A Graça Vinda do Trabalho
por
Charlotte Von Troeltsch e Susanne Schwartzkopf
Sinopse de Fatos Transcorridos: De região montanhosa sob neves
eternas, guiado por gigantes nativos da natureza, invisíveis ao plano da
materialidade grosseira, conhecidos como seus únicos amigos de infância, pois
perdera seus pais muito cedo; assim vivia o jovem Miang, que depois de esgotar
seu estudo inicial com seu primeiro mestre, agora morava junto de Fong,
um homem estranho, para continuar aprendendo em nova fase da vida, aguardando o
momento de sua iniciação qual aspirava, nos assuntos mais elevados, ligados ao
saber do Altíssimo, cuja meta ousava seguir...
Entrou
rapidamente na tenda, onde Fong parecia estar dormindo sobre o seu monte de
peles. Por longo tempo parou, indeciso, depois procurou o seu leito e caiu logo
no sono, apesar de sua fome de roer. Dormiu um sono profundo. Quando, na manhã
seguinte, abriu os olhos, a tenda estava iluminada pelos raios do sol. Ao seu
lado, no chão, estava a sua refeição. Estava sozinho. Pela primeira vez Fong
não o havia chamado. Apressadamente engoliu o pão e o mingau. Quando a primeira
fome forte estava saciada, parecia-lhe ouvir repentinamente a voz de Fong, que
naquela vez tinha dito, que deveria ganhar seu sustento trabalhando. Ontem não
tinha feito nada. Hoje perdeu a hora!
De
fora chegou até ele o barulho de enorme trabalho, pedra por pedra rolava para a
profundeza. Miang não se reteve mais. Rapidamente juntou-se ao trabalhador e
queria ajudar. Fong interrompeu seu trabalho somente para dizer: “O trabalho te
parece sem utilidade e sentido. Tu estás livre!”
Novamente
estava despedido. Porém, se ontem, após o primeiro espanto, havia sentido um
leve sentimento de alívio, hoje sentia somente tristeza. Fong havia sentido os
seus pensamentos! Fong rejeitava-o. Tinha sido um ajudante descontente e devia
ter sido um agradecido. Envergonhado caminhou riacho acima. Queria ficar nas
proximidades para poder chegar a tempo em casa, mas Fong não deveria poder
vê-lo.
O
murmurar da água, que alegremente saltitava para o vale, mal sobrepôs-se ao
barulho enorme das pedras. Miang jogou-se sobre o pedregulho e suplicou ao
Altissimo por ajuda, força e iluminação. Dessa forma nunca havia invocado o seu
desconhecido Senhor. Nunca tinha estado tão profundamente convicto, de que seu
pedido seria ouvido e atendido.
Nesse
instante caiu novamente uma venda. Depois de ter rezado: “Eu sou o Teu servo,
Altíssimo, mesmo se ainda não conheço o meu serviço, nem sei tampouco, como e
com que posso servir-Te,” veio-lhe a certeza de que também Fong era um servo do
Altíssimo. A mando de seu Senhor ele executava o seu trabalho dia após dia.
Contudo, Miang também foi trazido até ele à Seu mando. Portanto, ele deveria
ter considerado imediatamente essa inútil movimentação de pedras como servir.
Em vez disso, tinha reclamado em seu íntimo. Não era de se admirar que Fong não
mais o considerasse digno de ajudar.
O
menino caiu em ardente pranto. Não chorava facilmente, apesar de ser tão jovem
e sensível, mas estas lágrimas provinham de amarga vergonha e arrependimento e
trouxeram consigo sua benção. Quando esgotaram-se, havia surgido algo novo na
alma de Miang, a firme vontade de reparar seu erro. Daqui por diante queria
assumir o trabalho, por mais pesado, sem reclamar, sem questionar.
