por seu guia, o luminoso
Silberhand, a fim de preparar um local para descanso.
Um aceno de Nuado fez com que eles se
retirassem para suas fendas e seus esconderijos, e Seabhac sentou-se sobre o
monte de terra chamado pelo povo de Monte dos Elfos. Atentamente ele ouvia o
que Nuado tinha para lhe instruir. Ele lhe dizia que o Pai Eterno não mais iria
tolerar os sacrifícios humanos.
— “Já desde anos nós apenas sacrificamos
presos inimigos”, defendeu-se Seabhac. “É-nos repugnante sacrificar
companheiros da tribo sobre o altar.”
— “Então permiti que vossa repugnância
cresça ainda mais, de modo que ela também não queira mais sacrificar os
inimigos” aconselhou Nuado. “Não agrada ao Pai Eterno essas mortes. Vós não
fazeis o certo, querendo averiguar a vontade do Pai Eterno por meio das
contrações daquele que está morrendo ou pelo tamanho e pela forma de seu
coração. Isto é uma transgressão ao Mandamento do Pai Eterno: Não
causai sofrimento a nenhuma criatura. Tu não sabes como podes realmente
tomar conhecimento de forma autêntica sobre sua vontade?
Os olhos do ente luminoso penetraram qual
raios na alma do interrogado e despertaram lá a resposta: “Em minha alma
repousa o saber a respeito dos Mandamentos do Pai Eterno. Se eu ouvir de forma
pura e alegre dentro de mim, então eu ouvirei o que Ele espera de mim. Desta
forma tu me ensinaste. Assim eu faço sempre que estou em dúvida.”
O homem havia dito isto de forma totalmente
simples e natural. lhe Havia se tornado vivência o que Silberhand o havia
comunicado outrora.
— “Contudo, ainda parece não te bastar, se
tu ainda necessitas de mais confirmações por meio de perguntas a respeito dos
sacrifícios” criticou suavemente o ser luminoso.
— “Não sou eu quem interroga a respeito dos
sacrifícios, são os druidas que o fazem. Eles dizem que devido à sua dignidade
sacerdotal eles têm de agir assim, pois do contrário os homens não mais
acreditariam neles.”
— “Seabhac responda: Quem é o príncipe e o
chefe em vosso reino, tu ou os druidas?”
— “Ainda sou eu” exclamou o homem e bateu
fortemente com a lança no solo macio da floresta, de modo que a enfiou um bom
pedaço terra adentro. Ele não percebeu isso. “Ainda sou eu, e eu não quero ver
aquele que quiser se voltar contra mim.”
— “Os druidas vão se voltar contra ti, ser
humano” instruiu-lhe Silberhand e sua tranquilidade atuou momentaneamente sobre
o chefe. “Se tu deixar eles procederem e imperarem como eles quiserem, então
isto é uma prova que tu obedeces mais a eles do que ao Pai Eterno. Então o Pai
Eterno retirará Sua poderosa mão de ti. E depois os druidas tornar-se-ão os
senhores do reino Celta e não apenas sobre o teu.”
Seabhac ficou fortemente assustado. Ele
sabia que o que Nuado dizia era a mais pura Verdade oriunda do Pai Eterno.
(continua)
Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos