Os Gigantes Moram ao Lado
por Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf
No
outro dia, novamente o pastor e seu rebanho subiam céleres por sobre os
rochedos. A princípio, o menino queria dirigir seus passos em outra direção,
porém alguma voz dentro dele falou: que isso seria covardia. Também, nunca mais
encontrara os gigantes. Era bem possível que estes tenham ido embora.
Mas
não! Lá estavam deitados e olhavam em sua direção. Repetidas vezes teve que
olhar para eles durante a sua escalada. Como essas figuras gigantescas
combinavam com o ambiente montanhoso! Dava a impressão que eles faziam parte
dessas escarpas e píncaros acidentados. Pareciam selvagens e sinistros,
enquanto se contemplava somente seus corpos enormes. Erguendo, porém, os olhos
até suas cabeças, então todo o medo desaparecia. O menino não compreendeu por
que tinha sentido medo no dia anterior. Hoje lhe pareciam bons e alegres.
Dirigiu-se
a eles com saudação sonora, e uma risada trovejante ecoou ao seu encontro.
“Senta aqui perto de nós, anão, “chamou Uru. “Dos teus animais
eu vou cuidar bem.”
Mas
somente depois que as cabras céleres começaram a pastar, acompanhadas de muitas
recomendações e carinhos do menino para que elas ficassem atentas, o pequeno
pastor atendeu ao convite. Um pouco receoso subiu na perna, estendida hospitaleiramente,
e olhou ao redor. O local elevado ofereceu-lhe uma visão mais ampla, não só
sobre as suas protegidas que pastavam espalhadas, mas também por entre as
montanhas.
O
que ali viu, paralisou sua respiração. Seria possível que ali estivessem
deitados mais gigantes ainda? Por todo lado ele parecia encontrá-los.
Como
se o gigante até então calado, que seu companheiro chamava de Muru, tivesse compreendido os seus
pensamentos, este o perguntou:
“Por
que te admiras, menino? Não sabias que nós somos em número maior que os cumes
das montanhas?”
“Quando
é que vocês chegaram?” retrucou o menino. Uru
riu alegremente, Muru, porém,
respondeu sério: “Nós nunca viemos. Nós sempre existimos, desde que as montanhas
se encontram aqui.”
“Mas
eu nunca vos tinha visto antes,” refletiu o pastor. “Como isso pode ser
possível?”
“A
maior parte tu ainda não percebeste, anão,” exclamou Uru impetuosamente. “Os teus olhos estavam cegos como os dos
animaizinhos jovens. Eles se abrem somente aos poucos”
“Então
Wun, o velho lá embaixo, também
ainda tem olhos cegos. Ele repreendeu-me, quando o perguntei a respeito de
vocês e disse que eu tinha inventado um conto. Como se fosse possível inventar
figuras desse tipo!” acrescentou o pequeno sorrindo.
“Tu
não deves perguntar aos homens quando queres saber de nós.”
“Então
eu pergunto a vós, ó grandes.”
“Isto
está certo” elogiou Muru sério.
“Também, terás resposta. Antes, porém, deves relatar sobre ti. Como é que te
chamam, e o que tu vivenciaste?”
“Wun me chama de Miang e, antes dele, o meu pai assim me chamava. Nós moramos lá
embaixo, desde que eu me lembre. Meu pai, a quem chamavam de o líder, era maior
e mais bonito que os outros. Um dia, ele saiu para espantar as grandes aves que
roubavam as nossas cabras. Então, os homens voltaram sem ele e disseram que a
montanha o tinha retido. Desde então, eu vivo com Wun, que se mudou para a choupana de meu pai, que é maior e mais
bonita que a dele. Quando eu não obedeço, ele me bate.”
“Então
não gostas de estar com ele?” quis saber Muru.
“Não.
Nada mais é bonito desde que meu pai desapareceu.”
“E
tua mãe?”
“Eu
não sei de nenhuma. Talvez eu não tivesse nenhuma,” pensativamente o disse o
menino. “Isso é tudo que posso lhes contar,” concluiu. “Agora devem me contar
de vocês.” Muru, porém, começou seu relato com a pergunta:” Quem confeccionou a
tua sacola, na qual trazes o teu alimento para cá?”
“Eu
próprio,” foi a resposta alegre do menino.
“E
quem confeccionou a tua roupa?” E Muru apontou para a peça composta de peles,
que cobria as costas e coxas.
“Nisso
Wun me ajudou, antigamente meu pai o fazia.”
“E
quem te criou?”
“A
mim?” espantou-se Miang. “Eu estou
aqui, desde que posso me lembrar.”
“Isso
não é muito tempo, anão,” arquejou Uru, enquanto Muru indagou: “E onde estavas
anteriormente?”
Essa
pergunta foi além da compreensão de Miang. Feliz que tinha chegado a hora de
levar o rebanho até a fonte, ele se esquivou. Porém, enquanto deixava os
animais beberem e os reunia depois para a volta ao local de pastagem, ele
raciocinou. Aquilo, que finalmente decifrou, comunicou-o a Muru:
“Eu
devo ter vindo, como as pequenas cabras, de uma velha.”
“Bem
pensado,” elogiou o gigante. “E a mulher veio de outra, e assim retrocede até a
primeira. Esta, porém, foi criada.” Muru disse-o com ênfase.
“Isso
deve ter sido feito por um Grande,” refletiu Miang, que havia se encostado na
perna do gigante, para poder olhar-lhe no rosto. Com agrado o gigante olhou
para o pequeno. Um brilho havia nas feições inquiridoras.
“Sim,
menino, aquele que criou a primeira mulher é o Maior em todo o mundo. Tudo, o
que podes ver, Ele o fez. Também a nós. Muito antes de haverem seres humanos
Ele nos chamou e nos designou como guardas das montanhas. Nós somos como uma
parte desse mundo de pedras.”
Ele
calou-se. Tinha dificuldade de expressar tudo isso em palavras. No menino,
porém, foi despertada uma grande curiosidade, ele queria saber mais.
“O
que aconteceria, se vocês vos afastassem para bem longe desta montanha?”
“Então
ela iria despedaçar-se e desmoronar aos poucos.”
“Vocês
sempre estão deitados aqui? Isso não é enfadonho?”
Uru começou a rir.
“Anão,
pensas por acaso que nós servimos com preguiça ao Altíssimo? Não, quando vocês anões dormem, nós trabalhamos.”
“Nós
melhoramos e construímos e alteramos por ordem superior,” recomeçou Muru.
“Nunca escutaste estrondo nas
montanhas, quando as pedras rolam para baixo?” Miang acenou com a cabeça. Como tudo isso era maravilhoso. Ele caiu
em profunda reflexão, e também os gigantes não disseram mais nada.
(continua)
Trecho extraído do livro: Miang
Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou
o Tibete das trevas.