Decisão nas Alturas
por
Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf
Sinopse de
Fatos Transcorridos: Vindo de região entre montanhas cobertas de neves eternas, com a ajuda de
entes gigantes nativos da natureza, invisíveis ao plano físico grosseiro, como seres
que foram seus únicos amigos de infância, pois perdera seus pais muito cedo na
vida; se encontrava o jovem Miang, após aprender o máximo em seu estudo
inicial com seu primeiro mestre, agora morando na companhia de um
desconhecido, numa situação de vida estranha, apenas aguardando o momento certo
conforme aspirava, para se iniciar nos assuntos mais elevados, ligados ao saber
do Altíssimo, cuja meta ainda queria alcançar...
Encontrou-o
justamente no momento em que tentava movimentar uma pesada pedra até a borda do
desfiladeiro. Rapidamente juntou-se ao trabalho e com estrondo o pedaço de
rocha caiu para o fundo. Involuntariamente Miang debruçou-se, para olhar para
baixo, no entanto, sentiu-se agarrado bruscamente e puxado para trás.
“Curiosidade
aqui traz a morte!” exclamou o mestre com voz áspera. E já tinha soltado uma
nova pedra.
Sem
proferir palavra nenhuma, Miang pôs as mãos à obra e eles trabalharam, até que
a escuridão os circundou. Só então retornaram para a tenda.
O
menino gostou do calor que o acolheu, porém, ainda não era hora para
deliciar-se com ele. O homem, munido com diversos utensílios, saiu novamente da
tenda e chamou Miang para junto dele. Caminharam poucos passos. Sob um ressalto
de uma rocha havia pedras empilhadas, sobre as quais o homem acendeu um fogo.
“Preste
bem atenção,” ordenou a Miang. “Amanhã este é o teu serviço”
E
o menino admirou-se, como com enorme rapidez pedras eram batidas umas contra as
outras, até que centelhas caíssem sobre os gravetos. Quando o fogo estava em
alegres chamas, foi colocada em cima uma armação com quatro pés e, sobre a
mesma, um vasilhame delgado trabalhado em pedra. Continha leite, mas também
outros ingredientes, pois agradáveis odores se espalharam quando a mistura
esquentou.
Espontaneamente,
o menino tinha cuidado do fogo, agora o homem lhe disse para deixá-lo
apagar-se. Nisso, levantou cuidadosamente o vasilhame e levou-o para a tenda.
Estava fumegando: Miang nunca tinha visto uma coisa tão deliciosa.
“Venha,”
foi o breve convite, com que o homem trouxe um pequeno vasilhame, no qual
despejou logo a metade do mingau. Depois, porém, ergueu-se, levantou as mãos e
disse:
“Todo
Poderoso, nós Te agradecemos pelo alimento.”
Foram
somente poucas palavras e, mesmo assim, pareciam provocar algo grandioso.
Tinham transformado o homem deselegante e pouco amável. Em Miang brotou uma
grande confiança.
“Eu
te agradeço, mestre,” disse ele comovido, quando este lhe alcançou o pão e o
mingau.
“Não
tens nada a agradecer-me. Esta refeição tu a ganhaste com o teu trabalho. Não
me chama de mestre, eu não o sou.”
“Como
é que digo então?”
“Eu
me chamo Fong,” foi a breve resposta.
Calados
comiam ambos a sua refeição. A seguir, Miang foi mandado para lavar os poucos
utensílios num regato de água cristalina, gelada, que corria perto da tenda por
sobre as rochas.
“Durma,”
disse depois.
Com
saudade lembrou-se o menino da prece conjunta à noite, que para ele tornou-se
um costume. Parecia que devia rezar sozinho. Será que alguma vez ouviria de
Fong algo sobre o Todo Poderoso?
Então
seguiram dias com muito trabalho. Miang aprendeu a conhecer a obrigação do
trabalho regular, e não era de seu agrado. No seu íntimo revoltou-se mais de
uma vez contra isso. Se ao menos soubesse, por que ambos, sob
esforço máximo, deixavam rolar as pedras para o abismo! Julgava que então lhe
seria menos penoso.
Os
dias passavam sem alegria. Fong falava somente o absolutamente necessário.
Nenhuma palavra de estímulo se fez ouvir. Nenhum gigante estava por perto.