Perpassou-lhe:
Não residia uma parte de sua culpa no constante questionamento pelo por que do
trabalho? Por acaso, as suas cabras alguma vez perguntaram, por que os chamava
das mais suculentas ervas, para empenhar-se em outro caminho? O que o seu
Senhor deveria pensar de seu futuro servo, que a cada ordem queria antes saber
o motivo? Oh, como estava envergonhado!
Novamente
corriam as lágrimas mal acalmadas e lavaram de sua alma o último vestígio de
presunção.
“Quem
sou eu, Senhor, que me atrevo cismar a respeito de Tuas ordens?”
Em
voz alta o tinha exclamado e não se admirou, quando recebeu resposta:
“És
um pequeno homem insensato!” falou uma vozinha clara.
Ele
se virou. Sobre uma pedra redonda na água estava sentada uma pequena figura
feminina. Fluentes como a água era seu vestido e seus cabelos. Parecia, às
vezes, como que se dissolvesse na correnteza. Miang olhou admirado para a
graciosa criatura. Nunca em sua vida havia visto algo tão bonito.
“Quem
és tu?” perguntou receoso.
“Eu
sou a vida dessa água, cada córrego, cada rio tem a sua. Eu pertenço a esta
água, e ela me pertence.”
O
menino refletiu sobre a resposta
“Então
tu também és uma serva do Altíssimo?” queria saber.
A
ente confirmou e riu: “Eu sou o que tu queres ser.”
“Tu
percebeste tudo o que eu disse e o que pensei?” indagou Miang.
“Isso
não foi difícil saber,” sorriu a ente. “Esperamos todos os dias para que os
teus olhos se abrissem. Tu, porém, precisavas primeiro conhecer-te a ti mesmo,
antes que pudesses ver-nos. Olha ao teu redor!”
E
o braço branco como a neve indicou ao redor. Aí Miang viu gigantes deitados, os
quais levantaram as cabeças e acenaram para ele. Mas ele viu ainda mais: em
toda parte movimentavam-se pequenos vultos céleres, trabalhando com afinco.
Júbilo
preencheu o há pouco ainda desanimado. Ele não mais estava sozinho. Sentiu-se
incorporado ao grande número dos servos. Levantou-se rapidamente.
“Fique
ainda,” pediu a ente.
“Querida
ente, eu tenho que ir trabalhar,” afirmou Miang cordialmente.
“Qual
é o teu trabalho?”
“Até
agora tive que ajudar a soltar pedras e despachá-las para a profundeza,” Miang
quase não se permitia mais tempo para responder a pergunta.
“Que
estranho,” disse lentamente a ente encantadora.
“Os
gigantes não poderiam fazer isso bem melhor?”
O
questionado não pensou nem um instante.
“Bem
possível, mas o Altíssimo nos encarregou desse trabalho, então deve ser
necessário que nós o façamos.”
“Então
vá ao teu trabalho,” sorriu a graciosa. “E quando te for permitido um descanso,
visite-me e conte-me sobre isso.”
“Vida,
eu te agradeço,” exclamou o menino ao distanciar-se aos saltos. Ao seu lado
andavam com passos pequenos duas figurinhas cinzentas como pedra.
Confiantemente olharam para ele, que se sentia grosseiro e enorme ao lado
deles.
“Acordaste
finalmente, tu meio servo?” perguntou um deles, que portava uma comprida barba
encanecida. “Sabes tu agora algo do que significa servir?”
“Eu
ainda sei muito pouco, mas eu o aprenderei.” retrucou Miang confiantemente.
Ele
tinha alcançado Fong, que parecia desempenhar tranquilamente o seu pesado
trabalho. Sem perguntar, Miang começou a trabalhar resolutamente. Ele sabia que
não mais seria mandado embora.
Os
dois trabalharam silenciosamente, até o pôr do sol. Se Miang tinha esperado por
alguma palavra de Fong, então estava muito enganado. Seu mestre tinha ficado
ainda mais calado e isso, também, não mudou nos próximos dias. Miang, por sua
vez, não teve coragem para dirigir-se ao calado. Também, o que poderia ter
dito? Daquilo que se passava no seu íntimo, o homem parecia não querer saber
nada. De outro assunto o menino não sabia falar. Mas isso não o afetava mais.
