Sobre a vida dos Celtas –XXIV
Por
Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff
Anteriormente: Tristeza aos presentes no templo pela revelação
do druida em presidindo o culto, quando anunciou o assassinato do Filho de
Deus; então houve o clamor de todos orando e pedindo ao Pai Eterno para impedir
aquele ato horrendo... Piara, o
druida superior, estava deitado doente sobre o leito e sua língua havia se
emudecido. Nenhuma palavra ele conseguira mais falar desde que o seu grito de
horror havia ecoado pela casa de Deus.
Depois de algumas semanas que haviam se
passado dessa maneira, o Pai Eterno apiedou-se do povo abatido. Ele utilizou
para isso um instrumento especial.
O Filho mais jovem do casal de príncipes, um
menino de cinco anos, estava sentado no aposento de sua mãe sobre uma espessa
pele. Ele havia levado pedras para lá, com as quais ele construía algo.
Príncipe Erik e a esposa Graanje
entraram no aposento sem terem visto a criança.
— “Tu deves preceder o povo por meio de teu
exemplo, meu esposo” disse Graanje
incisivamente. “Vede, eu temo que se o povo continuar assim esmorecido, então
logo poderá chegar ao pensamento de que tudo está perdido, não valendo mais a
pena levar uma vida sem pecados. Lançai fora a tristeza de ti, meu amigo!”
— “O abismo, o grande abismo!” gemeu o
príncipe com a alma ferida.
— “Nós podemos lançar uma ponte por cima
dele” soou então a voz infantil.
Os pais se viraram e olharam para o menino
de cabelos luminosos, cujos dedos se esforçavam para fazer por meio das pedras
uma ponte sobre um abismo artificial feito na pele.
Amigavelmente a mãe voltou-se ao pequeno.
“Será que Fionnoch pode realmente
transpor esse profundo abismo? As pedras não bastam para isso.” A criança
sorriu de forma marota.
— “As pedras são pedras humanas, mas os
dedos de Fionnoch são entes luminosos. Onde as coisas humanas não são
suficientes, aí os entes luminosos auxiliam. Vede mãe” jubilava ele, quando
realmente conseguiu segurar várias pedras ao mesmo tempo, de modo que o abismo
era transposto. “O que os seres humanos não são capazes, aquilo será realizado
para eles!”
Graanje passou a mão sobre o cabelo de seu filho e dirigiu-se
então ao príncipe.
— “Tu ouviste o que o menino disse? O que os
seres humanos não são capazes de fazer, aquilo será realizado para eles. O Pai
Eterno deixou anunciar isso através da boca infantil, disso estou certa.
Refleti, pois, naquilo que o mensageiro luminoso disse: “Precavei-vos para que
vós pertençais àqueles que ainda possam encontrar o Pai Eterno, passando pelo profundo
abismo.” Como Erik calou-se
refletindo, a princesa prosseguiu entusiasmada:
— “Nós já negligenciamos muito nessas
semanas de inatividade cheias de tristeza. Nós todos temos que nos recompor.
Nossos esforços têm de ser ainda mais puros, nossa vontade ainda mais firme.
Será mais difícil do que outrora, para que a Força luminosa do Pai Eterno flua
sobre nós. Mas nós temos que transpor o abismo.”
— “Minha esposa, meu filho, quanto vós me
auxiliastes” agradeceu Erik. “Como
as palavras infantis também iluminaram minha alma desanimada! Eu quero me
reanimar e viver exemplarmente para o povo, de modo que agora nós não devemos
deixar de persistir no esforçar-se para cima.”
Primeiramente o príncipe procurou Piara, ele achava ter que contar-lhe em
primeiro lugar o que havia encontrado. Triste encontrava-se ele ao lado do
leito daquele que havia sido seu amigo. O corpo movimentava-se inquietamente
para lá e para cá, mas nenhuma palavra aflorava dos lábios quentes, os olhos
pareciam vazios.
De repente Erik ouviu uma voz: “Tu não deves te entristecer por causa dele.
Seu espírito está protegido! Muito grande e muito incisivo fora o susto que a
visão lhe outorgara. A alma afasta-se do corpo e devido à graça do Pai Eterno,
ela não irá mais retornar. Aos poucos o corpo abandonado irá falecer. Os
tormentos que ele vivencia aí, Piara
não sente mais.”
Ao agradecimento que se elevava em Erik, pelo amigo estar liberto de todas
as dores, se associou imediatamente o funesto pensamento: “Assim, na hora do
desespero, também não temos mais nenhum druida superior! Nós fomos
verdadeiramente abandonados pelo Pai Eterno.”
Novamente ele pôde ouvir a voz. Desta vez
ela soava cheia de repreensão: “Não peques, príncipe, vós pertenceis aos
poucos, aos quais o Pai Eterno ainda deixa prover. Esse saber deve vos tornar
fortes na luta contra as trevas, as quais também querem se aproximar de vós. O
Pai Eterno já determinou o sucessor de Piara.
