Adeus aos
Gigantes
por
Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf
Quando
o sol começou a declinar, o menino animou-se. Seu dever o chamava.
“Voltarei
amanhã, ó gigantes” prometeu. Então os deixou rapidamente com seu bando
travesso. E voltou todos os dias. Aos poucos se formaram dentro dele
pensamentos e conceitos firmes.
Os
gigantes podiam pouco ajudá-lo nisso, porém, de vez em quando, Muru direcionava
com uma palavra o pensamento para um novo caminho.
Existia
um Altíssimo. Este criou tudo, tudo o que vivia, mas também todo
o mais. Isto estava tão firme na alma do menino, como se sempre o soubesse. Se, no entanto, esse Altíssimo tinha criado tudo, então também tudo a Ele
pertencia. Esta foi como segunda verdade, que luminosamente surgiu em
Miang. Se tudo é Dele, eu também sou de Sua propriedade. E
agora lhe veio o derradeiro, que tinha que reconhecer a seguir: sendo eu Sua
propriedade, então tenho que servi-Lo
com todas as minhas forças.
“Escuta,
Muru,” falou ele certo dia.
“Eu
preciso procurar o Altíssimo, para
saber como devo serví-Lo. Eu prefiro
cuidar de Suas cabras do que das de Wun, que as tirou de meu pai. Mas onde
estão as cabras Dele, e onde está Ele?”
“Isto
não podemos dizer-te, Miang. Tu deves ir mundo afora para encontrar a
resposta.”
Isto
era uma novidade que primeiramente tinha que ser examinada a fundo. Mas o
pensamento tinha algo atrativo: ir para longe da limitação destas montanhas,
para ver o que havia além! Encontrar o Altíssimo
e entrar no serviço Dele!
Cada
dia aumentava seu ardente desejo íntimo, até que Miang apresentou-se numa manhã
aos seus amigos com a decisão firme: “Hoje, quando eu retornar com as cabras,
então quero deixar tudo e ir até o Altíssimo. Eu tenho dito isso a Wun. Ele concordou,
só que – se eu for – nunca mais poderei voltar. Mas isto eu também não quero.”
“Não
será difícil para ti separar-te de tuas cabras?” perguntou Muru
insistentemente, mas surpreendeu-se quando o menino respondeu muito sério:
“Isto não importa quando se quer procurar o Altíssimo e encontrá-Lo.”
Mais
tarde, quando ele, como já se acostumara, procurou seu lugar no joelho de Uru,
pediu: “Vocês podem me aconselhar qual o caminho a seguir, para alcançar o meu
alvo o mais rápido possível?”
“Nós
podemos te ajudar até a próxima parada do teu caminho, Miang. Mais não podemos
fazer, mas isso deverá realizar-se.”
“Venha
hoje à noite novamente para cá, então Uru te alcançará por sobre os vales até o
cume branco lá no outro lado. Com isso te é poupada penosa escalada e um muito
difícil caminho.”
“Encontrarás
lá, onde serás colocado sobre os pés, uma morada. Nela mora um sábio muito
velho, o qual está destinado para ser teu professor. Entretanto, depende
unicamente de ti, se ele irá aceitar-te. No caso das dificuldades nas montanhas
podemos te ajudar desta vez. Todas as demais tu mesmo tens que vencê-las.”
“Eu
poderei fazer isso?” perguntou o menino receoso. A profunda seriedade de seu
amigo gigante abafou um pouco o radioso espírito empreendedor.
“Tu
poderás fazê-lo, se nunca perderes de vista o teu alvo, de encontrar o
Altíssimo. Então terás ajuda nas tuas caminhadas.”
De
noite, Miang estava perante seus amigos. Estava vestido como sempre. Nada além
da sacola de merenda mais recheada indicava preparativos para a grande
caminhada.
“Não
tens uma vestimenta melhor, anão?” perguntou Uru amigavelmente. “Morrerás de
frio, pois lá em cima é gelado.”
“Não,
não tenho nada melhor,” disse o menino com leve aflição. “Eu pedi a Wun para me
dar uma pele de meu pai, mas ele escarneceu de mim.”
Por
um instante os gigantes se entreolharam, depois Muru acenou afirmativamente.
“Deita-te
aqui por um curto espaço de tempo,” ordenou ele, “até chegar a hora de levar-te
embora. Durma, Miang, durma.”
Ao
pronunciar essas palavras colocou carinhosamente a sua enorme mão sobre o
menino, que se aconchegou confiantemente e logo adormeceu.
Em
seguida, Uru soltou uma enorme massa de pedras e enviou-a com um deslizamento
bem calculado até o vale. Com segurança esta alcançou os ”montículos de
toupeira”, os quais até então foram o lar de Miang. Muru, porém, tinha chamado alguém para ajudar. Era um ente
minúsculo, sem ter nem a metade do tamanho do menino, que se encontrou à sua frente
para receber sua ordem.
Então
ele partiu sem demora, e logo voltou. Cuidadosamente trouxera a mais bela das
cabras, Fu-Fu, a travessa. Nas costas chegou levando uma trouxa com peles.
Agora Muru retirou a mão do rosto do menino e chamou-o.
“Miang,
chegou a hora da tua peregrinação. Mas não deverás partir totalmente sem
bagagem. Leva a cabra e as peles como lembrança de teus amigos gigantes, mas
também como prova de como o Altíssimo cuida de todos que entram no serviço
Dele.”
Miang,
porém, que com grande alegria tinha cumprimentado Fu-Fu, da qual a despedida
lhe tinha parecido muito difícil, deixou a cabra e voltou-se subitamente para o
locutor.
“Muru,
é verdade que o Altíssimo torna viável o meu caminho até Ele? Quer Ele me
aceitar como Seu servo, a mim, Miang, que nada de concreto sei Dele?”
E
quando Muru acenou seriamente, brotou do menino impressionado:
“Ó
Altíssimo, a quem eu sinto e pressinto, deixa-me encontrar o caminho até Ti,
para que eu Te sirva com todo o meu ser e Te agradeça pela Tua bondade não
merecida.”
A
despedida foi curta. Uru segurou o menino, ergueu-se e esticou o enorme braço
para longe. Onde as pontas de seus dedos tocaram os rochedos, Miang foi
amparado pela mão de outro gigante.
Depois
disso, encontrou-se entre gelo e neve num deserto de montanhas. Os picos
estranhos de rocha olhavam ameaçadoramente para ele, era muito frio.
Tremendo
arrepiou-se e quase esqueceu de dirigir o seu agradecimento para o alto. Aí já
estava também Fu-Fu ao seu lado, igualmente tremendo de frio. Miang olhou para
o céu. O amanhecer não ia tardar.
“Espera
só, Fu-Fu, até que apareça a roda de fogo, então aqueceremos e poderemos
reconhecer o nosso caminho,” consolou ele a sua companheira e, com isso, também
a si próprio. Encostados bem um no outro esperaram ambos o sol.
(continua)
Trecho extraído do livro: Miang
Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou
o Tibete das trevas.