Desde
que parou de resmungar sobre a finalidade do trabalho que lhe parecia tão
inútil, concentrou toda a sua atenção sobre o mesmo. Ele viu, cheio de
admiração, como as grandes e pequenas pedras estavam encaixadas no solo.
Observou as formas e descobriu, então, que geralmente possuíam cores
completamente diferentes. Algumas eram brilhantes e reluzentes quando o sol
incidia sobre elas, outras brilhavam do seu interior em vermelho profundo ou
azul saturado.
Como
isso era belo! Com entusiasmo renovado ele cavou, empurrou, puxou e arremessou.
Somente lamentava que toda essa beleza devia implacavelmente cair no abismo.
De
um dia para outro ele começou a sentir satisfação no trabalho, principalmente
quando pôde observar como as forças de seu corpo aumentavam. Leve ficou para
ele o que antes lhe parecia tão difícil. Um dia, na alegria sobre essa
descoberta, afastou rapidamente as mão de Fong para o lado, quando este quis
apanhar um grande e pesado bloco. Sozinho o tirou do solo, rolou-o até o abismo
e deixou-o cair com estrondo.
Aí
Fong afastou-se do penhasco. Assustado, Miang virou-se e olhou para ele. Estava
o homem aborrecido pela sua autosuficiência?
Um
olhar para as feições de Fong acalmaram-no, e mais, encheram-no de surpresa.
Havia um brilho de grande alegria nelas.
“Nós
podemos parar de trabalhar, Miang,” ouviu a voz do homem. Também esta estava
totalmente transformada, muito mais suave do que antes. “O começo daquilo que
tu deverias aprender, está terminado. Vamos agradecer ao Altíssimo.”
Juntos
caminharam até o ressalto de rocha, no qual Miang, há pouco tempo, tinha
passado o seu primeiro dia solitário. A subida, hoje, não lhe parecia mais
difícil. Com o coração aliviado caminhava atrás de seu companheiro, olhando
alegremente ao redor.
Também
a paisagem parecia mudada. Certamente os píncaros rochosos estendiam-se até o
céu, profundos desfiladeiros encontravam-se entre eles, mas a luz do sol
dourado iluminava tudo isso e, para onde dirigia seu olhar, encontrava a mais
animada vida. Como a um velho conhecido os gigantes acenavam para o menino
feliz. Alegremente cercavam-no as pequenas figuras dos homemzinhos cinzentos.
Chegando
no topo, Fong levantou os braços para o céu e pronunciou uma curta e fervorosa
prece de gratidão, por ter o Todo Poderoso feito com que esta primeira parte da
formação tivesse tanto êxito.
Depois
os dois sentaram no mesmo lugar, onde o menino tinha enfrentado sua primeira e
solitária luta consigo mesmo. E veja: Fong, o silencioso, começou a falar:
“Eu
me alegro por ti, Miang. Nestas semanas tens aprendido muito, mais do que tu
mesmo ainda podes pressentir. Em força e habilidade tornaste-te um homem. Fazer
isso de ti era uma parte da minha missão recebida do Altíssimo. Certamente
deves servir futuramente ao nosso elevado Senhor com o espírito, porém, para a
vida que deverás levar, necessitas de um corpo bem treinado. Primeiramente este
deveria ser desenvolvido, antes que eu preenchesse o teu espírito facilmente
impressionável com o saber do Todo Poderoso.”
Os
olhos de Miang arregalaram-se admirados.
“Então
tu queres me falar do Altíssimo? Tu queres me ensinar?” Júbilo estava contido
em sua voz. Sobre as feições de Fong passou um sorriso, que o embelezou
maravilhosamente.
(continua)
Trecho extraído do livro: Miang
Fong, como relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou
o Tibete das trevas.