Note bem: o druida que, como primeiro, adentrar este aposento será o druida
superior. Ele já sabe disso, o Pai Eterno já lhe anunciou. Juntamente com tua
esposa ele irá auxiliar a manter firme a ligação com o reino da Luz. Vós outros
deveis lutar como nunca: contra vós e contra vossas cobiças, contra as trevas
que querem se imiscuir em vosso país.”
A voz silenciou. Erik caiu de joelhos orando
ao lado do leito de seu amigo, cujo corpo se aquietara então.
Então a porta se abriu e entrou um dos mais
jovens druidas, o filho Donnloch.
Sobre ele pairava uma luminosidade. Aquilo que ele havia acolhido há pouco
ainda irradiava dele. Ele parecia tão indigno da graça do Pai Eterno e apesar
disso o Pai Eterno havia-lhe convocado, portanto, ele também poderia ser servo!
Silenciosamente ele aproximou-se do leito e
fechou com mão suave os olhos que haviam esmorecidos. Então ele orou,
agradecendo ao Pai Eterno pela graça que Piara
pôde receber.
— “Ele se encontra do outro lado, aonde ele
pode ver tudo sobre uma luz diferente” voltou-se ele então ao príncipe.
Este acenou afirmativamente com a cabeça. “E
tu deves, aqui, preencher o seu lugar” disse ele então. Donnloch não perguntou de onde Erik
sabia a respeito disso.
— “Eu me alegro a esse respeito” respondeu
ele. “Se eu orar para que me seja auxiliado, eu serei capaz de conseguir aquilo
que o Pai Eterno espera de mim.”
Eles deixaram então o falecido a cargo de
outras mãos e dirigiram-se ao palácio por proposta de Erik, onde o príncipe comunicou a sua esposa e a Donnloch o que lhe havia sido
anunciado. Um grande e sagrado querer transfundia todos os três, a fim de
auxiliar o povo para que ele nunca perdesse a ligação com o reino do Pai
Eterno.
Assim havia acontecido que sobre o povo de Seabhac cresceu ainda mais um sincero
esforço e um verdadeiro amor pelas coisas divinas, depois do cruel assassinato
do Filho de Deus e depois que na maioria dos outros países as trevas começaram
a descer com mais poder.
Também nas demais tribos Celtas, ainda que tão
longe eles vivessem desta parte do grande mar, fluía algo a respeito do saber e
do querer da tribo mais ao norte.
Nos longos anos não houve nenhuma época em
que as tribos não se sentissem guiadas pelo Pai Eterno. A elas a ligação não
estava desfeita, também quando as trevas procuravam se aproximar nas mais
diversas formas, ou talvez, em tais momentos, a ligação era ainda mais forte do
que usualmente, porque o povo de Seabhac
estava habituado a ir de encontro a todos os perigos, orando.
Mais ou menos cem anos depois do nascimento do
Filho de Deus começaram a aportar no sul de todos os reinos, novamente
suntuosos navios descarregando guerreiros em grandes quantidades. Como um
vagalhão essas hordas se derramaram por sobre o país, cujos habitantes estavam
mui surpresos, a fim de poderem pensar de forma suficientemente rápida numa
real resistência. Os comandantes invasores exigiam que eles se entregassem, que
assim não lhes aconteceria nada.
(continua)
Texto da série especial denominada: Escritos
Valiosos
Personagens e fatos processados dentro do
contexto deste episódio:
Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos,
que se situa como soberano de uma comunidade celta.
Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht
Meinin: esposa de Seabhac, Habicht que veio de outro reino
salva e aceita para proteção.
Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio
como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu
meio.
Donald: Escolhido como novo Superior dos
Druidas (após morte misteriosa d Padraic)
Nuado
Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos
Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e
que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh
perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse
o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou
"Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e
renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo
direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um
enteal de certa forma
importante em sua ligação com os seres humanos.
Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com
Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os
Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon
(galês).
Na
mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann
e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine
tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de
arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os
Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia
invulnerabilidade a quem o bebesse.
Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas,
das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo
que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a
poetisa, a médica e a ferreira.
Lug: ou Lugh - filho de Cian (Kian) dos Tuatha Dé Danann e
Eithne (também Etaine), filha de Balor (rei dos Fomorianos). Comandou as forças
dos Tuatha na vitoriosa Segunda Batalha de Mag Tuireadh (Moytura) contra os
Fomorianos, na qual matou o avô Balor. É a figura extraordinária do Deus jovem
irlandês que suplanta o Deus Velho; está associado à habilidade e à técnica; é
conhecido como Lugh Samhioldanach (de muitas artes) e Lugh Lámhfhada (de mão
comprida). Raiz da palavra gaélica que significa Agosto (Lúnasa), isto é,
Lughnasadh (festa de Lugh). Corresponde ao Lleu Llaw Gyffes galês.
Pieder – príncipe
filho de Seabhac, Habicht e Meinin
Cuimin
– príncipe
filho de Seabhac, Habicht e Meinin
Brigit
– príncesa
filha de Seabhac, Habicht e Meinin
Fionn – príncipe filho de Seabhac, Habicht e Meinin