Para leitura do trecho anterior: Sobre a Vida dos Celtas
Sobre a vida dos Celtas – II
Por Charlotte
von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff
Anteriormente: Nuado Silberhand (o ente luminoso) trouxera pela
mensagem do alto, que estava proibida a prática do sacrifício humano, no culto
dos druidas...
— “Então eu tenho de enfrentar os druidas e
lhes proibir os sacrifícios?” perguntou Seabhac hesitantemente. “Eles
revoltar-se-ão e predirão coisas terríveis contra mim.”
— “Oh, tu, tolo ser humano!” acusou-o Nuado.
“Por tuas próprias palavras tu te julgas! Se tu supões que, por raiva, eles
predigam algo contra ti que possa te prejudicar, então confessas que toda
sabedoria druída é arbitrária. Reflita a respeito, tu, ser humano!”
Seabhac abaixou a cabeça e pensou: Nuado tinha razão como
sempre. Tornou-se lhe mais claro e mais nítido. De repente, ele riu como que
liberto. Seu riso retumbou de modo que os pássaros da floresta voaram
assustados.
Silberhand (Nuado) acenou-lhe afirmativamente: “Assim está certo.
Agora tu encontraste novamente a ti próprio. Ensina os sacerdotes, tu e não
eles é que está em ligação com o Pai Eterno através de mim, através de Gobban.
Anuncia isso a eles. Eles não são obstinados. Como eles devem saber algo melhor
se ninguém lhes diz? Molde os druidas de modo que eles vivam nos Mandamentos do
Pai Eterno, administrando assim seu cargo. Em tua mão se encontra a salvação da
tribo, talvez de todo grande povo dos Celtas. Sede forte em ti, em teu agir e a
paz do Pai Eterno preencher-te-á!”
Novamente pareceu como se uma nuvem pairasse
por entre os carvalhos, então Seabhac encontrava-se sozinho. Das
fendas e frestas os pequenos (enteais) espiavam curiosamente. Eles se
esgueiraram para fora e retornaram ao seu trabalho diário, o qual haviam
interrompido por causa da presença do grande (Nuado).
Seabhac, porém, não mais sofria na sombra fresca. Corajosamente
caminhou ele cada vez mais terra adentro e seus pensamentos ocupavam-se com a
missão que residia diante dele. Há poucos anos ele havia assumido, de seu pai,
a tribo e junto com ela todos os costumes. Aparentemente nada havia sido mudado
dos costumes antigos, agora ele deveria exigir dos sacerdotes algo assim tão
incisivo, deles que se mantinham apartados de todas as pessoas, também do chefe, o qual eles reconheciam de fato
como seu superior, mas apenas até o momento em que ele não se ocupasse com o
agir deles.
Fácil não era aquilo com que o Pai Eterno
lhe havia incumbido, mas ele não seria nem um homem, nem um príncipe, se
quisesse indagar pelo que era fácil ou difícil. A respeito disso ele sempre
pôde experimentar o auxílio do Pai Eterno, quando Dele necessitou. Portanto,
ele rapidamente iria colocar mãos à obra, e isso teria de dar certo!
Diante daquele que andava rapidamente
encontrava-se a colônia principal de sua tribo, na qual também ficava sua
própria cabana. Eram construções arredondadas, de modo que o vento do mar
quando uivasse país adentro, pudesse passar assobiando sem causar estragos.
Elas eram construídas de pedra e barro e os telhados arredondados no meio com a
ponta erguida eram firmemente tecidos de palha e ramos. A forma os antepassados
já haviam visto e confeccionado segundo o conselho dos homenzinhos da floresta
(enteais), semelhante aos cogumelos.
Mas não era para lá que Seabhac dirigia seus
passos. Ele virou para a direita tomando um estreito caminho, que seguia por
entre arbustos e vegetações rasteiras, terminando em uma planície arredondada.
Pedras altas, maiores do que as pessoas encontravam-se em círculo numa
determinada ordem. No centro havia uma enorme pedra chata sobre dois blocos de
pedra incrustados bem no solo: o altar de sacrifício.
À direita, fora desse local sagrado,
residiam as cabanas dos druidas. Elas eram arredondadas assim como as dos
homens, contudo os telhados tinham sua outra forma. Estas eram quase planas
sobre as paredes laterais e, na frente, possuíam uma elevação de madeira.
Muitas vigas que se cruzavam irregularmente eram ali colocadas e firmadas, de
modo que nenhuma tempestade pudesse arrancá-las. No final delas se viam crânios
esbranquiçados de animais, em geral de pequenos cavalos selvagens que viviam
nas montanhas. Galhos secos de uma determinada planta pendiam para baixo e as
frutinhas brancas residiam como pérolas naquele verde acinzentado. Nenhum
pássaro as bicava enquanto as brilhantes frutinhas vermelhas, que igualmente
deveriam servir como enfeite, não amadurecessem, estando assim protegidas dos
bicos cobiçosos. A folhagem verde escura tinha então que ficar sem seus
enfeites.
Quando Seabhac se aproximou da cabana do
meio e que era também a maior, um homem já de idade, saiu de lá. Seus cabelos
longos e brancos caíam-lhe nos ombros e uma branca e longa barba alcançava até a
cintura. Sua roupa, semelhante na forma com a de Seabhac, era azul. Ele
ainda trazia um manto branco sobre os ombros.
— “Seja bem-vindo, chefe” dirigiu ele a
palavra àquele que se aproximava. “Irrompeu alguma doença ou algo de ruim
ameaça a tribo para que o Habicht (Seabhac) procure o sacerdote?”
Não soava muito encorajador. O velho Padraic
havia sido professor de Seabhac e sempre se esquecia que o
jovem havia amadurecido e se tornado homem.