Houve
dias, nos quais o menino quase desanimou com o pensamento de que pudesse estar
no caminho errado. Ele realmente estava, mas de modo diferente do que pensava.
Enquanto ele pensava estar abandonado por tudo que o pudesse levar até o
Altíssimo, estava a ponto de abandonar o seu Senhor, porque não compreendia o
caminho Dele.
Tristemente
pairavam os olhos de Fong sobre ele, quando gemia em sono inquieto. Teria
ajudado de bom grado, mas Miang deveria ele mesmo passar pela dura vivência.
Não se podia dar a ele ao menos uma indicação? Fong pediu fervorosamente por
esta alma que lhe foi confiada. Então veio resposta, o que devia fazer.
De
manhã, quando o menino aprontava-se para ir ao trabalho, Fong virou-se e disse
asperamente: “Sem alegria fazes o teu trabalho. Desista, até que mudes de
opinião.” Miang olhou perplexo para Fong.
“Devo
prosseguir a caminhada? Não me queres mais ao teu lado?”
“Tu
ficas aqui, até o Altíssimo nos mandar novas ordens,” foi a resposta, que pouca
coragem deu ao menino para continuar a conversa. Não obstante, aprumou-se e
perguntou: “O que devo fazer, se não ajudar a ti com as pedras?”
“Nada.”
Isso
era conclusivo. Com barulho de trovão foram lançados no penhasco diversas
pedras em sequência rápida. Qualquer possibilidade de entender uma palavra
estava cortada.
Por
alguns momentos Miang parou indeciso. Não podia entender que estava livre para
poder fazer o que bem entendesse. Em seguida olhou ao redor. Nunca tivera tempo
para fazê-lo. Inóspitas, as rochas miravam de alturas vertiginosas para baixo,
fincadas até as profundezas na neve e gelo. O esplendor do sol pairava luminoso
sobre as mesmas, mas seus raios mostravam ainda mais nitidamente quão
acidentadas e rasgadas elas eram.
Vagarosamente
dirigiu-se Miang até um ressalto da rocha, que logo adiante impedia a visão.
Não havia um ser vivo em parte alguma. Se ao menos Fu-Fu estivesse junto dele!
Com esforço infinito alcançou o alvo que havia fixado, ele escalou as encostas
desse ressalto de rocha e obteve, então, uma visão ampla desimpedida. Montanhas
elevaram-se atrás de montanhas, entre elas havia profundos precipícios. Também
ao lado do ressalto, onde se encontrava, abria-se rente um precipício profundo.
O menino teve que desviar-se e fechar os olhos, teve vertigens. Sentou-se e
apertou as mãos contra o rosto. “Todo Poderoso,” gemeu ele e, novamente, “Todo
Poderoso.”
Quando
pronunciou a palavra sagrada pela segunda vez, emocionou-se. Como o Altíssimo,
que tudo isso criou, devia ser sublime, muito além do nosso entendimento! Onde
poderia morar, onde podia ser encontrado? Pois Miang queria procurá-Lo. Estava
ele no caminho certo até Ele? Não havia perda de tempo inútil com o trabalho
pesado em silêncio?
Sempre
de novo os pensamentos voltavam-se para essas duas questões. Não estava
acostumado a encontrar respostas sem qualquer ajuda, mas as perguntas não o
largavam, pois precisavam ser solucionadas.
Ele
repensou sua vida até agora: nitidamente palpável foi a condução do seu mais
alto Senhor durante os últimos anos. De modo maravilhoso tinha avançado, também
para aqui.
Também
para aqui! A respiração do ser humano, que estava lutando por clareza, parou,
um fino véu caiu! A vontade do Altíssimo também o mandou para cá, isto ele
acreditava firmemente. Como podia desanimar-se a tal ponto?
Com
isso também estava solucionada, como lhe parecia, a segunda pergunta. Se estava
aqui por vontade do Altíssimo, então o tempo não poderia ser inútil.
Respirou
aliviado. Olhou ao seu redor e percebeu que o sol estava declinando. Devia
apressar-se na volta, se não queria perder a hora de seu compromisso de
preparar a refeição noturna. Mas a descida era bem mais dificultosa que a
subida. Estava quase completamente escuro quando chegou ao local do fogão, onde
o fogo já havia se apagado.
(continua)
Trecho extraído do livro: Miang
Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou
o Tibete das trevas.