— “Nenhuma dessas coisas me traz ao
sacerdote” soou a resposta dominadora do chefe. “Nuado apareceu a mim e me
trouxe ordens do Pai Eterno, a qual eu vos devo retransmitir.” Aborrecido o
velho o interrompeu:
— “Por que Nuado não vem até nós,
nós que somos servos do Pai Eterno? Não nos agrada que tenhamos de nos deixar
instruir por uma pessoa mais jovem.”
— “E, contudo, este que não é mais nenhum
jovem tem de indicar o caminho certo, pai Padraic”, respondeu Seabhac seriamente. “Não te cabe atacar
algo que se origine do sábio conselho do Pai Eterno. Nuado vem a mim, ao chefe de nossa tribo, não esqueça isso.”
Não era nenhum bom começo, isso Seabhac
viu muito bem. Impetuosamente ele caminhou para lá e para cá, para dar tempo
para ambos se firmarem. Então seus passos se tornaram mais calmos e ele
implorou interiormente por auxílio. Cordialmente ele voltou-se então ao ancião,
o qual havia novamente reencontrado sua tranquilidade.
— “Pai Padraic, nós dois somos servos do
Pai Eterno. Então não deve existir entre nós qualquer briga, quer seja grande
ou pequena. Deixa-nos tentar cumprir juntos Sua Vontade, viver segundo Seus
Mandamentos.”
As palavras cordiais não ficaram sem efeito.
O velho convidou o chefe para se sentar no banco de pedra na sombra da cabana,
sentando-se ao lado dele.
Seabhac contou da instrução que lhe fora
comunicada há pouco. O Pai Eterno não queria mais nenhum sacrifício humano.
Eles deveriam encontrar outro caminho para tornar inofensivos os inimigos
presos. Além disso, também não existiriam mais tantos presos, pois – Padraic
tinha de admitir – sempre às vésperas da festa de sacrifícios, os homens da
tribo saíam para fazer presos. Se isto fosse supérfluo no futuro, então a paz
ao redor também seria maior.
Não agradou a Padraic o que era
comunicado ali. Uma boa parte do poder residia naqueles sacrifícios e no que
estava relacionado com eles. O druida sabia que os homens não saíam com prazer
para capturarem pessoas. Mas ele os obrigava a isso e eles sentiam sua superioridade
e até agora sempre haviam se curvado a ela. Se, portanto, cessassem os
sacrifícios humanos, então o poder dos druidas tornar-se-ia menor!
— “E Nuado disse o que nós devemos
sacrificar no futuro?” quis saber o ancião.
— “Nós podemos levar animais nocivos para o
altar se vós não puderdes vos desacostumar de realizar sacrifícios” respondeu Seabhac
honestamente, sem pensar na impressão que suas palavras deveriam dar ao ancião.
Este se enfureceu:
— “Do modo como tu falas, Seabhac”
exclamou ele involuntariamente “parece que realizamos isso para nossa própria
alegria, ao olharmos a vítima debatendo-se à beira da morte, pelo que lhe
arrancamos as entranhas e retiramos dela o coração.”
Seabhac estremeceu. Tudo isso ele já soubera sempre. Contudo,
nunca lhe havia parecido tão cruel e tão humanamente indigno como hoje, depois
da conversa com o luminoso.
— “Se isto vos for difícil pai Padraic”,
disse ele “então no futuro isso deve ser evitado. Ao Pai Eterno basta o incenso
que sobe de nossos incensórios.”
— “E as predições, como quereis chegar a
elas?” perguntou Padraic espreitando e de modo irônico.
— “Não precisamos mais delas, tão logo o
povo saiba que nós somos instruídos diretamente pelos servos do Pai Eterno”
soou a resposta rápida de Seabhac. Tudo isso lhe era agora tão
claro, mesmo não havendo pensado nisso até então.
— “Queres dizer isso ao povo?” irritou-se o
velho. “Acautela-te chefe, se tocares em nosso poder, então perderás! Nós somos
os poderosos na tribo!”
— “Por que tu me ameaças, pai Padraic?”
perguntou Seabhac calmamente. “Temos que dizer a quem foi dada a mensagem
do Pai Eterno? Deixai as pessoas pensarem que ela foi recebida diretamente por
vós.”
Antes que o druida pudesse responder algo, o
chefe continuou:
— “Sabes o que acabou de se me tornar claro?
Se vós deixardes primeiramente de lado a crença errada e não mais quiserdes
oferecer sacrifícios, então vós também podereis entrar em ligação com os servos
do Pai Eterno. Então vós recebereis realmente as ordens do Pai Eterno e
podereis anunciar as mensagens.”
Pensativo o ancião olhou para aquele que
falava ali tão seguro de si. De fato Seabhac havia levantado voo alto!
Não seria bom querer ficar em desarmonia com ele.
— “Se tu achas que é assim, Seabhac”
admitiu Padraic, então podemos tentar. “Na próxima lua cheia haverá
novamente uma festa. Não deixai capturar nenhuma vítima, mas anunciai que será
introduzida uma nova espécie de festa. Nesse meio tempo eu refletirei o que
irei falar aos homens. Seria bom se até lá eu já recebesse alguma comunicação
do Pai Eterno” finalizou o druida cheio de anseio. Ele queria tanto manter nas
mãos o poder e a honra.
(continua)
Texto da série especial denominada: Escritos
Valiosos
Personagens e fatos processados dentro do
contexto deste episódio:
Nuado Silberhand: No
folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé
Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia
parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o
braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono
da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou
"Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e
renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado
a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em
sua ligação com os seres humanos.
Seabhac,
Habicht: Se trata do personagem de
destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.
Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste
episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente
de seu meio.